quinta-feira, 31 de março de 2016

Pela dignidade da mulher

A dimensão do espaço de realização pessoal que a mulher tem numa determinada sociedade é quase universalmente considerado um indicador do nível civilizacional. Cada vez mais vêem-se mulheres nas mais diferentes posições em todas as esferas da vida designadamente política, económica, social, intelectual e cultural e até militar em teatro de guerra. Progressivamente nada parece ficar fora e antigos espaços ciosamente reservados aos homens  acabam por ceder não obstante resistências localizadas.
Em Cabo Verde aparentemente não há qualquer espaço restrito. Ninguém torce o nariz à partida perante a possibilidade de uma mulher ocupar qualquer cargo público ou privado. Também não se sente qualquer urgência em se atingir cotas na presença feminina em órgãos colectivos. Revelador neste aspecto é o facto que mesmo com uma mulher na liderança de um partido político não se alterou grandemente a presença de mulheres na Assembleia Nacional. Ficou-se pelos 23,6% do total dos deputados. No governo a ocupação de cargos começou em 1991 e mais de vinte anos depois chegou a atingir os 50% dos ministros. No poder judicial, têm lugar destacado em todas as instâncias e desde de 2015 é uma magistrada que preside o Supremo Tribunal de Justiça.
A mobilidade das mulheres e a praticamente nula resistência à sua ascensão e ocupação de qualquer posição pública ou privada não significa que desapareceram as tensões  e violências físicas e psicológicas que infelizmente muitas vezes acompanham as relações entre homens e mulheres. A implementação da legislação sobre a violência de base no género trouxe à consciência pública muita da violência e da humilhação que não poucas vezes familiares, vizinhos e a sociedade em geral fingiam ignorar com consequências trágicas para os envolvidos e para os filhos. E como este jornal já teve oportunidade de documentar não é uma violência que fica pelos casais de adultos com uma vida em comum mas se manifesta também nas relações de namoro entre adolescentes e jovens adultos. O sentido de posse e os ciúmes que o acompanham são os ingredientes comuns, mas potentes, de desavenças que no ambiente pequeno das ilhas e na vida precária da uma boa parte da população urbana e rural  podem facilmente evoluir para situações extremas de agressão.
A pobreza é, de facto, o maior inimigo da mulher. A precariedade da existência põe um especial peso sobre o dia-a-dia da mulher e é extremamente limitativo do que pode almejar conseguir para escapar a um destino de uma vida de pobreza. Principal provedor dos cuidados para toda a família, é obrigada a sacrificar-se em tarefas domésticas e na busca de rendimentos para compensar a falta de recursos. E nesta luta pela sobrevivência não poucas vezes carregada de filhos vê fugir-lhe os sonhos e a saúde. A grande compensação é quando perante o sucesso do filho ou da filha sente que o esforço se justificou. Pelo contrário, imagine-se o desespero que a invade quando percebe que foram atraídos pela vida dos gangs ou outros marginais e um dia chega a notícia que foram presos, feridos ou assassinados.
A luta pela dignidade da mulher passa pela luta contra a pobreza que efectivamente diminui a dependência das pessoas e a coloca no caminho da inclusão social e económica. É também uma luta que a deve libertar da condição de propriedade de alguém seja do pai, do irmão ou do marido. Muita tragédia vivida por mulheres em certos países é justificada com a necessidade de recuperação da honra perdida por familiares e maridos.
Em várias zonas de fractura no mundo, que hoje por causa das viagens e das migrações já não só dividem estados ou regiões mas também comunidades e até ruas e vizinhos, disputas à volta da condição da mulher são motivo de violência extremada, intolerância e de resistência à modernidade. A resposta a tudo isso deve ser a continuação do esforço colectivo de reafirmar no dia-a-dia a nossa humanidade comum e a vontade inquebrantável de garantir a todos o seu direito à felicidade. Ao governo exige-se que focalize as suas acções de luta contra a pobreza e inclusão da mulher como forma de conseguir maior eficácia na utilização dos recursos públicos e de a libertar dos constrangimentos que limitam a sua realização pessoal em todos os domínios. Toda a sociedade ganhará com isso. 
       Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 30 de Março de 2016

sexta-feira, 25 de março de 2016

Novos valores, novo modelo, nova largada

É consenso geral que com a vitória do MpD nas legislativas de 20 Março se fechou um ciclo político em Cabo Verde. A percepção de que se estava em fim do ciclo generalizou-se com uma rapidez estonteante nos últimos meses, em particular nas duas semanas de campanha eleitoral. As problemáticas do emprego, do baixo crescimento da economia e da insegurança dominaram os discursos dos políticos e queixas dos cidadãos.
A confiança no governo do PAICV deteriorou-se rapidamente com a vinda a público de casos de gestão deficiente da coisa pública. Chamaram particularmente a atenção a persistência na má-gestão da situação das pessoas deslocadas de Chã das Caldeiras e também da transportadora aérea nacional, a TACV. Apesar das queixas, denúncias e reclamações, os respectivos gestores continuavam de pedra e cal e os decisores políticos mostravam-se completamente impotentes, enquanto como no caso da TACV vinham a público revelações que punham a nu a situação quase catastrófica vivida na empresa. Também teve impacto na confiança o pronto desmentido da União Europeia noticiado por este jornal quanto ao financiamento do porto de águas profundas feito na campanha eleitoral do Paicv em S.Vicente. As pessoas podem muitas vezes deixar-se levar por euforias e promessas, mas reagem negativa e vigorosamente a falsidades comprovadas.
A vontade de mudança do povo pôde exprimir-se nas eleições de domingo passado com consequência, ou seja, resultando num governo de outro partido porque a sociedade soube produzir e manter ao longo de todos estes anos uma alternativa de governo não obstante as três maiorias absolutas desde de 2001. E quando insistem na alternância do poder não significa que queiram simplesmente entregar o poder a outras personalidades para fazer mais do mesmo. Vivemos em sociedades plurais e o pluralismo na sociedade  manifesta-se nos entendimentos diferentes dos problemas e prioridades do país, nas soluções e estratégias distintas para se atingir os objectivos preconizados e na atitude mais adequada aos desafios da sociedade e da modernidade. E foram com esses pressupostos que as eleições foram decididas. 
O eleitorado chegou no fim destas eleições com expectativas altas quanto à capacidade da nova liderança do país em resolver os problemas graves vividos por todos os cabo-verdianos particularmente os mais pobres. Infelizmente a consciência das dificuldades a ultrapassar já não é tão forte e profunda. Tensões terão que ser ultrapassadas e um esforço dirigido terá que ser feito para se mudar o paradigma de viver das transferências do estrangeiro, de emigrantes e da ajuda externa. O modelo já deu tudo o que tinha a  dar. Não é à toa que nos últimos anos, mesmo após milhões de contos de investimento público, o crescimento económico continua raso e não se criam suficientes postos de trabalho para debelar o desemprego.
Cabo Verde precisa ultrapassar o modelo de gestão de ajudas que tende a induzir comportamentos contrários aos necessários para o desenvolvimento. Quando se vive da renda, há sempre uns no topo da pirâmide que tomam mais, a cooperação entre as pessoas não tem ambiente para se desenvolver e frutificar, confiança entre as pessoas  custa a criar e a manter e a tendência é todos procurarem um lugar de conforto junto ao Estado. Mas a história dos processos de desenvolvimento mostra que as riquezas das nações não são criadas directamente pelos governos. Gera-se riqueza com trabalho, ambição e espírito empreendedor dos homens e mulheres quando encontram o ambiente próprio para darem vazas aos seus sonhos e lançarem-se na tarefa de construírem a prosperidade para si próprios e para as suas famílias.
O que se precisa é de um governo que crie o ambiente certo para se realizarem. Um governo que aposte em dar autonomia às pessoas, que promova a meritocracia na sociedade, ponha o estado ao serviço dos cidadãos e ajude a construir a confiança necessária para as pessoas se sentirem seguras e livres para construírem a sua felicidade. Depois de anos sob a batuta de um Estado visto como arrecador/distribuídor e cujos resultados são medíocres é tempo para liberdade, para empreender, para criar e viver com dignidade. Que o novo ciclo político seja de uma nova largada para Cabo Verde e para todos os caboverdianos.
        Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 23 de Março de 2016

sábado, 19 de março de 2016

Responsabilidade na governação

Ouvindo as declarações do Sr. Primeiro-ministro sobre a privatização dos portos e logo de seguida sobre a situação cada vez mais complicada da TACV a primeira pergunta que nos ocorre, é: estará o governo ainda em “estado de graça”? Só pode ser, considerando que ainda culpa o governo anterior e não se sente compelido a assumir que errou ou que as suas políticas falharam em produzir o resultado pretendido. Ninguém acreditaria que quem fala assim encontra-se no fim de mandato do seu terceiro governo consecutivo.
É consenso geral nas democracias que aos governos recém-empossados se dá um máximo de seis meses de graça. Passado esse tempo torna-se progressivamente mais difícil e aceitável que continue a recorrer ao governo anterior para se justificar. Insistir  nesse caminho inevitavelmente tem consequências na integridade e funcionalidade do sistema político. Negar que quem governa tem concomitantemente responsabilidade plena pelos actos de governação e por tudo o que respeita à colectividade nacional significa quebrar o vínculo fundamental entre os cidadãos e o governo que nas democracias legitima o exercício do poder: o princípio do livre consentimento dos governados.
Quando se entra no caminho de esquivas ou mesmo de fuga à responsabilidade começa-se logo  a agir de forma a que os cidadãos não tenham toda a informação, ou os meios para se expressarem livremente ou se sintam livres para se organizarem e questionarem políticas, prioridades, resultados e impacto dos actos do governo. Quer isso dizer que os recursos do Estado começam a ser utilizados para constranger os indivíduos no exercício dos seus direitos, mesmo que não tenha sido esse o plano original. Para evitar assumir responsabilidade, faz-se propaganda e, pelo caminho, coarcta-se a liberdade de expressão, a liberdade de informar e de ser informado. Acaba-se sempre por condicionar a liberdade de imprensa e a liberdade de reunião e de manifestação e também por esvaziar as pessoas da autonomia em relação ao Estado e torná-las mais dependentes e mais submissas. Viu-se tudo isso nos últimos quinze anos.
A funcionalidade de um sistema que se guia pelo princípio do contraditório perde-se se a responsabilidade não é assumida e se culpabiliza sistematicamente o governo anterior por resultados menos bons da governação. Confundem-se os papéis e a oposição que já foi poder é obrigada a defender-se em vez de se manter activa a questionar a acção governamental. O parlamento como instituição sofre com os papéis invertidos dos seus protagonistas e com a frustração provocada pela atitude das bancadas rivais e do próprio governo. A imagem externa da instituição fica negativamente afectada quando os debates não trazem nada de positivo, bloqueios em matérias chaves se mantêm por muito tempo e frustrações individuais ou de grupo são ventiladas em plenário.
Sem um processo permanente de responsabilização, as promessas eleitorais não têm qualquer significado. Se o governo armado com a sua maioria parlamentar e com todos os recursos do Estado pode deturpar a realidade e substituir resultados por ilusões não vai se sentir amarrado às promessas que fez durante a campanha. A percepção que assim é tende a alienar as pessoas da política, aumenta o cinismo em relação aos políticos e pode fazer do eleitorado uma presa fácil para o populismo e a demagogia.
Um outro custo das constantes fugas à responsabilização pelos actos da governação é a perda paulatina de eficiência e eficácia em tudo o que se faz. Como se recusa o contraditório também não se reconhecem as falhas, não se absorvem as sugestões para mudar de procedimentos ou de rumo e o mundo dos governantes reduz-se cada vez mais ao grupo de fiéis ficando de fora os críticos, os inovadores e os ousados. Não estranha pois que a retoma de crescimento todos os anos anunciada tarde em acontecer, assim como o desemprego custe a diminuir. A gestão das empresas públicas torna-se cada vez mais complicada com os custos a serem assumidos pelo Tesouro Público e os serviços esperados pelos utentes pecam em qualidade, fiabilidade e preço. Uma distância maior começa a separar o país de ilusões todos os dias reproduzidos pelos governantes das dificuldades vividas no país real. Não estranha que de repente se oiça do fundo desse país real o grito de mudança.
Em período de campanha para as eleições legislativas é fundamental que a par com as promessas eleitorais seja afirmada a vontade de governar com honestidade seguindo uma ética de responsabilidade. Não é de aceitar governo que queira ficar em estado de graça por cinco, dez ou quinze anos de graça.
            Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 9 de Março de 2016

sexta-feira, 18 de março de 2016

Alternância de Poder

Cabo Verde vai a eleições para a escolha do novo governo no dia 20 de Março. Vários partidos disputam os votos para a eleição de deputados à Assembleia Nacional. Felizmente que de entre eles há partidos que podem constituir alternativas de governo. A democracia estaria fragilizada se, em qualquer circunstância, mas particularmente após quinze de governo por um único partido, não houvesse partidos ou coligação de partidos que oferecessem a possibilidade de uma alternância credível do poder.
Quinze anos é muito tempo e naturalmente que a governação por uma única formação política durante três legislaturas seguidas tende a condicionar as instituições, a constranger opiniões e a criar clientelas próximas. Notam-se em maior ou menor grau fenómenos do género em qualquer sociedade mesmo em democracias avançadas como o Reino Unido após 15 anos do partido conservador ou do partido trabalhista e também em Portugal na sequência de duas maiorias absolutas seguidas. Com mais razão se evidenciam nas jovens democracias onde a sociedade civil é incipiente e a dependência do Estado é prevalecente. No caso de Cabo Verde os efeitos são mais pronunciados devido às notórias políticas assistencialistas, ao facto da propaganda se ter tornado num instrumento central da acção do governo e também se constatar a vontade explícita dos poderes públicos em cercear a autonomia de indivíduos, associações e municípios.
Não se ter chegado ao fim dos quinze com um partido hegemónico acompanhado de um conjunto de pequenos partidos satélites demonstra que a sociedade cabo-verdiana já deu provas de uma grande resiliência democrática.  Maiorias absolutas como não precisam da contribuição de outras forças para fazer leis e aprovar orçamentos do Estado tendem a minimizar a necessidade de compromisso e de negociações com outras forças políticas. Podem até a chegar ao ponto de querer apresentar a oposição com algo dispensável se não mesmo prejudicial para os interesses do país. O Parlamento nestas condições torna-se alvo a abater e na instituição a desprestigiar porque é a sede do contraditório e é a tribuna de onde se exige que contas sejam prestadas e responsabilidades assumidas. Sente-se que caminham para aí quando se ouvem acusações de que para a oposição quanto pior, melhor, ou que ela se se comporta como profeta da desgraça e que é antipatriótica. O que mais terrível pode acontecer ao sistema político é se por causa de desânimo, sentimento de impotência e derrotas sucessivas os partidos sucumbam à pressão e deixem de ser alternativa, enfraquecendo a democracia por não oferecer a possibilidade de alternância. 
Samuel Huntington, o cientista política autor da Terceira Vaga da Democracia, estabeleceu a dupla alternância no poder como teste de verificação se a democracia nos países que fizeram a transição democrática está de facto consolidada. Em Cabo Verde ainda não se verificou a dupla alternância. Contrariamente ao que alguns pensam, seguindo a teoria de Huntington, no 13 de Janeiro de 1991, só houve a transição de regime político e não uma alternância de poder dentro do sistema democrático. Enquanto isso não acontecer e enquanto não se normalizar que qualquer dos partidos pode estar no governo e depois ir para a oposição dificilmente vão desenvolver entre si os hábitos de compromisso e de negociações. Nem tão pouco vão sentir a necessidade de chegar a acordos tácitos no que tange ao comportamento enquanto actores políticos que contribua para valorizar as instituições e diminuir a crispação política.
Não se estranhe por isso que em vez de uma evolução que valorize o sistema de partidos haja de facto muita pressão para o pôr em causa pelas razões mais estapafúrdias. Explora-se bastante e por mais variadas razões o sentimento anti-partido.  Em Cabo Verde esse sentimento vem de longe. Desde logo, do salazarismo e depois foi refinado  nos quinze anos do regime de partido único. O facto de os dois grandes partidos conseguirem mobilizar multidões e serem vistos como agentes alternativos de poder em Cabo Verde revela o quanto, apesar de tudo, os partidos não foram realmente afectados pela hostilidade anti-partido.
A campanha para as eleições de Março deixa claro que para o eleitorado cabo-verdiano os partidos têm um papel central no processo de definição do futuro. Não faltam críticas à actuação dos partidos, mas a realidade é que ninguém se mostra na disposição de os dispensar e procurar conforto em políticas populistas e demagógicas. A percepção, de que nos sistemas parlamentares a responsabilidade para o melhor ou para pior pode e deve ser assacada aos partidos políticos, independentemente das lideranças conjunturais, conseguiu vingar. Por outro lado, reconhece-se que as relações de lealdade e também de confiança com o partido mantêm-se para além das mudanças na liderança e das vicissitudes eleitorais. A garantia de persistência do pluralismo na sociedade e no sistema político é fundamental para que se possa visionar o futuro com entusiamo e optimismo. Para isso a participação de todos os cabo-verdianos através do  voto no dia 20 de Março é de maior importância.
        Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 16 de Março de 2016

sexta-feira, 4 de março de 2016

Campanha para discutir e decidir o futuro

A campanha das eleições legislativas de 2016 vai iniciar-se no próximo dia 3 de Março. Será a sexta vez que num ambiente livre e plural os cabo-verdianos irão ao voto para decidir quem deve governar o país nos próximos cinco anos. Em antecipação ao acto eleitoral de 20 de Março teremos praticamente duas semanas em que a atenção geral estará virada para as propostas de governação dos partidos políticos e para o perfil dos seus candidatos a primeiro- ministro. Esta eleição, depois de quinzes anos sem alternância de governo, reveste-se de uma importância muito especial até porque acontece num momento já caracterizado por vários observadores e também pelo próprio Presidente da República como sendo de encruzilhada para o país.
Todas as forças políticas parecem concordar com essa asserção. Nas suas comunicações deixam transparecer uma necessidade de mudança e a urgência em se passar de uma situação de estagnação económica para uma outra realidade de maior dinamismo com criação rápida de empregos. As promessas eleitorais vão nesse sentido e as propostas em termos de políticas e de medidas dão conta do caminho a percorrer para se chegar até lá. Não se mostram tão claros porém os obstáculos no caminho para se atingir os objectivos e metas pretendidos, nem como vencê-los. E esse é o aspecto fulcral: há que ter consciência que eles existem para que se crie vontade, se desenvolvam estratégias e se mobilizem energias para os ultrapassar. Sem os identificar e os contornar, os resultados acabam por ficar sempre aquém do previsto. A experiência de vários países, entre os quais Portugal, é elucidativa. Apesar dos enormes sacrifícios consentidos, as reformas não foram suficientemente profundas e os resultados em crescimento e competitividade continuam modestos. Aparentemente algo ficou por fazer.
Nos últimos anos o governo nos orçamentos do Estado vem anualmente projectando crescimento económico de 3,5, 4 e até 5% do PIB.  Na realidade, o país ficou por uma média nos últimos 5 anos de 1,4%. Os investimentos de mais de 600 milhões de contos não conseguiram dinamizar a economia nacional nem torná-la competitiva nem fazer dela uma criadora de emprego. O rendimento per capita vem diminuindo desde 2012. O desemprego mantém-se elevado, particularmente entre os jovens, e os classificados nas estatísticas oficiais como inactivos, aumentam. As razões por que os resultados estão a ficar sistematicamente abaixo das previsões não são devidamente inventariadas e muito menos reconhecidas. Pelo contrário, sai-se à procura de justificações em factores externos como a crise financeira internacional ou em agentes nacionais, que supostamente não estariam a fazer  a sua parte, designadamente, os bancos, empresários, e os próprios trabalhadores. Mesmo quando o banco central alerta que constrangimentos internos diversos não permitem que o país aproveite em maior grau da recuperação das economias europeias, o governo continua a cantar loas à sua agenda de transformação, a considerar a dívida contraída como “virtuosa“ e a congratular-se com rankings internacionais que põem as ilhas de Cabo Verde em melhor posição do que a generalidade dos países do continente africano.
Sobressaltos repetidos, porém, têm chamado a atenção para falhas graves em sectores-chave para a vida do país. O último foi o arresto na Holanda do Boeing da TACV. Outros sobressaltos como a erupção na ilha do Fogo, o afundamento de navio Vicente e atentados homicidas dirigidas directa ou indirectamente contra entidades públicas deram conta de fragilidades e mesmo de incompetência que se deixa perpetuar em várias áreas sob tutela de entidades públicas. O caso da TACV é paradigmático. A empresa há meses que está a viver dificuldades visíveis de gestão e o governo dá a impressão que se bloqueou e não age: não substitui a direcção, não reorienta estrategicamente a empresa e passa a imagem de que salta de um plano de privatização para outro, sendo provavelmente o mais recente aquele em que o Sr. Primeiro-ministro terá trazido da Guiné Equatorial onde esteve em visita com a privatização da TACV na agenda.
Cabo Verde deve saber por que está na actual situação de baixo crescimento, de fraca criação de empregos e de aumento da pobreza. Já há documentos do Banco Mundial a questionar se não se trata de mais um exemplo de um país apanhado na armadilha dos países de rendimento médio. A contraposição de visões dos diferentes partidos durante a campanha eleitoral que começa no dia 3 de Março deverá servir para elucidar os cabo-verdianos país sobre o que lhes impede a caminhada e o que terão que fazer para garantir um futuro de dignidade, de liberdade e de prosperidade para si e para os seus.  
        Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 2 de Março de 2016