A unidade nacional
é fundamental para ter políticas de desenvolvimento na perspectiva de criar
oportunidades para todos. 2- A realidade arquipelágica deve ser subsumida na
ideia do país como um todo. Explicitamente Dev Chamroo adverte que “se Cabo
Verde acreditar que é 10 ilhas diferentes não vai a lado nenhum”. 3- Por
último relembra que Cabo Verde vive um momento de definição, mas que as janelas
são sempre muito “curtas”, e as oportunidades “não duram para sempre”.
Infelizmente, corre-se o risco dessas chamadas de atenção caírem em saco roto.
Apesar de não existirem
divisões de base étnica, linguística ou religiosa são persistentes as tentativas de forjar e manter abertas
linhas fracturantes na sociedade cabo-verdiana. Fracturas que até agora se têm
mostrado suficientemente profundas para dificultarem a criação de uma vontade
nacional para o desenvolvimento, para impedirem a necessária mudança de atitude
e para obstaculizarem o indispensável investimento focalizado na educação de
qualidade, sem o qual dificilmente poderá haver ganhos de competitividade e de
produtividade. Cabo Verde é, na diversidade das suas ilhas, culturalmente homogénea
e um país com uma consciência nacional consolidada há mais de um século. Mas
sendo, por um lado, um país tornado um estado independente na sequência de uma
revolução liberal e da derrocada de um império colonial, sofre com as tensões
criadas por um tipo de nacionalismo que ainda hoje, nas suas várias
manifestações, se mostra divisivo e capaz de pôr
em campos opostos e antagónicos gentes, narrativas e memórias. Nota-se isso
facilmente nos feriados nacionais que, em vez de serem de concórdia, são de
disputas sectárias. Por outro lado, sendo Cabo Verde uma jovem democracia,
revela particular fragilidade perante as tensões provocadas por manifestações
populistas que põem em causa as instituições democráticas, fragilizam os
partidos e reforçam os reflexos autocráticos existentes que vêm de longe e são
tributários dos anos de regimes autoritários e totalitários que vigoraram nas
ilhas durante seis décadas. O espectáculo mensal das reuniões plenárias da Assembleia
Nacional é elucidativo a este respeito. Mês após mês vê-se que não conseguem
elevar o debate para um outro patamar e exercer o dissenso num outro nível.
Mesmo quando demonstram conseguir acordo na aprovação de leis importantes, logo
de seguida revelam-se incapazes de evoluir para um relacionamento menos
beligerante.
“Nacionalismo e
populismo sempre coexistiram com a democracia” diz o académico Ghia Pudia
escrevendo no Journal of Democracy, de Abril de 2017. Na sua opinião a
consciência nacional é fundamental para que haja uma comunidade de pessoas
que querem um futuro político comum e instituições políticas comuns.
Acrescenta ainda que o sentido de pertença permite as pessoas aceitar um
governo eleito pelo povo mesmo que não gostem dele e a não se moverem para
destruir as minorias quando o governo do seu agrado está no poder. Quanto ao
populismo, afirma que em maior ou menor grau sempre está presente num sistema
de governo eleito em que agradar as pessoas faz parte dos meios para angariar
votos. Em vários momentos da história, a democracia foi desafiada por formas
extremas, seja do nacionalismo, seja do populismo. Hoje é um desses momentos.
Quando assim é, o nacionalismo deixa de ser o que alguns chamam de patriotismo
cívico e torna-se destrutivo e assume características xenófobas e nativistas.
Por sua vez, o populismo ganha contornos perversos e torna-se no veículo ideal
para minar as instituições, limitar as liberdades, hostilizar minorias e
propiciar a ascensão de líderes e regimes autocráticos.
Actualmente, nenhuma
democracia, madura ou jovem, está imune a manifestações extremas do
nacionalismo e do populismo. A globalização, a crise financeira, as migrações
internacionais, os conflitos religiosos e as tensões geopolíticas criadoras de
refugiados contribuem para a agudização desses fenómenos por todo o lado,
especialmente na Europa e na América. Cabo Verde também é afectado, mas de
forma peculiar. Aqui o nacionalismo, porque muito ligado à uma narrativa de
luta libertação, está sempre em tensão com o patriotismo cívico ou patriotismo
constitucional nas palavras de Habermas. Encontrando terreno propício, é
factor de desunião e da diminuição da consciência nacional de que fala Ghia
Pouda e que é essencial para se ter liberdade e pluralismo e se aceitar a
alternância política sem cair na tentação de destruir a oposição e outras vozes
dissidentes. Também o populismo pode ser um forte factor de desunião porque,
estando a maior parte dos recursos disponíveis sob controlo do Estado, a
tendência é distribui-los pelos apoiantes em detrimento dos outros. Em tal
ambiente fica por alcançar o nível de confiança que possibilita o
desenvolvimento do espírito cívico, que dá garantia de respeito pelo direito de
propriedade e pelos direitos contratuais e motiva as pessoas para que com a sua
iniciativa, criatividade e disposição para correr riscos, construir a sua
prosperidade pessoal e familiar e no processo contribuir para a riqueza
nacional.
Seria desejável que os conselhos de Dev
Chamroo estivessem a ter mais eco do que aparentemente se percebe. Como ele
próprio diz, o que fizeram nas Maurícias é essencialmente o que noutros casos
de sucesso também se fez para evitar factores de desunião e para reforçar a
consciência nacional. Manter o foco no país global, respeitando ao mesmo tempo
as especificidades do território e a sua diversidade, é fundamental. Os
recursos são sempre escassos e as oportunidades de aplicação sempre limitadas
para se conseguir os melhores resultados e o maior retorno. Ir pelo caminho dos
que já conseguiram o sucesso na árdua e exigente rota do desenvolvimento,
significaria de facto “fazer diferente”. Ou seja, deixar para trás o
círculo vicioso que perpetua a divisão e que põe a situação e a oposição a
rodar em ciclos eleitorais sucessivos sem que se veja diferenças fundamentais
nas relações institucionais e na comunicação e na relação com a sociedade. Há
pois que mover para além das tricas do nacionalismo perverso e das tentações do
populismo para que a vontade e a energia da nação se concentre em fazer o país
dar o salto que urgentemente precisa para agarrar o momento e triunfar, com
ganhos para todos.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição
impressa do Expresso
das Ilhas nº
843 de 24 de Janeiro de 2017.
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