Neste mês de Agosto, o grupo Jovens pela Paz lançou uma iniciativa de
promoção dos direitos humanos sob a bandeira “Direitos
humanos não vão de férias”seguindo o slogan das Nações Unidas em 2016 “os
valores humanos estão debaixo de ataque” e “devemos defender a nossa humanidade
comum”. Com a leitura e distribuição da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) juntos dos jovens nas zonas balneares, no Sucupira e noutros
sítios onde com mais frequência se encontram, o grupo pretende contribuir
para “uma cultura de paz e sã convivência entre as pessoas”. O que o
grupo visa com essa acção cívica de grande alcance está em plena concordância
com a Constituição da República que logo no n.1 do artigo 1º “reconhece a
inviolabilidade e a inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de
toda a comunidade humana, da paz e da justiça”. Pena que ainda subsista no
país posicionamentos públicos que – por não assumirem que o Estado em Cabo
Verde nem sempre respeitou os direitos humanos e que isso teve consequências
trágicas para muita gente – não favorecem o florescimento de uma cultura de
defesa intransigente dos direitos fundamentais junto das instituições e da
própria sociedade.
A constituição cabo-verdiana em vigor desde 25 de Setembro de 1992 tem
um catálogo de direitos, liberdades e garantias que directamente se inspiraram
na declaração universal dos direitos humanos produzida na sequência da
Revolução Francesa de 1789 e também do Bill of Rights de 1791 que com o texto
da declaração da independência completam a constituição americana de 1787. O
mesmo acontece com a generalidade das constituições liberais e democráticas
que depois da segunda guerra mundial e na sequência da chamada terceira vaga
de democracia que culminou com a queda do Muro de Berlim foram adoptadas por
países que deixaram para trás os anos de má memória de regimes autoritários e
totalitários. A universalidade desses direitos e a atracção universal que
tendem a exercer sobre todos os oprimidos, os privados de liberdade e as vítimas
da injustiça fazem com que tenham muitos inimigos.
Hoje é
uma realidade inescapável que os direitos humanos estão sob ataque, e não só
nos países tradicionalmente autoritários, mas também nas velhas e novas
democracias. Há quem como Viktor Orban, da Hungria, que assume frontalmente
que quer construir uma democracia iliberal, ou Erdogan, na Turquia, que faz a
democracia recuar décadas com as suas reformas supressoras do pluralismo, da
liberdade de imprensa e da independência dos tribunais. Há quem também usa a
ameaça terrorista e a presença de imigrantes e refugiados para criar
legislação e instituir procedimentos de polícia que na prática atentam contra
os direitos humanos. O perdão do crime de desrespeito pelo tribunais dado por
Trump ao xerife do Arizona Joe Arpaio é um exemplo de como medidas de
minimização do poder judicial e legislação restritiva de direitos em nome da
segurança podem conjugar-se para fazer da democracia o que ela não deve ser: o reino da discricionariedade e da arbitrariedade,
onde nem todos são iguais perante a lei e o acesso à justiça é condicionado.
Resistir a essa ofensiva contra os
direitos humanos deve ser a tarefa de todos. A iniciativa do grupo Jovens para
a Paz e outras acções similares de sensibilização de jovens e da sociedade
devem ser apoiadas. Não deve haver recuo em relação aos ganhos civilizacionais
conseguidos com a instituição do Estado de Direito Democrático e com a
consagração dos direitos fundamentais que nem podem ser matéria de revisão constitucional.
Nesta luta, a preservação da memória do que aconteceu com as pessoas, com a
sociedade e com o país quando os direitos humanos não eram respeitados em Cabo
Verde devia ser fundamental. Mas não é.
Estranhamente, o Estado e todos os órgãos de soberania omitem-se
e fazem por esquecer que, por exemplo, em Junho deste ano completaram-se 40
anos do assalto violento das autoridades do regime de partido único em
S.Vicente a dezenas de pessoas simples e pacíficas que não cometeram qualquer
crime. Também não dão sinal que a um dia de mais um aniversário vão recordar
com o devido destaque os acontecimento de 31 de Agosto de 1981. Muito menos
ainda - depois de mais 26 anos de regime democrático - há qualquer tipo de
reconhecimento, de indemnização ou de simples pedido de desculpa dirigido aos
que foram directa e violentamente vítimas do Estado e dos seus agentes durante
os quinze anos de partido único. O contraste com o tratamento dado aos
oficialmente considerados combatentes deixa qualquer pessoa perplexa. No BO de
11 de Julho de 2017 foram “reconhecidos” mais 74 combatentes que terão direito
a privilégios múltiplos entre os quais a possibilidade de uma pensão mensal do
Estado até 75 mil escudos.
De facto, os direitos humanos “não
devem ir de férias nem tão pouco perder a memória” do mundo e das circunstâncias
que antes os negaram. Haverá sempre pressão para os restringir, para os
secundarizar ou considerá-los empecilhos na prossecução de um suposto bem
maior. A memória, a história e a consciência da centralidade da dignidade
humana devem constituir um escudo impenetrável a qualquer ataque contra os
direitos fundamentais e um travão efectivo a tentativas insidiosas de os
limitar, sob que pretexto for.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Agosto de 2017
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