sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Sacudir o status quo

O ano de 2015 arrancou com manifestações de alguma perturbação no sector público em Cabo Verde. Já houve uma greve dos agentes da polícia judiciária. Meses atrás foram os guardas prisionais que partiram para a greve por razões de carreira e salários, e já se fala de alguma agitação pelas mesmas razões nas hostes da Polícia Nacional. Esta semana começou a greve dos professores. Está marcada para Março a greve dos funcionários das Alfândegas. Trabalhadores do ministério do Desenvolvimento Rural ameaçam greve por motivo de demora na implementação do PCCS.
O Estado dá sinais de ter dificuldade em cumprir com promessas feitas ou expectativas criadas em vários sectores da administração pública. Dias atrás a ministra da Educação referiu-se a essas dificuldades como falta de “liquidez financeira”. Certamente algum constrangimento financeiro já poderá estar a manifestar-se. São vários anos de crescimento anémico e é natural que a quebra na procura interna e a diminuição de importações comecem a ter impacto nas receitas do Estado. Se assim for, a procissão poderá estar ainda só no adro e várias outras manifestações de insatisfação poderão vir a verificar-se. Neste ano as pessoas nem poderão contar com os produtos de um bom ano agrícola para amortecer os efeitos da erosão do poder de compra de salários que não são actualizados.
A antecipar o impacto político do descontentamento no sector público neste ano pré-eleitoral, o governo já se apressa em encontrar motivação política nas reivindicações feitas. É uma forma ilegítima de exercer pressão sobre os trabalhadores. Transforma a luta sindical em alguma forma de oposição política e com esse expediente procura, por um lado, dissuadir aqueles que não têm partido ou não se identificam com os partidos de oposição. Por outro lado, procura esvaziar a priori a eventual simpatia que a luta por melhores condições de vida e de trabalho poderia suscitar em outros sectores da sociedade ao confundi-la maliciosamente com os embates do pleito eleitoral que se avizinham.
Aliás, viu-se essa táctica no debate sobre a Segurança do dia 23, segunda-feira, na Assembleia Nacional. A própria oposição foi acusada de eleitoralismo por trazer a debate a segurança do país quando todos se mostram apreensivos com o nível de criminalidade existente e com os ousados atentados contra o Estado que se verificaram nos últimos meses. Em situações recentes, designadamente na resposta do Estado à erupção do vulcão e ao afundamento do navio Vicente com perda de muitas vidas, a tentação é de acusar quem critica de querer tirar dividendos políticos da desgraça alheia. Teme-se que tais métodos passem a ser o expediente do momento para calar qualquer crítica.
Expediente particularmente oportuno num ano em que problemas em vários sectores, até agora encobertos, de repente estão a emergir e a tornar-se visíveis para todos. Aos conhecidos problemas do desemprego, da pobreza e da segurança vem-se juntar problemas em sectores como educação, saúde e transportes marítimos. Neste momento todos olham com atenção e com muita preocupação para a TACV e as suas sérias dificuldades em se manter como empresa viável e em garantir linhas aéreas internas. E a inquietação não fica por aí. Pergunta-se que mais outra empresa ou serviço público não estará a passar por situações que poderão deixar desprotegidos os utentes em momentos preciosos de necessidade e urgência.
Também pode-se perguntar se a pouca eficiência na utilização dos meios e a falta eficácia na acção, visível no desperdício de recursos e nos fracos resultados,  não seria  parte de uma “crónica já anunciada”. De facto, não se pode partidarizar profundamente todo o sector público incluindo a administração central e as empresas públicas e depois ter os melhores resultados de gestão e o melhor serviço prestado aos utentes independentemente da sua cor partidária, suas opiniões e sua proximidade familiar ou clientelar. Também é claro que não se pode manter um sistema semelhante sem que custos enormes de ineficiência, de quebra de produtividade e de perda de oportunidades se acumulem e todo o país sofra por causa disso. O problema é reconhecer o erro e mudar. Mas aprende-se tanto em fingir “em mudar para se poder manter as coisas como estão” que quando a mudança se torna imperativo já não há forças interiores para a concretizar.      
Que sinais se quer passar quando, por exemplo, se deixa uma instituição como o INPS sem uma direcção durante mais de cinco meses porque aparentemente se está à espera que uma contenda partidária termine e prémios sejam oferecidos aos apoiantes do vencedor? Certamente não é com estes métodos de selecção de gestores públicos e altos funcionários que se vai garantir um Estado efectivo isento e facilitador da iniciativa e do empreendedorismo de todos e de cada um dos cidadãos.

É evidente que com os erros e custos acumulados vai-se chegar a um ponto em já não poderá ser possível escondê-los. Quando chegar esse momento não se pode calar as críticas com acusações de eleitoralismo. Na democracia fazem-se eleições precisamente para forçar mudanças particularmente quando quem governa não se mostra capaz de fazer as reformas que se impõem com vista a alcançar resultados que se traduzem em prosperidade para todos. Que os ventos do descontentamento sacudam a inércia e o conformismo e tragam a dinâmica necessária para o país se reformar e mudar e não se deixar prender na estagnação que o ameaça. 

  Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 25 de Fevereiro de 2015 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

BCV, cooperação ou submissão?

O Banco de Cabo Verde reuniu-se com os bancos comerciais no dia 6 de Fevereiro e uma semana depois adoptou um conjunto de medidas viradas para o aumento da liquidez do sistema bancário. O objectivo declarado foi de aumentar a capacidade dos bancos em conceder crédito ao sector privado. Supostamente a melhoria da situação líquida dos bancos com a redução das várias taxas, em particular, a taxa de disponibilidades de caixa e a taxa de redesconto irá traduzir-se em mais crédito para o sector privado. A realidade é que actualmente os bancos não têm problema de liquidez e mesmo assim não facilitam o crédito. Justificam com os riscos macrofinanceiros do país a que não está alheio à dívida externa que já ultrapassa os 100 por cento do PIB e a persistência de défices orçamentais numa economia com anos sucessivos de crescimento anémico.
O BCV sabe perfeitamente que anteriores tentativas de transmissão monetária com vista ao aumento de liquidez, designadamente a redução da taxa de concessão de liquidez de Setembro de 2013 não resultaram em mais crédito para a economia. Basicamente o seu único efeito foi baixar a taxa de juros paga nos Bilhetes de Tesouro a 180 dias que o Estado emite para se financiar. O BCV ao repetir a manobra de baixa das taxas, agora alargada às outras taxas directoras, não pode desconhecer que provavelmente as suas acções estão condenadas ao fracasso. Nada mudou significativamente: nem o quadro de referência dos operadores e investidores privados no que respeita nomeadamente ao ambiente de negócios, à competitividade da economia e às relações laborais, nem tão pouco a percepção pelos bancos dos riscos existentes e do crédito malparado que vêm acumulando com as crescentes dificuldades das empresas e das famílias.
É evidente que com as novas medidas do BCV a atenção vai virar-se para os bancos. Todos quererão saber se se verificarão aumentos no crédito à economia e baixas nas taxas de juro. Se mudanças significativas não aconteceram, considerando que não houve alterações significativas no ambiente de negócios, será mais fácil apontar o dedo ao sistema financeiro. Aliás a narrativa oficial já vinha culpando os bancos pelo aperto no crédito aos privados em contraposição com a sua pronta disponibilidade em comprar dívidas do Estado. Com esta iniciativa do BCV não fica margem para dúvidas quem deve ser responsabilizado em caso de falhas em se obter crédito e subsequentemente não haver crescimento e não se criarem mais empregos.  
 Esta parece ser a nova era de cooperação entre o Governo e o BCV em que o Primeiro Ministro e a Ministra das Finanças vêm insistindo nos últimos seis meses. A “novela” do ano passado que foi a nomeação do governador do BCV compreende-se que tinha como objectivo encontrar as pessoas certas e forçar uma convergência. O problema nestes arranjos é quando a realidade provoca perda de sintonias e força cada um a seguir caminho diverso daquele que a sua missão lhe obrigaria. 
 É o que aconteceu em Dezembro de 2011. O BCV aumentou as taxas de referência quando se tornou evidente que o governo iria continuar a sua política orçamental expansionista. Sentia-se na época a tensão entre a ministra das Finanças e o governador do BCV. As medidas do BCV de então tiveram o lado negativo de induzir uma contracção na procura interna com efeito no PIB que em 2012 foi de 1,2 por cento e em 2013 não passou de 0,5 por cento e um lado positivo de ajudar na recuperação das reservas externas. Em 2013 as reservas ultrapassaram os quatro meses de importações. O BCV realizava o que no seu último comunicado de 13 de Fevereiro relembrou a todos: “A manutenção de reservas externas em níveis que permitem sustentar a credibilidade do regime cambial afigura-se como objectivo estratégico da política monetária do Banco de Cabo Verde”.
Hoje o BCV com o nível de reservas externas existentes está na posição de abrir caminho para uma maior facilidade de crédito. A questão que se põe é se vai realmente acontecer, em que condições, e com que impacto nas reservas externas. Se for só crédito para consumo ou para investimento na produção de bens e serviços não transaccionáveis tensões poderão voltar a ser sentidas ao nível das reservas externas, forçando medidas de contenção. O ideal seria a aposta nas exportações de bens e serviços mas aqui a falta de competitividade do país não ajuda. Faltam mercados e é essencial o investimento directo estrangeiro.

Neste último ano dos quinze anos de governação do PAICV paira no ar a sensação de que muita coisa ficou por fazer e parte do que se fez poderá não ter a sustentabilidade esperada. Aos problemas de crescimento económico e de falta de emprego já conhecidos juntam-se de forma cada vez mais aguda os problemas de segurança e de justiça. Outros problemas como por exemplo no sector da educação e na saúde ameaçam a todo momento mostrar a sua real dimensão. Neste ambiente de incertezas é fundamental que instituições como o BCV se mantenham fiéis à sua missão mesmo que isso em certos momentos crie tensões com quem governa. Não dá é para alimentar ilusões ou participar na gestão de imagem de quem, tendo os recursos e o mandato para fazer as reformas que se impõem, desresponsabiliza-se quando o país arrasta-se anos a fio com crescimento raso e com desemprego excessivo.

  Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Fevereiro de 2015 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Melhor democracia, menos violência

Steven Pinker no seu livro “Os anjos bons da nossa natureza” demonstra que são nas democracias consolidadas que se verificam os níveis de violência mais baixos do mundo. Assim é, segundo ele, porque a democracia, mesmo imperfeita, ainda é a via que, entre a violência da anarquia e a violência da tirania, com menos violência se consegue governar. De facto, a democracia, os direitos dos indivíduos, o primado da lei e a independência do poder judicial são os ingredientes essenciais para se manter o contracto social que renova a confiança no sistema e dá garantia de se ter paz e justiça, hoje e amanhã.
Há quem não concorde e pelo contrário culpa a democracia e a liberdade pelas quebras na segurança e ordem pública. Nesse apontar de dedo nota-se alguma nostalgia pelos tempos da ditadura. Supostamente teriam sido mais simples e mais seguros. Não se vê é que a falta de transparência própria desses regimes e a inexistência de estatísticas confiáveis dificilmente permitiam conhecer a realidade vivida então. Por outro lado, não se pode duvidar do potencial de violência arbitrária, indiscriminada e sem controlo que o Estado na época era capaz de exercer a qualquer momento e contra qualquer cidadão. Bem podiam não se registar muitos homicídios e agressões, mas ninguém estava livre de ser sujeito à prisão sem culpa formada, a humilhações, a torturas e até à morte violenta.
Tendo essa experiência em devida consideração, tentar empurrar a polícia para posições mais autoritárias, insistir em diminuir os constrangimentos legais de defesa ditados pela Constituição e esforçar-se por deixar a instituição policial sem a supervisão adequada não garante eficácia no combate ao crime e na manutenção da ordem pública mas certamente que abre o caminho para o potencial aumento da arbitrariedade na acção policial. É o que vem acontecendo e há que arrepiar caminho. A via, como bem mostra Steven Pinker, é o da consolidação das instituições democráticas. 
Significa isso que todos os agentes no sistema devem deixar de lutar contra ele e colocar-se à altura das suas normas e procedimentos. Evolui-se institucionalmente absorvendo, nos comportamentos e na acção, os elementos chaves que definem a entidade, que determinam a sua relação com as outras e permitem-na servir a comunidade com isenção, imparcialidade e proporcionalidade. Se eventualmente se mostrar necessário mudar algo, o sistema tem os seus mecanismos próprios. Para isso tem um governo que com a sua maioria absoluta no Parlamento pode alterar o Código do Processo Penal e a moldura penal de certos crimes e disponibilizar recursos via Orçamento do Estado para tornar as forças de segurança mais eficazes. Caricato é tentar fugir da responsabilidade atirando directa ou indirectamente culpa à Constituição ou a leis que este mesmo governo foi autor e apresentou para aprovação.
Insiste-se muitas vezes na falta de meios para justificar falhas. De facto, meios materiais, humanos e tecnológicos são necessários mas não são suficientes. Fundamental é ter a atitude própria de se colocar à altura das exigências da Constituição e das leis e não justificar a falta de efectividade apontando dificuldades ou relutância de alguns em as cumprir. A preocupação com os resultados, com a realização da missão em todos os seus objectivos e metas deve nortear acção das instituições. Ao governo compete assegurar-se de que assim seja e não se deixar apanhar exclusivamente por interesses político-partidários pondo num plano secundário as exigências de uma gestão adequada e criativa de todos os assuntos do país. 
Reconhecer em toda a sua dimensão a complexidade dos problemas com que o país se depara é um passo fundamental para se encontrar soluções. Também é essencial para que a relação entre governantes e governados siga sempre o caminho da verdade e da honestidade. A preocupação excessiva com a imagem, o uso de propaganda para a comunicação e a predilecção por encontrar bodes expiatórios sempre que surgem problemas deixa o país e as suas instituições num estado de permanente vulnerabilidade perante os desafios que diariamente se colocam. Que confiança, por exemplo, terão as pessoas que o problema de insegurança será resolvido quando ouvem deputados do partido no poder a dizer que afinal a sua insegurança é um sentimento ou sensação não corroborada pelas estatísticas da polícia.

A vulnerabilidade do país ficou patente recentemente com a erupção do vulcão do Fogo, o naufrágio do navio Vicente e os atentados recentes. Teme-se porém que a postura costumeira de centrar na gestão da imagem substitua as medidas certas e profundas que se deviam tomar. Não se pode continuar nem a fazer fugas em frente, nem a esconder os problemas debaixo do tapete. A consolidação das instituições não se compadece com isso. Paz e justiça são conseguidas em ambientes de instituições enraizadas, socialmente valorizadas e que favorecem o intercâmbio livre das pessoas no meio da maior diversidade. Para se diminuir a violência, é necessário um esforço para fazer as pessoas acreditar nas instituições, renovar a confiança como suporte de uma cultura cívica sólida e traçar um percurso que leve à prosperidade, mas exaltando sempre a conquista da liberdade.  

 Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 11 de Fevereiro de 2015  

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Evitar deriva securitária e justicialista

Os assaltos e as recentes mortes violentas elevaram a um outro patamar as preocupações dos cabo-verdianos com a sua segurança. Os alvos escolhidos, o modus operandi dos criminosos e o tipo de violência utilizado deixam a forte impressão de que algo está a mudar para pior. Casos graves acontecem por todo o país, mas é na cidade da Praia que se notam os excessos. Os esforços das autoridades em demonstrar que conseguem manter o controlo em todas as situações não se têm revelado suficiente para dissipar o sentimento crescente de falta de segurança da população. E isso apesar das respostas musculadas face a investidas criminosas e a outras perturbações da ordem pública e da colocação de militares a par com a polícia nas ruas.
A ansiedade geral que toda esta insegurança cria, põe muita gente, por um lado, a pensar em outras soluções possíveis e, por outro, a procurar falhas ou culpados para a situação. Declarações pouco claras ou mesmo ambíguas das autoridades quanto ao papel dos tribunais e quanto à relação polícia/tribunal, assim como à natureza das medidas de coacção designadamente o TIR e a prisão preventiva, tendem a alimentar impulsos justicialistas que querem ver presumíveis criminosos punidos imediatamente e sem o “due process”. Sugestões de alteração do Código do Processo Penal e da moldura de penas passam a impressão de que o sistema legal está desadequado, não é suficientemente dissuasor e peca por ser demasiado garantístico. Há quem fale abertamente em aumentar a pena máxima ao mesmo tempo que vozes se fazem ouvir particularmente no circuito dos comentários anónimos e também nas redes sociais a clamar pela prisão perpétua e até pela pena de morte. Um sinal preocupante do que pode estar a verificar-se neste domínio é a reacção de regozijo nesses circuitos perante as mortes recentes em encontros com a polícia no caso da Cidadela e do foragido de São Martinho.
Sente-se a frustração crescente da sociedade perante a incapacidade manifesta das autoridades em restaurar a tranquilidade pública. As respostas robustas e musculadas da polícia a surtos de violência e criminalidade, só por si, não resultam por muito tempo. A exemplo do que já se viu acontecer noutras paragens, a insegurança regressa, a relação da polícia com as comunidades e particularmente com os jovens nas periferias urbanas não melhora e nota-se uma escalada na violência. Questionado, o governo responde proclamando a segurança como uma responsabilidade de todos, mas peca por não vincar suficientemente a centralidade do papel do Estado no processo de a assegurar a todos os cidadãos. É evidente que tal atitude é percebida como desresponsabilização o que não deixa ninguém sentir-se mais seguro e aumenta a ansiedade geral.
Acontecimentos recentes designadamente o assassinato da mãe da inspectora da judiciária e o atentado contra o filho do Primeiro-ministro já provocaram mudanças no sector da segurança com renovação de comandos e preenchimento de cargos deixados demasiado tempo sem titular. Mas provavelmente o que deveria constar da ordem do dia era uma avaliação mais profunda de todo o sector e das opções assumidas em 2005 e 2006 com a junção das várias polícias numa Polícia Nacional, a criação dos Serviços de Informação da República (SIR) e a reorganização das Forças Armadas em Guarda Nacional e Guarda Costeira. Oito anos depois, o Plano de Segurança Interna adoptado pelo governo reconhece o quão incompleto se mantém a junção das polícias fiscal, marítima e de ordem pública com consequências na eficiência e eficácia da polícia nacional. Quanto ao SIR até o último comandante de protecção das entidades públicas na Polícia Nacional, em artigo de jornal, “duvida se ainda está activo”. Nas Forças Armadas, a enfase posta em missões de segurança interna leva a que se faça treinamento sofisticado de conscritos. Corre-se o risco de fuzileiros ou outras tropas especiais, terminado o serviço militar obrigatório e sem emprego, possam ser aliciados a colocar as técnicas aprendidas ao serviço do crime.
Os acontecimentos recentes de desembarque de drogas e de acidentes marítimos mostram a necessidade urgente de se controlar os mares territoriais, as costas e as zonas desertas das nossas ilhas. Actualmente, as funções de autoridade marítima são exercidas por várias entidades no quadro de um modelo institucional que se revelou inefectivo nomeadamente no caso do acidente do navio “Vicente”. Todos perguntavam onde estava a Guarda Costeira, como se deveria ter feito para accionar os barcos de busca e salvamento e quem poderia ter actuado com mais rigor para fazer cumprir regulamentos e normas que garantam maior segurança e profissionalismo na navegação marítima entre as ilhas. 
Um sentimento de insegurança, provavelmente nunca antes experimentado, perpassa todo o país. É essencial que o governo dê uma resposta adequada. Uma resposta que fundamentalmente reafirme o Estado de Direito e adeqúe as forças de segurança para melhor garantir a ordem e a tranquilidade públicas, com estrito respeito pela legalidade democrática e os direitos dos cidadãos. Como já foi dito por várias personalidades o grau de civilização de uma sociedade avalia-se pela forma como trata os piores no seu seio. Não se pode deixar levar pela frustração e começar a pensar que “bandido bom, é bandido morto”. 

Também fundamental para a luta contra o crime é a relação de confiança que a polícia cria com as comunidades. As forças da ordem devem ser incentivadas a seguirem os mais estritos critérios de legalidade na sua actuação e a serem transparentes na sua relação com a sociedade. Só fugindo a lógicas securitárias e justicialistas é que se poderá garantir que a  luta contra o crime terá resultados seguros e duráveis. 

 Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 4 de Fevereiro de 2015