Na semana passada uma equipa do Banco
Mundial apresentou no quadro do Diagnóstico Sistemático do País (SCD)
uma apreciação sombria sobre o percurso de Cabo Verde nos últimos anos.
Ouviram-se frases como “a qualidade das infraestruturas está abaixo de países semelhantes”, “o maior crescimento vem do sector público e o sector privado não um papel significativo”, “a eficiência da administração pública está a declinar”, e “educação e formação inadequada da força laboral”. Também os técnicos do Banco Mundial não deixaram de apontar que, em relação à problemática da redução da pobreza, “depois de tantos anos a gastar dinheiro em programas sociais não sabemos quão efectivos foram porque há muito poucos dados” e ainda de constatar que “a dívida pública disparou, situando-se acima dos 120% do PIB”, facto que está a impedir o país de se tornar “resiliente aos choques externos”.
As frases só surpreenderam porque vinham
de quem as proferiu. Há anos que as forças políticas da oposição,
observadores de vários quadrantes e operadores económicos privados
chamavam a atenção para a dívida crescente, infra-estruturas de valor
duvidoso, educação de fraca qualidade e o efeito negativo da
administração pública sobre o ambiente de negócios e a competitividade
do país, sem encontrar muito eco nos documentos e declarações finais das
sucessivas missões do FMI e do Banco Mundial. Pelo contrário, não
poucas vezes ficavam na posição de corroborar as posições do governo e
de suportar expectativas de crescimento que viriam a revelar-se muito
abaixo do real. Em 2014 a previsão de crescimento situou-se oficialmente
no intervalo 3,5% - 4% do PIB, mas na realidade foi de 0,6%. Em anos
anteriores a disparidade entre a previsão e a realidade não foi muito
diferente mas isso não impediu que nos documentos oficiais dessas
instituições não subsistissem muitas dúvidas, por exemplo, em relação à
dívida pública que o governo de então insistia que era perfeitamente
sustentável porque concessional. Compreende-se que não é próprio dessas
instituições fazer o papel dos partidos da oposição ou de porta-voz das
críticas da sociedade civil e das preocupações dos agentes económicos,
assim como não deve certamente ser seu papel dar respaldo ao que
oficialmente se diz para fugir à responsabilidade e não tomar as medidas
que as circunstâncias impõem.
O facto porém é que com o passar do
tempo o problema torna-se mais complexo, a situação se agrava e não há
muito por onde ir. Ninguém sabe o que fazer quando o recurso à ajuda
externa e ao crédito diminui consideravelmente e no meio termo o país
não conseguiu pôr de pé sectores da economia que pudessem funcionar como
motores do crescimento e da criação de emprego. Entrementes as empresas
públicas ameaçam soçobrar sob o peso da dívida acumulada e, no ambiente
de incerteza e riscos macrofinanceiros, o investimento privado nacional
e estrangeiro não consegue substituir o investimento público no ritmo
desejado. O resultado é o fraco crescimento, as dificuldades de criar
emprego e a dependência crescente de sectores que, embora dinâmicos por
impulso do exterior como é o caso do turismo, na prática não conseguem
arrastar suficientemente o resto de economia.
Nesses momentos – o encontro da semana
passada com Banco Mundial é um exemplo - depois de anos de aparente
complacência com resultados medíocres, eis que essas instituições como
que reaparecem e exigem medidas draconianas sem demonstrar grande
preocupação com as consequências para além de limitar o défice
orçamental, conter a dívida pública e assegurar os pagamentos externos.
Com se viu no caso da TACV, insistem com a reestruturação/liquidação da
empresa e não têm rebuços em usar a suspensão da ajuda orçamental como
instrumento de pressão ao governo. No mesmo sentido vão outras medidas
de reestruturação propostas, incluindo privatizações, dirigidas
primariamente para colocar esses índices em valores mais geríveis mas
que a prazo podem revelar-se pouco adequadas para garantir crescimento
rápido e o desenvolvimento sustentável da economia. O facto de não se
sentirem co-responsáveis pelo que possa vir a acontecer ao país apesar
das periódicas missões de monitorização e aconselhamento devia servir
para lembrar aos legítimos governantes que está nas suas mãos a
responsabilidade pelo desenvolvimento do país.
Essas organizações internacionais têm a
sua própria agenda que nunca é idêntica à agenda nacional apesar de
eventualmente partilharem elementos comuns ou convergirem em atingir os
mesmos objectivos e metas. As doações, empréstimos ou investimentos no
âmbito de ajuda externa seguem uma lógica que pode ter pontos de
contacto com aspectos da estratégia nacional mas não são coincidentes.
Nenhum país do mundo se desenvolveu com base simplesmente nas
prescrições das instituições de Bretton Woods. Todos tiveram que
encontrar a sua via, traçar a sua estratégia e ser capaz de negociar com
as instituições estrangeiras multilaterais de forma a potenciar ao
máximo os recursos disponibilizados em benefício de um crescimento
rápido e inclusivo.
Pôr definitivamente de lado o modelo de
reciclagem de ajuda e abraçar a via que colocará o país na posição de
criar riqueza deve passar também por rever toda a relação com essas
instituições de forma a que não seja marcada pela submissão, facilitismo
e ausência de uma estratégia própria. Depois de décadas de
condicionamento do comportamento do Estado e dos seus agentes devido à
ajuda externa há que construir o caracter e a competência esperados de
um povo independente.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 831 de 31 de Outubro de 2017.
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