sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Turismo e Saúde

Na semana passada a ministra da Saúde disse numa reunião de avaliação do pacto nacional para a saúde que o sector precisa de mais um milhão de contos para assegurar a cobertura simétrica em todos as ilhas. A taxa sobre o tabaco e o álcool poderá contribuir com uma parte mas também espera que a taxa do turismo financie o Centro de Saúde do Sal e que do Fundo do Ambiente saiam verbas para ajudar a batalhar os vectores de doenças como a dengue e o zika. Mesmo com estes expedientes mais ou menos criativos é evidente que a saúde vai ressentir-se de falta de financiamento. Principalmente se se considerar que a tendência é para aumentarem os gastos à medida que a esperança de vida aumenta, que as doenças crónicas com o envelhecimento da população se tornem mais frequentes e consomam mais recursos e que se tornem maiores as expectativas da população quanto à qualidade dos cuidados de saúde que esperam receber.
A importância do sector da saúde não se restringe simplesmente à natureza e qualidade dos serviços que pode prestar à população num dado momento e numa determinada localidade. A saúde, por exemplo,  ganha valor estratégico para o turismo quando este se posiciona como o sector económico com maior potencial no próximo futuro. Mas para que isso aconteça é fundamental que o país tenha capacidade para receber mais de um milhão de turistas e garantir-lhes segurança a todos os níveis, designadamente em termos de acidentes, traumas e ataques súbitos que podem provocar a morte na ausência de cuidados especializados. Depreende-se do que foi dito que a qualidade da saúde que se venha alcançar no futuro depende muito da capacidade em fazer convergir as necessidades dos sectores do turismo e da saúde por forma a garantir a sua expansão permanente e o seu  financiamento com receitas geradas pela nova dinâmica do turismo.
 A região económica com a qual Cabo Verde tem relação comercial mais próxima é a Europa. Com países europeus é que se faz o grosso do comércio internacional, de lá é que vem grande parte da ajuda externa, dos empréstimos e doações assim como boa parte das remessas dos emigrantes e do capital estrangeiro que tem sido investido em Cabo Verde. Também da Europa é que se originam os fluxos turísticos que nos últimos anos têm dado alguma sustentabilidade à economia cabo-verdiana. Ora, a Europa tem um grande problema. A população está a envelhecer e os custos com a saúde são cada vez maiores. Precisa garantir qualidade e cuidados à sua população na terceira idade mas sem pôr em causa a sua competitividade com custos excessivos impostos a indivíduos e empresas. Tudo leva a crer que Cabo Verde podia posicionar-se para ser de maior valia nesta matéria.
A relativa pouca distância da Europa, o clima ameno e a proximidade cultural são factores que poderiam envolver Cabo Verde, investidores e operadores estrangeiros numa parceria proveitosa para ambas as partes. A vinda de um número significativa de pessoas da terceira idade obrigaria a investimentos importantes nos domínios da saúde. A população cabo-verdiana, além dos ganhos redobrados devidos a mais postos de trabalho e à dinâmica económica criada pela presença mais prolongada de visitantes num modelo de turismo residencial, beneficiaria de um nível mais elevado de cuidados de saúde. Os gastos com a saúde não seriam mais simples despesas, mas sim parte do investimento estratégico para aumentar e qualificar o fluxo turístico para o país.
Desde os anos noventa que com a lei 19/V/96 se abriu a porta para estrangeiros reformados terem autorização de residência permanente no país. Não é pois de hoje a percepção do potencial que poderá estar aí. O problema é ser consequente e estratégico na acção. Associar, por exemplo, a possibilidade de residência ao acesso a cuidados de saúde especializados virados para as necessidades da velhice poderá revelar-se uma fórmula ganhadora. Implicaria um trabalho sistemático de formação profissional no domínio dos cuidados de saúde virados para a terceira idade com níveis internacionais de exigência. Naturalmente que tal formação beneficiaria bastante os nossos jovens e podia abrir-lhes o caminho para bons salários tanto no país como no estrangeiro onde essas profissões têm grande procura. Só falta agora pôr mãos à obra.   
    Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 24 de Fevereiro de 2016

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Falta vontade

Nestes últimos dias tem feito eco por todos os órgãos da comunicação social a ideia de trazer reformados da Europa para Cabo Verde para beneficiarem do bom clima, da boa convivência e dos prazeres do sol, das praias, montanhas e vales exóticos das diferentes ilhas. A ideia teria saltado para a comunicação social no acto de lançamento em Luxemburgo do fundo de investimento dirigido para empreendimentos turísticos em várias ilhas do Norte do país que contou com a presença do Primeiro-ministro José Maria Neves. Tomada como original e ter provavelmente maravilhado alguns pelo alcance e possível impacto, a ideia irá certamente correr o seu curso por vários circuitos e condimentar várias intervenções políticas. Aliás, já começou. Só se espera é que a “onda” não vá morrer na “praia” sem deixar marcas permanentes.
A ideia não é nem nova nem original. Este jornal, em vários editoriais e reportagens desde há mais de cinco anos, tem vindo a chamar a atenção para as vantagens de uma outra abordagem em relação ao turismo, associando imobiliária residencial e prestação de serviços de saúde virada para a terceira idade. No mesmo sentido tem-se pronunciado colunistas deste mesmo jornal em sucessivos artigos ao longo dos anos. Certamente muitos outros em outros fóruns também terão chamado a atenção para o obvio: Cabo Verde está a poucas horas da Europa e deveria poder oferecer a um continente rico com uma população a envelhecer e com custos crescentes de saúde uma alternativa de repouso, bem-estar e entretenimento em ambiente de segurança e de tranquila interacção cultural.
O problema com as ideias ou visões desta natureza é que em Cabo Verde não têm muito futuro. Podem até entusiasmar a princípio, aparecer em discursos de políticos ou em momentos de debate. Depois desaparecerem e não poucas vezes reaparecem, nem sempre recauchutados mas sempre com um ar de originalidade que só envaidece quem as proclama. Em vez do destino costumeiro que se dá a muitas ideias válidas, devia-se é explorá-las para ver até que ponto podem ser inovadoras, podem potenciar a criação de novos mercados e criar novos postos de trabalho. Os hábitos adquiridos com o modelo de desenvolvimento baseado na ajuda externa inibem outras posturas do Estado que não seja a de arrecador/distribuidor de recursos externos. Ideias e oportunidade passam sem que sejam agarradas por quem antes de acabar o último projecto já está a pensar no próximo e em quem vai sacar o financiamento necessário para isso. Não estranha que o país não avance significativamente mesmo com financiamento de muitos milhões ao longo dos anos. Muitos destes investimentos são exercícios fechados em si próprios sem resultados comensuráveis e sustentáveis e são concebidos normalmente sem grande preocupação com os resultados.
As pessoas não parecem preocupar-se realmente com facto de, depois de centenas de milhões de dólares gastas em infraestruturas, o desemprego continuar tão elevado. Nem tão pouco parecem estar desconfortáveis com o facto de, depois dos grandes investimentos públicos terem sido feitos o país caiu para níveis de crescimento demasiado baixos com um sector privado em colapso e um sector laboral frustrado com o desemprego existente. Ideias para sair desta situação pululam por aí mas não há acção consequente. Diz-se que se está a apostar no turismo mas não se vê a vontade forte para reinar sobre a insegurança, regular o mercado de oferta de serviços, resolver o problema da habitação, de saneamento básico e dos cuidados de saúde nem de formar trabalhadores e criar uma cultura de serviço a nível das exigências do mundo. Fala-se em clusters do ar e do mar e ainda em praças financeiras e não se descortina o esforço necessário para fazer de Cabo Verde um país realmente competitivo e com um bom ambiente de negócios. 
A atitude perante dois programas americanos distintos, o MCA e AGOA, deixa transparecer o que está por detrás desta aparente contradição entre o pensar e o fazer. O MCA é um programa de ajuda directa e é adorado pelas autoridades cabo-verdianas. AGOA é um programa de ajuda indirecta, “Aid for trade” pela via de acesso preferencial ao mercado americano; vem desde o ano 2000 e é basicamente ignorado. Mas no Lesotho até 2014 esteve na origem de mais de 35 mil novos postos de trabalho. O governo cabo-verdiano faz o discurso convencional de se comprometer com o programa de incentivar o sector privado e promover as exportações mas na prática parece preferir o modelo de ajuda que mais confortavelmente lhe assiste nos seus desígnios de poder.
Concluindo, pode-se afirmar que ideias e visões de desenvolvimento não faltam. Toda a gente sabe o que há a fazer. O que falta é a vontade de mudar as coisas.  
     Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 17 de Fevereiro de 2016

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Capital estrangeiro precisa-se

O Primeiro-ministro José Maria Neves anunciou que vai a Luxemburgo nos próximos dias à procura de fundos para investir em vários projectos para as ilhas do Norte. Promete que depois no âmbito de um Afroverde 2 será a vez de projectos nas ilhas do Sul. Pena que esteja a organizar essas ofensivas de atracção de investimento estrangeiro para Cabo Verde no fim dos seus 15 anos de governação. Pena ainda que esteja a disponibilizar-se para isso quando já ficou evidente que está-se a inverter o sentido da movimentação de capitais ao nível mundial. No fim da semana passada o chamado banco central dos bancos centrais, o BIS, deixou entender que se iniciava um novo ciclo em que o volume de capitais vindos dos países emergentes em direcção aos países desenvolvidos era superior em muitos bilhões de dólares ao que se dirigia em sentido contrário.
Quando, em vésperas de eleições legislativas, Cabo Verde parece acordar para a necessidade de conseguir capitais estrangeiros para financiar a sua economia, é precisamente o momento em que o mundo dá a impressão de estar mais uma vez à beira de uma recessão. Vários acontecimentos como, por exemplo, a brusca travagem no crescimento da China, a queda dos preços de petróleo, as dificuldades crescentes dos países emergentes designadamente dos BRICS com excepção da Índia, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e as persistentes dificuldades da União Europeia com o euro e o problema das migrações não auguram nada de bom para a economia mundial. Economistas de renome falam de crises da dívida soberana em países que recentemente se endividaram no processo de investimento em infraestruturas e capacidade produtiva para responder à então demanda global e agora se vêem em dificuldades em servir a dívida numa conjuntura de alta do dólar e de diminuição brusca da procura de diferentes commodities.
Cabo Verde desperta agora para atrair capitais externos depois que de um sono em que se auto- induziu fazendo acreditar e acreditando desde a crise financeira de 2008 que o capital estrangeiro tinha desaparecido. A realidade é que só desapareceu o capital especulativo na imobiliária turística. Muito outro capital ficou disponível, mas naturalmente ou se dirigia para os países com matérias-primas e outros produtos em grande procura ao nível global ou então investia em países com uma excelente competitividade externa e com um bom ambiente de negócios. É evidente que Cabo verde pela sua pobreza em recursos naturais não pertence ao primeiro grupo. Mas também por não ser competitivo nem ter um bom ambiente de negócios dificilmente podia constituir um porto seguro e lucrativo para o investimento directo estrangeiro.
De qualquer forma o governo não estava para aí virado. Durante anos manteve a sua linha de governação conseguindo crédito e investindo em infraestruturas de valor e utilidade duvidosos e em que a relação custo/benefício não trazia qualquer conforto. Mesmo quando se tornou claro que a economia não arrancava apesar dos milhões investidos, o crowding in de investimento nacional e estrangeiro não acontecia e que o desemprego não caía como desejado e prometido continuou a insistir que a culpa estava na crise financeira internacional. Lá fora a liquidez dos mercados financeiros era enorme com as políticas dos banco centrais de injecção de dinheiro na  economia. Pouco ou nada chegava a Cabo verde porque nas condições existentes do país não se via onde e porquê investir cá.
Culpabilizar o outro pelo mal ou as dificuldades da vida é um jogo que já vem custando caro a Cabo Verde a todos os níveis. A perda de perspectiva da realidade é uma das suas principais consequências. Nas proximidades de mais um pleito eleitoral é crucial colocar na devida perspectivas as promessas eleitorais postas em cima da mesa. Há quem fale agora em priorizar o emprego numa perspectiva linear como se o desenvolvimento se fizesse em etapas pré-estabelecidas e tivessem momentos certos para acontecer. O desenvolvimento porém é muito concreto. As pessoas precisam ter um rendimento digno, ter possibilidade de escolha na organização da sua vida e encontrar o ambiente certo para dar vazas à sua imaginação, exercitar a sua iniciativa e saciar as suas ambições. 
Coarta-se tudo isso quando os agentes do Estado se colocam em posição de serem arrecadores/distribuidores de tudo e não de facilitadores/reguladores do progresso social e económico. A população é tornada submissa e passiva. Num ambiente desses ninguém vê necessidade para atrair capital estrangeiro. Exportações de bens e serviços não são vistas como prioridades. Confunde-se deliberadamente meios com produção, produção com vendas, produtos que não são transaccionáveis com os transaccionáveis. Enquanto durar a ajuda externa tem-se a ilusão do desenvolvimento. Quando a realidade muda, vêem-se as consequências: o rendimento decresce, aumentam os riscos macroeconómicos, a perspectiva de emprego perde-se  e cada vez fica mais difícil libertar-se da modorra que contamina a todos.
Uma outra atitude voltada para o mundo precisa-se. O país que escolhe um novo governo para os próximos cinco anos a 20 Março tem a oportunidade de se reconduzir para o caminho da realidade. Através do confronto democrático de ideias e projectos certamente vai encontrar o caminho para garantir liberdade, felicidade e progresso para todos.   
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 10 de Fevereiro de 2016

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Guerra aos mosquitos

Há mais de uma semana o Centro de Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos pôs Cabo Verde na lista dos países com surto do vírus Zika. Em vários países, designadamente países da América latina como o Brasil, a Colômbia, Guatemala já se vive autênticas epidemias de Zika. As preocupações com o vírus têm aumentado à medida que se vem confirmando a suspeita da sua relação com a microcefalia em crianças cujas mães foram infectadas durante a gestação. Notícias provenientes dos Estados Unidos dão conta de uma outra complicação que é a possibilidade da sua transmissão via relações sexuais.  
O Brasil praticamente já declarou guerra ao mosquito aedis egyptis, o vector de distribuição tanto do zika como do dengue, com a mobilização de mais 220 mil soldados. Em vários outros países esforços extraordinários estão a ser feitos para conter a doença e destruir os mosquitos. As mudanças climáticas, e particularmente a actividade nos últimos tempos do El Nino, têm propiciado o aparecimento e a proliferação do mosquito em zonas onde até recentemente era desconhecido. Hoje é visível como já se espalhou por todos os continentes, constituindo actualmente uma ameaça grave para as populações desencadeando epidemias graves de dengue e agora de zika.
O anúncio do CDC americano, seguido de alertas de outros países em relação a viagens para Cabo Verde devido ao Zika, teve consequências imediatas. Operadores turísticos foram obrigados a desviar passageiros para outros destinos ou a devolver passagens já compradas. A reacção da Ministra de Turismo é que tudo isso tinha sido excessivo, considerando que não houve casos significativos nas ilhas turísticas. O problema é que ninguém espera que um potencial turista vai dar-se ao trabalho de ponderar o risco que poderá incorrer indo para uma ilha onde ainda não houve surto do vírus, mas que tem também o mosquito transmissor da doença. Compreende-se que se recuse a vir ou estando cá queira regressar. Cabo Verde é que tudo deve fazer para não estar nestas situações.
Em 2009 o dengue apanhou o país desprevenido e algumas mortes provavelmente resultaram disso. Fez-se um trabalho meritório no combate aos mosquitos, a epidemia de dengue acabou por ceder e a doença quase deixou de existir. Casos de malária têm aparecido em várias ilhas para além de Santiago, designadamente Boavista onde estão grandes hotéis. Agora é o mesmo mosquito aedes aegypti, que normalmente o transmite, que aparece a espalhar o Zika. Há que o combater de forma sistemática e permanente. E ninguém deve ficar descansado até à sua erradicação total destas ilhas.
Foi possível no passado erradicar completamente o paludismo da ilha de Santiago. Deve-se voltar a fazer isso. O combate ao mosquito aedes aegypti deve ser total. O mosquito além do dengue e da zika também transmite a febre-amarela. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo de ver o seu futuro turístico comprometido com situações incontroláveis em matéria de saúde. O país é formado por ilhas e deve aproveitar-se dessa condição que para, com a ajuda activa da população e das organizações sociais, comunitárias e municipais, erradicar esses males. O governo deve poder liderar de forma decisiva uma acção desta natureza. Cooperação com o Brasil nesta matéria faria todo o sentido considerando que também está engajado na luta para se ver livre definitivamente desse mosquito.  
Segurança a todos os níveis é fundamental para o desenvolvimento de Cabo Verde. No mundo de hoje, de fácil comunicação, viagens frequentes e movimentos migratórios significativos, os riscos aumentam naturalmente e não há como contorná-los. Pior, porém, do que os riscos reais são muitas vezes as percepções de risco presente e futuro. Por isso, em matéria de segurança nacional, deve-se trabalhar na antecipação e prevenir para que as ameaças latentes ou em progressão não se concretizem. A luta para erradicação dos mosquitos transmissores de doenças podia ser uma boa causa capaz de galvanizar a vontade nacional num objectivo claro  e preciso para todos.  
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 d Fevereiro de 2016