Arrancou um novo ano lectivo e os votos
de uma nova largada na Educação em Cabo Verde são mais uma vez renovados
pelas entidades oficiais em várias cerimónias públicas. A enfase este
ano é posta na qualidade do ensino acompanhado de apelos à excelência e à
inclusão. O ministério da Educação, como de costume, aproveitou para
apresentar as suas inovações nos curricula. No ano passado, as novidades
foram o alargamento do ensino bilingue e a introdução de cursos de
empreendedorismo no ensino secundário. Este ano, para além de se
integrar formalmente o pré-escolar no sistema, procura-se focalizar no
ensino das ciências e da matemática, desenvolver competências no domínio
do inglês e do francês e introduzir o mandarim e ainda alargar o ensino
obrigatório ao sétimo ano de escolaridade. Como nos anos anteriores,
levantam-se mais uma vez grandes expectativas de ganhos para as pessoas,
para as famílias, para a economia e para o país em razão do esforço de
investimento na educação por parte do Estado, mas também das famílias e
dos próprios educandos que acreditam que é essa a principal via para
mobilidade social e para o sucesso e prosperidade. A realidade em termos
de resultados porém não tem sido precisamente essa, e para muitos que
se vêem sem emprego e sem outra opção de vida tem-se revelado como uma
grande decepção e uma fonte de frustração.
Cabo Verde é um pequeno país sem
recursos naturais apreciáveis. O seu único recurso real são as pessoas e
a aposta óbvia deve passar pelo investimento no capital humano e fazer
do nível de educação das suas gentes um factor importante da atracção
do investimento externo, da competitividade do país e da produtividade
da economia. Se países maiores e com recursos muito superiores assim o
fizeram, mais razões para ir por esse caminho têm os países pequenos e
desprovidos de riquezas naturais. Sabem que a verdadeira riqueza das
nações não está no que facilmente se pode extrair e vender, mas sim na
capacidade de se organizar para a produção de bens e serviços com
qualidade e eficiência e de manter-se capaz de inovar nos produtos e nos
processos por forma a garantir competitividade externa. É o que se
nota sempre que se publicam indicadores internacionais de excelência na
educação onde imediatamente se pontificam nos primeiros lugares países
como Singapura, Taiwan, Finlândia, Estónia, Dinamarca, Irlanda etc….Ora,
Cabo Verde na posição 123 no Index de Educação das Nações Unidas
claramente que fica muito aquém do que seria de esperar. Já um outro
pequeno país, as Maurícias, ocupam a posição 63 e são visíveis os
avanços: passou do índice 0.574 no ano 2000 para 0.718 em 2013 enquanto
Cabo Verde no mesmo período evolui de 0.442 para 0.483, ou seja,
praticamente estagnou, particularmente em 2011, 2012 e 2013.
O Banco Africano de Desenvolvimento
(BAD) num estudo recente estima em 20% do orçamento anual do Estado os
gastos que consistentemente Cabo Verde tem feito desde 1975 no sector da
educação. E isso sem contar com os sacrifícios enormes suportados pelas
famílias para manter os filhos na escola. Mas, como se pode ver pelos
resultados, o retorno do extraordinário investimento que é realizado não
tem sido o melhor, nem o desejado. É verdade que se conseguiu quase que
erradicar o analfabetismo, levar o ensino secundário a todos os
concelhos e conseguir a duvidosa proeza de, em cinco anos, se ter 10
universidades a funcionar. Preferiu-se massificar e não prestar a devida
atenção à qualidade do ensino. Quando o aparelho do Estado - com todas
as suas ramificações na administração pública, nos institutos e empresas
públicas - deixou de poder absorver pessoal saído das escolas, não
havia economia, tornada competitiva entre outros factores, pela
existência de mão-de-obra especializada ou bem formada, para os ocupar. A
partir de um certo momento deixou de ser possível manter os jovens no
sistema de ensino transitando-os do ensino básico para o secundário e
por fim para as universidades e o resultado foi o acumular de pessoas
classificadas que, segundo o INE, já constituem 36,3% dos desempregados.
É fundamental procurar saber por que,
apesar dos enormes investimentos do Estado e dos particulares no ensino
não se tem os resultados pretendidos nem ao nível de capacitação da
mão-de-obra, nem tão pouco da acumulação de conhecimento, de experiência
técnica e de capacidade tecnológica que poderia levar à emergência de
uma verdadeira sociedade de conhecimento e ao estabelecimento das bases
para a inovação. Não faltando escolas nem professores, a falha deverá
residir algures no que se podia chamar de ecossistema da educação. Como dizia Hillary Clinton: “It takes a village”.
De alguma forma o esforço dos vários intervenientes, professores,
alunos e pais não deverá estar a ser potenciado porque não encontra o
ambiente propício a isso, nomeadamente um ambiente que valorize o
conhecimento, reconheça o mérito, fomente a liberdade intelectual e
compense devidamente o espírito de iniciativa, os arrojos de
criatividade e o gosto pelo risco. Ninguém deve esperar que os alunos
tenham o gosto pela leitura e sejam abertos a ideias novas se nas
escolas há gerações de professores e alunos que estudaram com base em
apontamentos enquanto os manuais eram sistematicamente evitados tanto
por uns como por outros. Ou então que o ensino e a proficiência dos
alunos a português dê sinais de melhoria quando a língua portuguesa é
hostilizada, porque considerada empecilho na relação entre o professor e
o aluno e bem no fundo algo perturbador da identidade do cabo-verdiano.
A verdade é que o sistema de ensino tarda em perder muitos dos tiques do aparelho ideológico
que assumiu nos primeiros quinze anos da independência e em que primou
pela massificação e pelo igualitarismo sacrificando a qualidade e a
excelência. Neste aspecto não tem ajudado o facto de a classe dos
professores se ter constituído num campo de batalha para os interesses
político-partidários onde todos querem ser hegemónicos e que em boa
medida se sintam isentos de pressão para uma real mudança no sector. Por
outro lado, o facto de a competência técnica ser em geral subordinado a
factores entre os quais políticos e clientelares em matéria de
nomeações para alto cargos, desde que no acesso inicial se cumpra o
requisito inicial do diploma, tem efeito inibidor do impulso pelo saber,
da vontade de superação permanente e até de as pessoas se destacarem
pelas ideias, iniciativas e posicionamentos críticos.
É evidente que com estes
constrangimentos dificilmente se pode construir uma sociedade que vá
ganhar dinamismo como base na troca livre de ideias suportada por um
ecossistema aberto ao novo, constantemente a contestar as suas premissas
e pronta a valorizar formas criativas de abordagem dos problemas. Mas
esse é o caminho que se terá que fazer para que haja retornos adequados
ao investimento na educação e para que o país tenha a possibilidade de
valorizar o único recurso que realmente possui e fazer dele o verdadeiro
motor da sua prosperidade e sustentabilidade futura.
Sem comentários:
Enviar um comentário