quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Trocar o Euro pelo Eco?


O Primeiro Ministro Dr. José Maria Neves em declarações à imprensa na sequência da cimeira da CEDEAO em Dakar apontou 2020 como o ano em que Cabo Verde adoptará uma nova moeda, o Eco, no quadro da integração económica dos países da região. O processo deverá iniciar-se com a adesão à segunda zona monetária criada pelos países anglófonos, Nigéria, Gana e Serra Leoa. Posteriormente pela via de uma convergência macroeconómica com os países do CFA será construída uma União Monetária. O PM vê esses passos como fundamentais para se “garantir integração no espaço da CEDEAO”.

Decisão tomada, importa agora, segundo ele, realizar os estudos para saber das vantagens e desvantagens de trocar o escudo cabo-verdiano pelo Eco e também construir consensos no país favoráveis a isso. Estranha forma de decidir: escolhe-se um caminho, depois fazem-se os estudos para se conhecer os custos e benefícios da opção assumida e ainda mais tarde vai-se convencer as pessoas de que precisam concordar com ela. Precisamente o contrário do que deveria acontecer. Democracias adjectivadas como as democracias populares ou democracias nacionais revolucionárias é que funcionavam assim. Não as democracias “tout court”, que não precisam de qualificações, onde reina o pluralismo e os cidadãos gozam de direitos de participação efectiva na vida do país.

Com o crescimento económico a abrandar significativamente e o desemprego a aumentar, o governo dá sinais de não ter ideia de como ultrapassar a situação. Fica-se com a impressão que “dispara para todos os lados”. Se não está a repetir os estafados ganhos que os clusters, ontem quatro e agora sete ou nove, irão trazer, então está a desdobrar-se em visitas e missões empresariais cujos resultados invariavelmente ficam muito aquém dos objectivos previamente publicitados. Hoje vai-se à China, amanhã a Singapura e à Africa do Sul e anunciam-se possíveis linhas de crédito, vontade de mudar o “chip” do país e interesse de investidores. Entretanto ouve-se falar do potencial da cooperação com Angola e com o Brasil e também com o resto dos BRICS. Depois nada de significativo em termos de investimento e comércio acontece, o que leva a pensar se as expectativas eram, à partida, irrealistas, se não se soube dar o devido seguimento às iniciativas ou se o país não é competitivo suficiente e não apresenta um ambiente de negócios realmente atractivo para os operadores económicos.

Agora a tónica virou-se para a integração africana com a entrada numa união monetária. As razões não são explicitadas: procura-se aumentar as exportações de bens e serviços em direcção à região para além dos actuais 3% do PIB via conquista de mercado no espaço da CEDEAO? Que bens e serviços? Vai-se atrair maior volume de investimento directo estrangeiro por causa disso? Também fica-se por saber se o país foi preparado para tirar partido de uma maior proximidade da África. Se já tem a competência linguística no inglês e no francês para dialogar e negociar com os povos da região maioritariamente anglófonos e francófonos. Se a classe empresarial cabo-verdiana desenvolveu laços estreitos com o mundo de negócios desses países. Ou se houve um esforço de intercâmbio académico que possibilitasse o conhecimento mútuo das suas futuras elites. De facto, o que se pode facilmente constatar é que apesar de todo o discurso feito e acordos assinados no âmbito da CEDEAO muito pouco se fez numa perspectiva estratégica para materializar os ganhos que adviriam do acesso privilegiado ao mercado dos seus 200 milhões de habitantes.

A questão da moeda única numa comunidade de países soberanos é algo muito complicado como se pode depreender das dificuldades por que passa a Europa desde de 2010. A crise da dívida soberana que se iniciou na Grécia e se replicou na Irlanda, Portugal, Espanha e Itália demonstrou como na ausência de uma união fiscal é extremamente difícil e custosa manter uma moeda única.

Cabo Verde tem beneficiado da estabilidade cambial graças ao peg ao Euro assinado em 1998. A ligação ao Euro deve-se em grande medida ao facto de a Europa ser o maior parceiro comercial da Cabo Verde e ser o ponto de origem de parcela significativa da ajuda externa, de boa parte das remessas dos emigrantes e do fluxo turístico que faz mover o actual motor da economia. Razões muito ponderosas terão que ser apresentadas para justificar uma mudança tão radical do regime monetário que implica perda da moeda nacional e ausência total de qualquer política monetária própria. O Governo deve ao país essas explicações.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Outubro de 2013

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Justiça mais eficaz

Todos os anos o mês de Outubro é o momento especial para o país e a sociedade reflectirem sobre a justiça. O ano judicial inicia-se com pronunciamentos de várias entidades com destaque para a intervenção do Presidente da República. O Parlamento dedica a primeira reunião plenário do novo ano parlamentar ao debate sobre a situação da justiça.

A anteceder todos esses actos, relatórios oriundos das magistraturas são produzidas e entregues na Assembleia Nacional, consultas e audições são feitas a intervenientes no processo de justiça designadamente o presidente do supremo tribunal, o procurador-geral da república, o bastonário da ordem dos advogados e o ministro de justiça. Invariavelmente a conclusão a que todos chegam é a mesma: fizeram-se investimentos em edifícios, em tecnologias de informação e na qualificação das pessoas, mas a morosidade da justiça mantem-se. Continua a verificar-se a um nível tal que em muitos casos acaba por configurar denegação da justiça.

Põe-se o problema de aquem exigir responsabilidade por tal fracasso. O imperativo constitucional de se ter um poder judicial independente do poder político obriga a ter juízes escolhidos com base no mérito e através de concursos públicos e um ministério público autónomo. As nomeações para posições cimeiras do sistema STJ e CSMJ são feitas pelo presidente da república mesmo no caso do procurador-geral da república em que a proposta do titular vem do governo. Com tal desenho institucional pode-se passar a impressão que a responsabilidade pela eficácia global do sistema fica diluída e distribuída por várias entidades.

A realidade porém é que a maior responsabilidade deve ser assacada ao governo. O funcionamento do sector da Justiça é a chave para assegurar interacções sociais normais, reproduzir a paz e tranquilidade sociais e a manter acesa a esperança de, em caso de conflitos, existirem vias para os resolver com objectividade, seguindo normas por todos aceites e em tempo útil. Também é a justiça quem assegura direitos de propriedade e direitos contratuais, direitos esses considerados s fundamentais para a construção da prosperidade futura. Tudo isso significa que para o governo cumprir com o seu programa de governação tem que se assegurar que tem uma justiça funcional. Se surgem falhas no sistema é sua responsabilidade primeira corrigi-las recorrendo a meios eficazes mas que não interfiram com a independência dos tribunais.

O número de processo pendentes, cerca de 90.000 no ministério Público e 20.000 mil na magistratura judicial, dão conta da dimensão dos problemas graves no sector. O facto de ano após ano não se notarem avanços significativos em ultrapassar o problema dos recursos pendentes, demonstra que não é “atirando meios para cima dos problemas” que se vai resolver definitivamente o problema da morosidade da justiça. Há que fazer uma abordagem compreensiva que leve a que se constitua um corpo de magistrados motivados, tecnicamente bem preparados, com brio profissional e espírito apurado de servidores públicos.

Contribui para o número crescente de processos o notório crescimento da conflitualidade na sociedade cabo-verdiana. Esta é uma realidade já conhecida das autoridades e que espera pela abordagem certa. Experiências de outras sociedades revelam que sempre que há diminuição de capital social e falta de confiança na relação entre as pessoas o tecido social tende a desfazer-se e os conflitos e acertos de conta aumentam. Há alguns anos que várias sondagens têm demonstrado o mesmo fenómeno em Cabo Verde. A insistência no modelo de reciclagem de ajudas em detrimento de um modelo virado para a produção e exportação não cultiva o espírito de cooperação. Pelo contrário, ao colocar todos em posição de disputar bens, acessos e favores propiciados por outros atomiza a sociedade, mina a confiança e não deixa espaço para se desenvolver uma cultura cívica. Daí é um passo para conflito, violência e alienação com recurso ao álcool e drogas. As consequências disso estão à vista de todos.

A enorme pressão que é colocada sobre o sistema de justiça tem raízes na situação sócio-económica do país. As dificuldades ao longo dos anos em fazer o país crescer mais e em criar empregos acompanhado do aumento de negócios ilícitos só vieram agravar a situação. Para além de se procurar fazer a justiça mais eficaz e célere, há que reorientar o país de forma a que os caboverdianos possam prosperar por vias que aumentam a cooperação, a confiança e a fraternidade entre eles.

 Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 de Outubro de 2013

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Investir na saúde



A problemática da saúde em Cabo Verde veio à baila nos últimos dias com denúncias de alegadas mortes de 15 crianças na pediatria do Hospital da Praia, com a revelação de números preocupantes de bebés prematuros e com a campanha nacional de luta contra o sarampo e a rubéola. O público, as autoridades e os media prestaram mais atenção às sobrecargas nos serviços de saúde em geral e aos efeitos evidentes na qualidade dos cuidados prestados que provocam. Uma situação que tende a piorar com o abrandamento do crescimento económico, o emprego persistente e a expansão das bolsas de pobreza. 2015 está aí às portas, mas o país ainda tem um caminho significativo a percorrer no combate à mortalidade materna e infantil para poder atingir os Objectivos do Milénio. Particularmente preocupante é a mortalidade neonatal o que evidencia dificuldades no seguimento e na educação das grávidas. O problema é que Cabo Verde sem ainda resolver os problemas típicos dos países em desenvolvimento já tem que lidar com doenças crónicas de uma população que apresenta uma esperança de vida próxima dos países desenvolvidos. Os custos em crescendo que tais desafios compósitos acarretam, obrigam a que o governo desenvolva uma estratégia que permita visualizar um futuro em que as populações poderão contar com cuidados de saúde de qualidade e sustentáveis. Recentemente um responsável da OMS relembrou que Cabo Verde tem bons resultados de saúde mas só quando comparados com outros países africanos. Se se considerar que esses países têm climas mais propícios a doenças, que se situam em zonas onde há endemias diversas, que estão sujeitas a epidemias que facilmente atravessam fronteira e o esforço de educação para saúde confronta barreiras linguísticas religiosas e culturais mais complicadas, vê-se que não há muitas razões para se vangloriar dos índices actuais. Aliás, a comparação deve ser feita é com os países desenvolvidos. E não é por mania. Para que Cabo Verde aproveite da sua proximidade da Europa para aumentar o fluxo turístico em direcção às ilhas tem que dar garantias aos turistas no que toca à saúde pública e à qualidade dos cuidados médicos que pode prestar em situações de emergência. Investir na eliminação de mosquitos nas ilhas, designadamente na Boa Vista e na ilha do Sal, controlar as fronteiras para evitar surtos epidémicos e cuidar da salubridade do meio são objectivos estratégicos para se manter o país atractivo para o turismo e para o investimento externo. No mesmo sentido vão os investimentos em hospitais, centros de saúde e na formação em várias áreas especializadas de quadro nacionais guiando-se por padrões europeus. Ao procurar satisfazer uma procura exterior exigente cuja captação traz benefícios diversos à economia nacional criam-se condições de, com sustentabilidade, se propiciar aos caboverdianos cuidados de saúde no nível adequado. Pelos recursos que crescentemente absorve, a saúde é na actualidade um dos sectores com maior impacto nas economias nacionais. Na Europa o envelhecimento da população fez disparar os custos e ameaça a solvabilidade dos estados. Na América o alargamento dos serviços de saúde para milhões de pessoas mais vulneráveis no chamado Obamacare está no epicentro da actual crise governativa. Para manter a competitividade e conter défices orçamentais, pessoas individualmente, instituições e países terão que procurar limitar os custos na saúde. Com isso abrem-se oportunidades múltiplas que podem ser aproveitadas. Já há países que se posicionaram para prestar tratamentos médicos sofisticados a custos mais baixos. Cabo Verde também deveria considerar as suas opções e apostar em prestar serviços num sector com um potencial enorme de crescimento a prazo. A proximidade da Europa e os fluxos turísticos significativos já existentes convidam a explorar essa possibilidade. Além de proventos directos que poderia angariar, colocaria o país na posição de melhorar consideravelmente os serviços de saúde que presta à população.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Outubro de 2013

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Evoluir o discurso

O novo ano político já dá os primeiros passos e os sinais não são muito auspiciosos. O discurso político parece contaminado com dizeres duplos e dúbios. Fala-se mais uma vez em consensos e pactos de regime e ao mesmo tempo desferem-se ataques despropositados a interlocutores do outro partido alegando factos que supostamente aconteceram há mais de uma década. Convida-se a reflexões sobre os desafios do presente e futuro do país e em simultâneo traz-se à ribalta os anos noventa com estórias que muito pouco já devem à realidade dos factos considerando os novos “pontos” que lhe são acrescentados sempre que novamente contados e recontados.

Devia ser diferente por várias razões: os efeitos da crise financeira fazem-se sentir em todo mundo; ainda Cabo Verde procura lidar com a sua transição para país de rendimento médio; e os enormes investimentos feitos nos últimos anos serviram para aumentar a dívida pública para valores astronómicos mas falharam em dar o crescimento económico prometido e o nível de emprego esperado. O normal é que, numa encruzilhada como a que muitos outros países também se encontram, o país, os partidos políticos e a sociedade civil exibissem uma outra atitude: mais inquisitiva quanto ao percurso até aqui percorrido, mais aberta a novas soluções e mais afinada, com resultados sustentáveis a médio e longo prazo.

A real situação do país parece ser sempre algo fugidio. Os números que deviam dar um retrato fiel do que se passa, divergem de acordo com a sua fonte institucional. Os dados do governo quanto às taxas de crescimento económico e à dívida pública não coincidem com os do Banco Central. Também para o World Economic Outlook do FMI, publicado esta semana, as taxas de crescimento do PIB esperado para 2013 é de 1,5% e não entre 2 e 3 % como está na proposta do Orçamento do Estado apresentado pelo Governo. O mesmo documento veio revelar que a dívida pública situa-se em 97,4% do PIB. Mas todos se lembram como em Abril último o Governo barafustou bastante à volta do facto do FMI e agências de rating internacionais terem calculado que a dívida pública estaria nos 95% do PIB. Facto esse depois confirmado pelo BCV no relatório de estabilidade financeira, publicado em Junho.

Como alguém uma vez disse, todos têm direito à sua opinião mas não aos factos. Sem concordância básica quanto aos factos e números dificilmente se conseguirá desenvolver o diálogo sobre as eventuais soluções dos problemas. Muito menos poder-se-ão construir plataformas de entendimentos necessárias para ultrapassar situações críticas que pedem um nível extraordinário de cooperação e engajamento das forças nacionais. Tentativas de construção de pactos para o crescimento e emprego como os visionados na semana passada, acabam por não passar de eventos mediáticos sem grande efeito prático. Não é feito o trabalho de fundo junto dos parceiros para transmitir a confiança de que com as medidas, implementadas de forma compreensiva e estratégica, e com os sacríficos exigidos dos trabalhadores o país ganhará em mais prosperidade e as pessoas em mais emprego e rendimento.

Há uma realidade que é incontornável. O governo tem mais de dois anos e meio na condução do país e é da sua responsabilidade até o fim do mandato levá-lo a bom porto neste mar revolto com incertezas, baixas expectativas e novos padrões de produção e comércio internacional. Porque a governação é sua e exclusiva, não faz sentido culpar o sector privado por investimentos que não foram feitos ou pelo crowding in do capital privado que não se verificou na sequência da infraestruturação. Se os incentivos certos não foram alinhados e disponibilizados de forma a que o país aproveitasse as suas vantagens, há que assumir responsabilidades, fazer rectificações e reconstruir a confiança no futuro. Não se pode é mascarar a governação com propaganda e actos de relações públicas e depois esperar que os adversários políticos e parceiros sociais deixem-se apanhar pela mistificação e colaborar como se nada tivesse acontecido.

Para evitar cepticismos quanto às intenções e conseguir o nível de cooperação de parceiros sociais e adversários políticos e a confiança dos operadores económicos há que cingir-se à verdade dos números e garantir a autonomia de quem os produz. O reforço de instituições inclusivas, porque defensoras da pluralidade e de espaços de confirmação das regras existentes deve ser um objectivo central.

A história prova que sucesso no desenvolvimento foi conseguido por aqueles que, pela via das instituições, não permitiram que diferenças políticas e diversidades de interesses constituíssem um obstáculo para o engrandecimento de todos. Neste início do ano político há que vencer a tentação de repetir a beligerância política habitual. O discurso e a prática política deverão evoluir no sentido de maior consolidação democrática e de se encontrar soluções para os problemas prementes do país.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 9 de Outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Rentrée



Mais um ano político que se inicia. Os partidos desdobram-se em actividades para marcar o arranque da actividade política com centro no Parlamento. No país a percepção de que se vive uma crise já não pode ser escamoteada. Não há como esconder que se agravam os efeitos da quebra no crescimento económico e do particular impacto que está a ter nos rendimentos e na qualidade de vida da população. A situação social piora com o persistente desemprego e com a degradação do poder de compra e os altos preços de energia, água e transportes. As eleições legislativas estão a mais de dois anos de distância. Mudanças de rumo para contornar as actuais dificuldades e relançar o crescimento só podem vir do actual governo. Infelizmente os sinais vindos do executivo não apontam nesse sentido. O Primeiro-ministro publicamente veio dizer que não tem planos para alterações na estrutura e composição da equipa governativa. O discurso político manteve-se no essencial o mesmo. Há demasiada preocupação com o marketing político e as relações públicas em detrimento de resultados palpáveis. Grande continua a tentação do governo em confinar o seu papel ao “betão”. Mesmo quando se trata de infraestruturas tende a secundarizar componentes essenciais dos investimentos como equipamentos e gestão competente sem os quais dificilmente se consegue o esperado retorno. Praticamente ausente na actuação do governo continua a preocupação com o timing das medidas, o encadeamento necessário para surtirem efeito e a eliminação de obstáculos que diminuiriam os custos de contexto. Em consequência, não se materializam os grandes objectivos anunciados, os resultados ficam aquém das expectativas e após várias tentativas frustradas, o desânimo instala-se. S.Vicente é um caso paradigmático. Demagogia e populismo passam a ter campo aberto para florir. No seio dos partidos a atenção está virada em boa parte para o processo de transição das direcções actuais para a liderança que será apresentada ao país em 2016. Para quem está na oposição demonstrar ser alternativa em termos de equipa e de políticas é a primeira das prioridades. Para quem está no governo a preocupação em justificar as polí- ticas executadas e em gerir expectativas, monopoliza grande parte das energias. Se em termos normais compreende-se tal atitude, quando a crise aperta custa aceitar que face aos novos dados não se mude o rumo. A crise que em Cabo Verde está ligada à diminuição drástica de ajuda externa em forma de donativos e empréstimos concessionais veio pôr a descoberto as insuficiências construídas no sistema económico. O país não tem competitividade externa porque entre outras razões a energia e água são caras, a qualidade do ensino é baixa, a formação profissional é inadequada, a burocracia estatal trava iniciativas individuais e o ambiente de negócios em geral não é favorável à inovação, ao empreendedorismo e à actividade empresarial. Sem competitividade não há como atrair investimento directo estrangeiro (IDE) para substituir os fluxos provenientes da ajuda externa. E sem IDE dificilmente se poderá adquirir tecnologia, aumentar a produtividade e conseguir mercados para exportação. O drama de Cabo Verde é que mesmo com a crise ainda não se perdeu esperança que é possível continuar com o modelo de reciclagem da ajuda externa. O Governo na sua comunicação institucional é quem mais alimenta isso. Quando a Europa, a principal fonte de ajuda, ameaçou soçobrar sob o impacto da crise da dívida soberana, o governo deixou logo saber à população que existiam outras fontes de “cooperação”, os BRICS. Pura ficção, porque essa cooperação nem em meios, motivação e sustentabilidade poderia substituir a europeia. Os esforços em manter o país preso a um modelo de há muito esgotado, presume-se por razões ideológicas ou de manutenção do poder, curto-circuita o que devia ser o grande impulso da sociedade na construção das bases reais de criação de riqueza no país: o impulso para se ter uma educação de qualidade e uma administração ágil e prestável, para incentivar a iniciativa individual e para compensar o esforço e o mérito. O mundo ainda não deixou a crise completamente para trás. A Europa ainda soluça, os avanços dos EUA não são irreversíveis, a China cresce menos e os outros BRICS voltaram ao crescimento raso do passado. Cabo Verde tem que aprender a crescer potenciando os seus recursos, identificando as suas vantagens e ligando-se inteligentemente ao mundo. A rentrée política deveria ser animada por um amplo debate no qual toda a nação cabo-verdiana deverá engajar-se para se construir a prosperidade em bases sólidas e sustentáveis.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 2 de Outubro de 2013