Todos parecem posicionar-se nessa corrida aos
recursos para tirar o maior proveito da situação e ter ganhos que podem ser
políticos, de influência e ganhos materiais como intermediário ou recipiente.
Mas como já se conhece de situações anteriores, nesses exercícios de
distribuição da ajuda externa o mais normal é que quem menos beneficia sejam
justamente os elementos da população alvo da solidariedade externa. A
vulnerabilidade das populações rurais que persiste até hoje é prova disso assim
como também é a notória prosperidade de uma elite à volta do Estado que durante
décadas privilegiou o modelo de desenvolvimento baseado na reciclagem da ajuda
externa. Calculam-se entre 30 a 45% os custos administrativos dos projectos
destinados às populações vulneráveis e que em boa parte ficam nas estruturas
centrais e suportam os estudos, as viagens e os custos com os quadros
necessários à implementação dos mesmos projectos. Reconhece-se aí perfeitamente
a figura do Estado no topo da cadeia alimentar.
De um certo ponto de vista até se pode
arriscar a ideia de que “infortúnios” são bem-vindos. Justificam e facilitam
enormemente a mobilização de fluxos de ajuda externa do qual ainda muito da
economia nacional depende. É só ver como se acirram os apetites de uns e se
levantam as expectativas de outros. Além de não encarados e resolvidos, os
problemas de fundo e as vulnerabilidades vão-se mantendo ao longo dos anos
para, em situações como, por exemplo, de uma de seca, se revelarem
completamente para aparente espanto e alarme de toda a gente, a começar pelas
autoridades. Infelizmente, a forma como se lida com a situação, com todos a
quererem tirar vantagem imediata, faz crer que dificilmente soluções com vista
a pôr fim às vulnerabilidades serão consideradas e implementadas. Com visões
estáticas de desenvolvimento incluindo as de fixar a população no sítio onde
estão, perpetua-se a vulnerabilidade das pessoas porque realmente não há
economia que aí as sustente e permita que se tornem mais produtivas e
contribuam para criação da riqueza nacional. No dia-a-dia vão-se beneficiando
da ajuda estatal e da solidariedade familiar, em particular das remessas dos
emigrantes, até que qualquer desvio climático ou desastre natural venha expor a
fragilidade da sua existência no limite da subsistência.
As dificuldades evidentes do país em
definitivamente “mudar de paradigma” e, para além de todo o discurso
oficial, acreditar, de facto, que pode desenvolver-se e deixar de depender da
ajuda externa, não se mostram fáceis de ultrapassar. Historicamente pode-se
facilmente demonstrar que os momentos de prosperidade que as ilhas tiveram ao
longo dos tempos sempre aconteceram com o impulso de uma ligação com o
exterior. Começou com apoio à expansão europeia no Atlântico e o comércio na
costa africana nos tempos áureos da Cidade Velha, passou por outros momentos
entre os quais os anos de movimento de barcos na Baía do Porto Grande de S.
Vicente e nos dias de hoje é cada vez mais o turismo. Várias centenas de
milhares de turistas europeus visitam as ilhas e pela sua presença e gastos
feitos imprimem dinâmica à economia nacional. Paradoxalmente, há uma corrente
forte com audiência particularmente nas elites do país que, para além da
hostilidade mais ou menos velada em relação ao investimento externo, não deixa
passar a oportunidade para se mostrar hostil a incentivos à presença de
estrangeiros de origem europeia que são precisamente os que com os seus gastos
ajudam a mover os negócios em Cabo Verde.
O último pretexto foi há dias o chamado Green
Card, uma iniciativa do governo que incentiva a instalação de estrangeiros
com isenção de impostos na compra de propriedade. Na pressa de acusar o governo
de favoritismo em relação às empresas imobiliárias, perde-se de vista os
múltiplos ganhos que o país pode ter a partir do momento em que, por exemplo,
pensionistas recebem a sua pensão, fazem compras localmente, contratam pessoas
para lhes prestar serviços e eventualmente investem nalguma área de negócio.
Muitos países que não têm as vantagens do clima e outros requisitos culturais
encontrados em Cabo Verde de há muito compreenderam a importância de ser
bem-sucedida nestas e noutras iniciativas que facilitam a instalação de um
número significativo de pensionistas e outras pessoas no seu território. A
acrescentar às vantagens referidas, a iniciativa permite, por outro lado, ancorar o turismo em bases mais
diversificadas diminuindo a dependência do actual modelo sol e praia,
que assim como ganhou impulso numa conjuntura que foi desfavorável aos países
do Norte de África, poderá perdê-lo numa outra circunstância se não se mostrar
competitiva.
Faz alguma confusão ver que mesmo perante o
falhanço de décadas de políticas que deixaram vulneráveis milhares de pessoas
no mundo rural a tentação neste ano excepcional de seca é continuar a fazer
praticamente o mesmo. Continua-se a rejubilar com a capacidade de mobilizar
ajuda externa, a hostilizar as ligações externas que podem impulsionar a
economia e a alimentar a ilusão de
capacidade endógena do desenvolvimento. É caso para dizer que este país não
tem emenda.
Humberto Cardoso
Texto
originalmente publicado na edição impressa do Expresso das
Ilhas nº 845 de 07
de Fevereiro de 2018.
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