sexta-feira, 29 de abril de 2016

Por um governo “interventivo”

No passado dia 22 de Abril o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, deu posse ao que designou de VI Governo Constitucional da II República, um governo liderado pelo MpD, o partido vencedor das eleições de 20 de Março. Depois de um interregno de quinze anos de governos liderados pelo PAICV, o MpD tem a oportunidade de pôr em prática a sua visão de desenvolvimento do país. Propõe retomar a aposta na liberdade económica, no incentivo à iniciativa privada e na identificação e aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo mundo globalizado. Manifesta-se frontalmente contra políticas e práticas de governação que aumentam a dependência, alimentam o conformismo e desencorajam o mérito.
A massiva votação no MpD provavelmente traduziu o sentimento geral de que o país precisava de uma forte lufada de ar fresco. Paulatinamente vinha caindo na consciência das pessoas que o anterior governo não conseguia dinamizar a economia e responder às expectativas em particular dos jovens no tocante ao emprego. Em vários sectores como, por exemplo, o sector marítimo e aéreo as falhas estavam a ficar mais do que evidentes. Na energia e água a escassez e a interrupção de fornecimento já não se verificavam com a frequência de outrora, mas em contrapartida a população e a economia eram penalizadas com tarifas das mais altas do mundo. A forma pouco competente como foram geridas situações de crise designadamente a relocalização da população da Chã das Caldeiras e o afundamento do navio Vicente minaram a confiança das pessoas em como a prazo o governo seria capaz de resolver problemas quais sejam a segurança das pessoas, a gestão da TACV e a preocupação generalizada com as crescentes assimetrias nas ilhas.
 As pessoas ao votarem uma alternativa estavam a clamar por uma outra atitude na governação que não se fixasse tanto na questão de imagem e propaganda. Pelo contrário, propugnavam um governo que pusesse o futuro do país em alicerces sólidos a partir dos quais cada cabo-verdiano poderia apoiar-se para realizar os seus sonhos e ao mesmo tempo contribuir para a prosperidade geral. Os últimos cinco anos de crescimento anémico a par com a acumulação extraordinária da dívida externa confirmaram, sem deixar quaisquer dúvidas, que o modelo de desenvolvimento seguido até agora, se por algum tempo alimenta a ilusão de contínuos avanços económicos e sociais, a prazo mostra que não garante sustentabilidade mesmo aos objectivos e metas  já atingidos. Por isso, são patéticas as tentativas de convencer a sociedade a esperar ainda mais um pouco por resultados de há muito prometidos em termos de rendimento, bem-estar e realização de expectativas. Particularmente quando se percebe que o que se pretende é posicionar-se desde já para exigir resultados logo na arrancada do novo governo. 
Num livro recente “Concrete Economics” Stephen S. Cohen e J. Bradford DeLong mostram a importância de fazer convergir intervenção do Estado com empreendedorismo de privados. Os governos com as suas políticas projectadas para a criação de oportunidades devem poder valer-se da iniciativa de empresas, grupos e indivíduos no quadro de um ambiente regulado, de concorrência e também de segurança jurídica para garantir  contínua criação de riqueza,  produtividade nacional e competitividade externa do país. Deixam bem claro no historial que fazem dos grandes momentos da economia americana que a acção do estado foi decisiva para se passar para um novo patamar na mobilização dos recursos materiais, humanos e financeiros, implantar indústrias e serviços do futuro e chegar a mercados mais alargados. Quando se vai à história económica de muitos países que se industrializaram tardiamente e conseguiram atingir níveis de desenvolvimento invejáveis em pouco tempo vê-se o papel central do Estado em tornar tudo isso possível. A experiência dos relativamente pequenos países do Sudeste asiático é elucidativa a esse respeito. No mesmo sentido compreende-se muito do sucesso económico conseguido pelas Ilhas Maurícias e pelas Seychelles.
Para Cabo Verde, um país pequeno e insular, pode ser crucial para o seu desenvolvimento acelerado ter um Estado “intervencionista” na perspectiva que vem sendo apresentada por Carlos Lopes, o secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, de um estado necessário para coordenar o desenvolvimento económico, estabelecer a regulação certa e facilitar o acesso ao capital. A experiência já conhecida dos últimos anos demonstra o que acontece quando um governo fixa-se na imagem exterior que lhe permite continuar a mobilizar ajuda externa e não se preocupa suficientemente com resultados. Não espanta que na sequência vários sectores da vida nacional comecem a dar sinais de ineficiência e ineficácia. É o que se tem visto com preocupante rapidez nos últimos tempos.
É fundamental pôr um “stop” a essa ausência de orientação e de políticas sectoriais que deixam as pessoas inseguras, minam a confiança e inibem iniciativas. Há que recuperar a competência executiva que tranquiliza, dá previsibilidade e garante compensação pelo esforço e energia despendidos.
                                   Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Abril de 2016

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Novo impulso para a democracia representativa

Hoje, dia 20 de Abril, inicia-se uma nova legislatura. O MpD regressa ao poder depois de o ter perdido quinze anos atrás. O PAICV depois ter sido oposição e posteriormente  governo agora volta à oposição. Pela primeira vez temos os dois grandes partidos com experiência alternada de governo e de oposição democrática. Uma nova era na actividade parlamentar poderá abrir-se se a experiência de ter estado nos dois lados do muro for devidamente aproveitada.
A realidade vivida da inevitabilidade, a prazo, da alternância no exercício do poder ajudará certamente a conter manifestações de arrogância e de intransigência. Espera-se que também incentive a criação de um ambiente mais propício a negociações, a compromissos e ao desenvolvimento de uma atitude de defesa da instituição parlamento. Quem já foi governo e oposição tem todo o interesse que se institucionalize o mais possível os direitos das minorias para se evitar impasses e conflitos que degradem a imagem da instituição e retiram-lhe a eficácia desejada dentro do sistema político. Práticas que configuram uma espécie de tirania da maioria, se num determinado momento se mostram proveitosas para quem governa, pouco mais tarde acabam por revelar-se negativas, inibidoras de iniciativas e sustentadoras de  uma imagem pública perniciosa à instituição, à democracia e ao pluralismo.
A democracia representativa tem estado estado sob pressão em vários países independentemente de serem velhas ou novas democracias. Sondagens realizadas revelam como vêm baixando os níveis de confiança nas instituições democráticas em particular no parlamento. Vários factores contribuem para isso. Os cidadãos, com o poder recentemente adquirido de se informarem sobre o que passa à sua volta e no mundo a todo o momento através da internet e de se comunicarem através das redes sociais, olham para o parlamento como uma espécie de relíquia do passado num mundo do qual se esperam respostas rápidas e eficazes para os problemas que todos os dias surgem. Para eles fica cada vez mais evidente a dificuldade do parlamento em lidar com situações complexas como, por exemplo, os problemas do euro e as políticas de austeridade aplicadas na Europa, ou então a crise de refugiados e a islamização da Europa ou ainda, por exemplo, no caso do Brasil de uma quebra no crescimento acompanhado de desemprego, inflação e acusações graves de corrupção na classe política.
As soluções que vêm sendo apresentadas de mais partidos políticos, de flexibilização de mandatos ou mesmo de mais experimentação em formas de democracia directa trazem outros inconvenientes. Acabam por introduzir mais dificuldades que depois vão contribuir para o desprestígio ainda mais da instituição parlamentar, para instabilidade governativa e em certos casos para ascensão de partidos extremistas mergulhados em nacionalismo e políticas de identidade. O activismo nas redes socias já demonstrou ser mais eficaz em mobilizar para derrubar ditaduras como se viu na Primavera Árabe do que a construir comunidades capazes de suportar instituições estáveis. O aparecimento de novos partidos como aconteceu em Espanha até agora não trouxe estabilidade governativa. As consequências da flexibilização de mandatos de deputados que os liberta das amarras partidárias até ao ponto de mudarem de partido vêem-se, por exemplo, no caos da câmara de deputados no Brasil e na corrupção generalizada dos seus membros, aliciados que são a vender o seu voto a interesses particulares.
 A história tem demonstrado a importância fulcral da democracia representativa na defesa das liberdades, do pluralismo e do Estado de Direito. É fundamental que no início de uma nova legislatura se renove a vontade de a fazer plenamente funcional de forma a que se prestigie aos olhos dos cidadãos e sirva de contenção à cultura anti-política, anti-partido e anti-pluralismo que anda por aí sempre à procura de uma oportunidade para se manifestar. Já tivemos a segunda alternância e todas as forças políticas do arco da governação já foram governo e já se viram na oposição. As condições estão criadas para um novo comprometimento com o aprofundamento e a consolidação da democracia representativa. Naturalmente sem descurar as formas de democracia participativa e referendária previstas na Constituição e nas leis.
         Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 20 de Abril de 2016

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Centrar nas pessoas

A uma semana do início de uma nova legislatura e do arranque de um novo governo sente-se no ar o cheiro de mudança. As pessoas talvez apanhadas pela fluidez repentina do que até bem pouco tempo parecia sólido e invariável designadamente no que respeita a indivíduos, entidades, cargos e posições falam de um ambiente mais leve como se um pesado fardo tivesse sido levantado. As expectativas são difusas mas sempre apontando para mais dinâmica na actividade económica, mais emprego e mais qualidade de vida. Em relação à situação actual do país e às dificuldade a serem vencidas para se ultrapassar o marasmo actual já é mais difícil de perceber se as conhecem devidamente.
Não ajuda a levantar o véu sobre os problemas do país quem ainda na embalagem da campanha continua a insistir que é só uma questão de tempo para se ver os resultados da “agenda de transformação”. Esquecem que praticamente se passou toda uma legislatura à espera de sinais de uma nova era de crescimento e de criação de empregos. Apenas se teve um crescimento anémico e incapaz de criar empregos para os muitos a terminar o liceu e a completar a licenciatura. Talvez, mais do que a abstenção como a liderança do PAICV parece querer justificar-se, tenha sido o desencanto e a constatação que o governo não foi merecedor dos extra cinco anos recebidos em 2011 que moveu o eleitorado em todas as ilhas a votar maioritariamente uma nova governação. Feita a eleição convém, porém, procurar saber por que o país falhou em crescer e em responder, no geral, aos anseios dos seus cidadãos.
Em entrevista durante a reunião de balanço das eleições no fim-de-semana passado, a líder do PAICV foi clara em reiterar a posição do seu partido em relação ao país e à sociedade cabo-verdiana: “Nós não nos centramos nas pessoas, centramo-nos no interesse público, na realização do bem comum e na satisfação das necessidades”. Com essa afirmação situa-se em oposição a quem “se centra nas pessoas”, apresenta-se como quem funciona para um todo conhecendo à partida qual o seu interesse e como realizá-lo e prontificando-se a satisfazer as suas necessidades. O problema com este modelo paternalista, para além de potencialmente autoritário como todos bem conhecem da história do país, é que levou o país à estagnação económica. Aconteceu nos fins dos anos oitenta e voltou a acontecer nos últimos anos.
Tal modelo, financiado primeiro pela ajuda externa e depois pela dívida externa, tem demonstrado ao longo dos anos que falha em tornar o país produtivo e não o deixa ganhar competitividade externa. Fiel aos hábitos dirigistas dos seus agentes, desperdiça oportunidades que se oferecem ao país e mantém as pessoas dependentes enquanto procura satisfazer-lhes as necessidades com os recursos arrecadados e depois distribuídos. Coerentes com o modelo, os seus agentes partem do princípio que apenas eles conhecem o interesse  público. E porque assim é, inibe-se a livre expressão de opiniões, coarcta-se a iniciativa individual e não se incentiva o mérito. Não estranha que o somatório de factores como passividade, dependência, receio de exprimir opiniões contrárias e não compensação do mérito não ajude a nação a criar riqueza e pelo contrário a lança no marasmo económico e social.
As formas tradicionais nas democracias ocidentais de esquerda e direita não parecem existir em Cabo Verde. Na Europa o centro-direita e o centro-esquerda diferenciam-se essencialmente na forma como resolvem a tensão entre a liberdade e a igualdade. Os da esquerda põem enfase na igualdade e propõem-se a usar o Estado para diminuir as desigualdades, assegurar a inclusão social e garantir o pleno emprego. Muitas das dificuldade vividas pelo Estado social advém de se ter excedido e no processo ter sacrificado o crescimento, contribuído para o desemprego e provocado mais exclusão. O centro direita com a enfase na liberdade, autonomia das pessoas e no incentivo à iniciativa individual procura atingir os mesmos objectivos de crescimento, de diminuição das igualdades, e de luta contra marginalização e a exclusão sociais. Alternam-se no poder porque o eleitorado sente a necessidade de reequilíbrio sempre que se desloca demasiado num ou noutro sentido, mas todos focalizam-se nas pessoas e ninguém se arvora em defensor do interesse geral contra os que pretensamente apenas estariam a defender interesses das pessoais.
Em Cabo Verde a clivagem entre os dois partidos advém da falta desse elo comum de focalização nas pessoas no seu direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade como vem expresso na declaração de independência dos Estados Unidos da América. Se existisse ganhar-se-ia globalmente com as abordagens políticas distintas dos partidos para se atingir o mesmo fim. Aqui ainda se insiste num modelo paternalista que alimenta a dependência, suga a energia da nação e no final é incapaz de garantir com sustentabilidade o que até ao momento se conseguiu. Mudar é preciso se o objectivo é pôr o país no caminho do crescimento económico e do aproveitamento da energia e criatividade do seu povo para criar riqueza e libertar o país da pobreza e dos males da exclusão social.
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Abril de 2016

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Importância do jornalismo de investigação

A vinda a público dos já internacionalmente conhecidos Panama Papers revelou, mais uma vez, a importância de um jornalismo de investigação caracterizado pelo rigor e independência. Nos mais 11 milhões de documentos analisados e disponibilizados ao público pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (CIJI) foram postos a nu inúmeros interesses duvidoso vindos não só de todas as esferas da vida política, económica, empresarial, social e cultural como também do submundo do tráfico e das redes de terror. Com a ajuda de uma empresa de advogados, Mossack Fonseca, conseguiam colocar-se a salvo de autoridades fiscais e policiais e fora do controlo da justiça.   
O trabalho exigiu o esforço de centenas de jornalistas e as revelações trazidas a público já provocaram demissão do Primeiro-ministro da Islândia. Outras tornaram-se objecto de inquéritos vários e já causaram embaraços diversos a personalidades conhecidas. De todo o mundo vêm palavras de agradecimento por se ter conseguido a façanha de trazer à luz do dia actos de fuga ao fisco que normalmente deixariam os ricos a gozar com os resultados dos seus esquivos a pagamento de impostos enquanto pessoas com menos rendimento não conseguem escapar ao crivo da administração tributária. Para muitos a prestação da comunicação social nesta matéria demonstra como uma cidadania atenta, próxima de uma imprensa com critérios sérios de jornalismo, pode fazer a diferença tanto a nível nacional como a nível global. 
Nesta época de globalização transacções podem ser feitas entre quaisquer pontos do globo e a qualquer momento. Redes de produção e distribuição são capazes de ligar uns a outros em poucas horas. Poupanças ou riquezas de diversas origens podem ser mobilizadas e reinvestidas em qualquer altura. Naturalmente que existem condições, derivadas em grande parte da natureza dos negócios, para se contornar as exigências feitas na abertura de contas, na movimentação de fundos de financiamento e nas transferências entre diferentes interesses. Na ausência de autoridades ao nível nacional e global devidamente preparadas para o combate a esse tipo de atropelos cabe à comunicação social um papel importante na identificação e rastreio de interesses escondidos. 
As democracias nos últimos anos têm estado sobre pressão, nalguns casos devido a uma crise de representação, noutros casos derivado de relações conflituantes entre os órgãos de poder político e ainda há casos criados pela percepção do que causou a actual situação caracterizada pela crescente desigualdade social. A crise financeira internacional veio confirmar aos olhos de muitos que o estado se entreteve de tal forma no salvamento dos bancos que descurou as dificuldades do cidadão comum e o deixou completamente à mercê dos capitalistas sem escrúpulos. Depois da crise, com as pessoas ainda a sofrer com os muitas vezes brutais cortes em salários e pensões, o espectáculo do sistema financeiro saído incólume e com ar de prosperidade tem deixado as pessoas furiosas. Quando denúncias são feitas de que realmente há pessoas a abusar do resto, acontecem manifestações como as da Islândia neste fim-de-semana, que efectivamente levaram o primeiro-ministro à demissão. E esse conhecimento só pode ser levado ao público se houver uma imprensa livre e com meios para proceder a uma investigação jornalista que vá até ao âmago das coisas. 
Há quem vaticine que as redes sociais poderão substituir os media tradicionais em manter a pressão sobre os poderes instituídos na sociedade. A força das redes sociais já foi verificada em movimentações como as da Primavera Árabe e outras como, por exemplo, de campanha eleitoral, como se viu nas últimas eleições legislativas. Mas ainda cabe aos media tradicionais, com o seu grupo de profissionais, o desempenho do papel de controlo sistemático das acções de poderes e interesses na sociedade. 
Em Cabo Verde pode ainda não se ter devidamente desenvolvido um jornalismo de investigação, mas já há sinais de que se caminha firmemente para aí. Com mais frequência já aparecem pessoas a colaborar enquanto fontes de informação sem que a motivação seja alguma vingança pessoal mas sim preocupação com algum bem comum ou na tentativa de evitar um desastre ou mal maior que afectaria todos. Também os jornais já estão a dar os primeiros passos no fact-checking, como se viu nas recentes eleições. Revelador do poder desta abordagem foi o desmentido que este jornal conseguiu da União Europeia em relação à afirmação de um candidato a deputado em S. Vicente a propósito do financiamento de um porto de águas profundas nessa ilha. 
Com tudo isto em mente, o Expresso das Ilhas saúda o esforço do CIJI na preparação dos Panama Papers como um exemplo de jornalismo de investigação e da liberdade de imprensa,  indispensável para a democracia neste mundo globalizado.

       Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 6 de Abril de 2016