A TACV continua a
marcar agenda política. Na semana passada foi trazida à baila na
discussão da proposta do Orçamento do Estado e logo de seguida foi
objecto de interpelação parlamentar. A comissão de inquérito ainda está a
ouvir antigos gestores e dirigentes políticos e na segunda-feira os
Ministros da Economia e das Finanças foram chamados à comissão
parlamentar de finanças para prestar declarações sobre os negócios
realizados com a Binter e a Icelandair. Entretanto, a par das
incertezas à volta dos despedimentos na empresa, da criação do hub na
ilha s Sal e consequente transferência de vários trabalhadores surgem
questionamentos sobre essa relocalização e aparente perda de importância
do aeroporto da Praia com supostos prejuízo de muitos passageiros com
destino para o exterior e em particular para as comunidades emigradas.
Entre os muitos males da TACV fala-se da
dívida, da má gestão, dos custos exagerados de estrutura e do pessoal
em excesso. As culpas pelo que aconteceu à empresa são atiradas por
todos os lados, atingindo governantes e gestores. Mesmo na situação
crítica em que se encontra não se notam sinais de algum consenso sobre
como chegou ao actual estado de falência e muito menos de como agir para
evitar a liquidação e procurar salvar os activos acumulados e
potenciá-los a bem do país. Prefere-se fazer das extraordinárias
dificuldades da empresa matéria de arremesso político, campo para o jogo
das culpas e pretexto para o levantamento de suspeições de corrupção
que nunca chegam a confirmar-se mas denigrem a imagem do país e deixam a
população mais cínica em relação aos políticos e à política. O que
importava agora era criar uma vontade nacional capaz de encontrar e
apoiar uma solução que oferecesse ao país a possibilidade de não se
submeter às pressões dos parceiros internacionais mais inclinados à
liquidação total da TACV como forma de recuperar a ajuda orçamental
suspensa. Infelizmente não é o que se vê.
Já devia ser claro que uma das razões
pelos problemas da TACV é o facto de realmente não se separar a gestão
da transportadora aérea da condução da política de transportes aéreos do
país. Num país arquipélago e relativamente remoto, as ligações
inter-ilhas e entre as ilhas e o resto do mundo são cruciais para o
desenvolvimento. Acrescentando a isso à existência de comunidades
expressivas nos vários continentes cuja ligação afectiva com o país
convém manter entre outras razões pelo impacto económico das remessas e
das visitas periódicas, vê-se como é de suma importância ter uma
política de transportes que responda às necessidades de circulação de
pessoas, ao turismo e às actividades económicas viradas para a
exportação de bens e serviços. Se durante algum tempo foi necessária
manter-se a transportadora nacional como instrumento central dessa
política tanto no serviço doméstico como nas ligações às comunidades, é
evidente que não era uma situação a perdurar por muito tempo,
considerando os custos que era obrigada a suportar com as alterações que
se verificam no mercado dos transportes aéreos ao nível global. Num
novo quadro a transportadora nacional deveria com transparência ser
ressarcida dos custos incorridos nas rotas não rentáveis no âmbito do
que fosse considerado serviço público e também uma política de
transportes visando aumentar a conectividade do país com o mundo deveria
ser implementada de forma autónoma sem se deixar limitar pelas
estratégias de rentabilização da empresa pública. Ao se insistir em
confundir as duas, só se podia ter como resultado o aumento de
ineficiências, o crescimento dos custos e o acumular de dívidas.
O novo governo instalado em 2016,
confrontado com a clara falência da TACV e posto perante a urgência de a
liquidar para limitar riscos orçamentais, optou pelo caminho que há
muito se devia ter seguido. Separou os dois serviços de transporte aéreo
e de seguida optou por ceder o tráfego doméstico a uma empresa privada e
por reorientar o serviço internacional para o negócio de hub aéreo na
circulação de passageiros entre América do Sul, Europa, África, Estados
Unidos e Canadá. Para aumentar as chances de sucesso chegou a acordo com
a Icelandair – que vários anos atrás foi bem-sucedida em criar um hub
no Atlântico Norte com base na Islândia – para gerir a TACV e repetir a
façanha no Atlântico Médio, a partir da ilha do Sal. Naturalmente que
ao longo do processo forças políticas e outras entidades manifestaram
discordâncias ou preocupações em relação às negociações havidas seja com
a Binter nos voos domésticos seja com a Icelandair para a criação do hub. A própria GAO, no seu comunicado de 1 de Dezembro, alerta para a necessidade de, no âmbito das privatizações, se
assegurar que as transacções individuais respeitem os princípios da
competitividade, abertura e optimização na afectação de recursos.
Um facto, porém, é que se tinha de agir e
se agiu mesmo que não haja consenso quanto à forma, que insuficiências
ainda se mostram no serviço inter-ilhas particularmente quando se trata
de cobrir as necessidades de carga de operadores económicos e quando
aparentemente a actual operadora não está melhor preparada para
desempenhar certos papéis em momentos críticos, em situações de urgência
e nas evacuações. As controversas ligadas à relocalização da TACV na
ilha do Sal para a criação do Hub ainda tem como base o não
reconhecimento que a TACV tem de mudar de modelo de negócios para poder
sobreviver e ainda capitalizar os activos acumulados. E o modelo de
negócios implicando uma capacidade de processamento em simultâneo de
vários aviões, a possibilidade stopover de vários dias,
atractivos diversos com base em facilidades fiscais nas compras em zonas
francas, etc., identifica a ilha do Sal como tendo as melhores
condições para isso. A economia nacional ganhará com todos os negócios
aí engendrados.
A preocupação com os chamados voos
“étnicos” deve ser resolvida no âmbito de uma política de transportes
que torne mais fácil, mais barato e mais conveniente voar para Cabo
Verde e para suas diferentes ilhas. É uma questão estratégica de fundo
que importa assumir. Ao emigrante cabo-verdiano interessa-lhe
fundamentalmente viajar para Cabo Verde no momento que lhe aprouver, a
custo mais baixo e com melhores regalias no transporte de bagagem. Não
lhe importa que a viagem seja ou não feita num avião da TACV. Mas
certamente que ficará satisfeito se TACV conseguir ser bem-sucedida com a
mudança de seu core business e poder ver aviões identificados
como a marca Cabo Verde Airlines a transportar milhares de passageiros
de um continente para o outro. Assim deveremos ficar todos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 836 de 06 de Dezembro de 2017.
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