segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Preparar para o ano 2011

Aproxima-se o fim 2010. Normalmente, no Natal e nas festas de S. Silvestre renovam-se as esperanças de um ano novo mais promissor. Neste ano, o segundo da crise internacional, a euforia própria da época festiva não consegue diminuir a preocupação geral com o futuro próximo. Desemprego, perda de rendimentos e insegurança em relação ao futuro afligem milhões de pessoas em todo o mundo. Para uma parte significativa delas, em vários países cujos governos insistem em fazer “mais do mesmo”, não se vislumbra uma saída a curto prazo.

A respeitada revista Economist no seu último editorial, datado de 16 de Dezembro, antecipou já que o ano 2011 vai ser o ano da crise da dívida soberana. É uma opinião também compartilhada por muitos comentaristas e experts que observam com cada vez mais apreensão a evolução da situação na Irlanda, em Portugal e na Espanha. Os juros crescentes pedidos na compra dos títulos de dívida desses países são reveladores da falta de confiança de que gozam junto dos mercados financeiros.

A União Europeia e particularmente a Alemanha quer submetê-los a uma espécie de terapia de choque para os reconduzir à estabilidade macroeconómica e eventualmente ao caminho do crescimento sustentável. Consolidação fiscal, aumento dos impostos, cortes nas despesas e reformas estruturais profundas designadamente no domínio laboral, para ganhar competitividade externa, são alguns dos remédios preconizados. O problema é que com tais receitas os “doentes” arriscam-se a ficar mais debilitados particularmente porque não será nada fácil gerir politicamente anos de crescimento económico baixo e de privações múltiplas nos sectores mais vulneráveis da população. Daí a preocupação com a dívida soberana, as hipóteses levantadas de declaração de falência acompanhadas de reestruturação da dívida e mesmo de cenários de abandono do euro por um ou mais países.

Em qualquer cenário parece hoje claro que os países europeus vão ter anos de crescimento anémico. São tempos difíceis a que Cabo Verde não conseguirá ficar alheio nem muito menos blindar-se. Vem da Europa grande parte das remessas dos emigrantes que contam bastante para o rendimento de muitas famílias. A ajuda externa predominantemente tem aí a sua origem. É o maior mercado para os produtos de exportação caboverdianos e é também o principal mercado emissor para o turismo nas ilhas.

Com o défice orçamental a aproximar-se dos 15% e a dívida pública a quase atingir os 100%, Cabo Verde não está em melhor situação de amortecer os efeitos negativos na sua economia provocados pela crise nos seus principais parceiros europeus. Uma outra atitude do Governo e uma outra consciência das dificuldades a enfrentar na actual conjuntura internacional teriam evitado certas opções que já estão se revelando caras, sem garantia de retorno adequado.

O alerta do Banco Central finalmente chegou, as eleições legislativas foram apressadas para o dia 6 de Fevereiro e o FMI já adianta que, para o ano 2011, espera contenção orçamental e travagem no processo de endividamento. Para os caboverdianos que já não viram muitos empregos criados com as linhas de crédito utilizadas na infraestruturação o próximo ano de menos investimento público será certamente mais difícil.

Há que encontrar outras vias que conduzam à retoma do investimento privado nacional e estrangeiro, que abram outras possibilidades para a exportação de bens e serviços e que potenciem os recursos humanos do país. Crescimento com criação de empregos e combate efectivo da pobreza dependem do sucesso que se obtiver nesse empreendimento.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 22 de Dezembro de 2010

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Concorrência na banda larga

Ainda sobre as notícias sobre a criação de uma rede de banda larga do Estado com base no WiMax, algumas reflexões:

"Urge de facto baixar os custos de comunicação em Cabo Verde. Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações. E não é só para incentivar o acesso a utilizadores internos. Fundamentalmente uma quebra nos custos deve ser um componente essencial de competitividade externa de possíveis serviços a exportar, usando mão-de-obra a partir de qualquer ponto do território nacional.

Os avanços de Cabo Verde do 107º lugar para 102º no índice 2010 da ITU, União Internacional das Telecomunicações, verificam-se essencialmente no acesso e na diminuição de preços. Quanto ao uso mantém-se baixo, contribuindo para isso a falta de concorrência na banda larga, com um único provedor a prestar serviço de ADSL a partir da linha do telefone fixo. Certamente que o aparecimento de outros operadores, utilizando redes wireless, WiMax ou LTE, deverá baixar os custos e aumentar o acesso.

O uso pelas pessoas, empresas e organuzações só dará um salto gigante se os custos de interligação com outros pontos do globo caírem significativamente. Nisso Cabo Verde estrategicamente deverá aplicar-se para que, em particular, toda uma actividade empresarial de importância para a economia nacional ganhe ímpeto. Mesmo actividades como a imobiliária turística e residencial poderão beneficiar da possibilidade de potenciais compradores se decidirem pela compra, cientes que facilidades e baixo de custo de comunicações com a Europa e o resto do Mundo lhes permite, de forma permanente ou temporária, trabalhar a partir de Cabo Verde" (jornal asemana de 9/4/2010).

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Wikileaks precisam-se?

Notícias postas a circular dão conta da construção de 20 torres em todo o território nacional para assegurar uma solução de banda larga sem fios (wireless) que segundo o site do NOSI será segura interóperável cobrindo todas as ilhas com enfoque nas áreas de educação, saúde e governação electrónica. Para contextualizar essas notícias pode ser de boa ajuda passagens dum artigo meu publicado no jornal asemana de 9 de Abril de 2010: "A disponibilidade do Banco EXIM, export-import, da China de financiar em 17 milhões de dólares o sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já abriu um caminho que pode levar ao aparecimento de um novo operador de telecomunicações. A empresa chinesa Huawei vai dotar o Estado de um sistema de comunicações wireless com a tecnologia WiMax, que irá cobrir todo o território nacional. O sistema em princípio é para servir a rede do Estado. Resta saber se irá além disso, para também entrar no mercado de oferta de serviços em banda larga, valendo-se da “muleta” dos computadores do Mundo Novo. O concurso lançado pela ANAC, a agência de regulação, em Dezembro último para operadores de 4G, WiMax e LTE, não deverá ser completamente alheio a todo esse desenvolvimento. (...) Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações".

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Auto-glorificação

Segundo um despacho da Inforpress de 20 de Dezembro a "Presidência da República organizou hoje, no Mindelo, uma conversa em torno do Acordo de Lisboa, assinado entre o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o governo português de 19 de Dezembro de 1974, com vista à Independência de Cabo Verde. O embaixador Luís Fonseca dissertou sobre o “marco inapagável” da história do país, considerando o ano de 1974 como um dos mais marcantes de Cabo Verde". Iniciativa de auto-glorificação e não dirigido para servir a verdade histórica. Muito menos para validar as grandes conquistas do povo de Cabo Verde no domínio dos direitos fundamentais, do constitucionalismo e de construção do Estado de Direito democrático. Serve só para consolidar a versão histórica do PAIGC/PAICV com vista a justificar e legitimar os quinze anos de regime de partido único.

De facto, a assinatura do Acordo de Independência de Cabo Verde a 19 de Dezembro de 1974 culminou acontecimentos, verificados no arquipélago poucos meses antes, que serviram essencialmente para entregar os destinos do país nas mãos de um único partido, o PAIGC. Uma cumplicidade tinha-se desenvolvido entre a cúpula desse partido e elementos chaves do Movimento das Forças Armadas (MFA), próximas do partido comunista português. Na sequência da denúncia de uma intentona contra os dirigentes do PAIGC, nunca provada, desencadeou-se, com a ajuda da tropa portuguesa, um movimento de supressão da oposição, da liberdade de expressão e do pluralismo. As forças políticas, UPICV (União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde) e UDC (União Democrática Caboverdeana) foram perseguidas e os seus dirigentes presos, enviados para o Campo de Tarrafal e posteriormente levados para o exílio em Portugal. As rádios calaram-se com a tomada da Rádio Barlavento em S.Vicente a 9 de Dezembro (ver imagem), passando a partir daí a transmitir a única voz do PAIGC. Para o Dr Almeida Santos, o negociador –mor da descolonização portuguesa e um dos signatários do Acordo, em entrevista concedida ao jornal Público de 11 de Abril de 2004, tudo se passou da seguinte forma:(…) os militares fizeram pressão para que houvesse descolonização rápida. Também houve um ultimato de lá para cá, a dar cinco ou oito dias para o Governo português entregar o poder ao PAIGC, sob pena de entregarem eles lá. (…) Chamei o Pedro Pires. Pedi-lhe que aceitasse uma consulta popular. Vocês ganham a consulta popular por 90 por cento e nós salvamos a face. Ganham a legitimação democrática do novo poder. Nunca mais será discutido. Se você o recebe da mão de militares, toda a vida será discutido. (…) Assinámos o acordo e ficou descolonizado Cabo Verde. Fiz uma lei eleitoral. Houve uma grande participação da população. Eles ganharam por 92 por cento. Elaboraram uma Constituição. Acabou. Salvámos a face". Com o Acordo consagrou-se o desvio dos caminhos da democratização iniciado pelo 25 de Abril. Enquanto Portugal ganhou uma Constituição liberal e democrática em 1976, Cabo Verde ficou com um regime contrário ao exercício das liberdades e pouco eficaz em potenciar oportunidades e recursos disponibilizados para o desenvolvimento. O regime só viria a cair a 13 de Janeiro de 1991.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Formação: a panaceia

Não deixa de ser estranho o sentido de prioridade do actual Governo! De­pois de dez anos a proclamar o Turismo como motor da economia nacional é, no fim de mandato, que resolve lançar um programa de educação para o Turismo. Segundo a Inforpress, o programa a iniciar em 2011, será dirigido às escolas, aos operadores e às comunidades e visa sensibilizá-los para o desenvolvimento do turismo, para a qualidade na pres­tação de serviço e para a valorização do destino Cabo Verde. Semanas atrás, também com esse mesmo “fino” sentido de prioridades, pré-inaugurou a Escola de Hotelaria e Turismo, na Praia. A pressa e as iniciativas deslocadas são simplesmente actos de um governo que se vê em apuros pela falta de resultados com efeitos na vida das pessoas e pro­cura ganhar tempo e um novo mandato gerindo expectativas. Com a Escola de Hotelaria e Turismo, perdeu tempo a procurar localizá-la na Praia, supor­tando-se no argumento da população e descurando questões mais importantes para escolas vocacionais como o meio, a proximidade das actividades que irá ser­vir e a disponibilidades de profissionais e técnicos do sector como professores e formadores. Quanto à necessidade de criar uma cultura de serviço, num país que gritantemente a desconhece, optou por a ignorar. Deixou que a cultura ad­ministrativa e centralizadora ganhasse mais terreno em detrimento da cultura de prestação de serviços. Não admira que turistas e nacionais se queixem da qualidade dos serviços. Muito pouco se fez, ao nível institu­cional e de regulação, para motivar os indivíduos e a sociedade a exigirem mais, quando solicitam ou compram serviços, enquanto utentes ou clientes. Não se promoveu o civismo, seja nas relações interpessoais, seja na relação com a comunidade. E ficou por fazer a exaltação do que poderia ser a van­tagem dos cabo-verdianos: lidar com todos com a descontracção de quem não vê cor (color blind), não albergar preconceitos, nem alimentar sentimentos de inferioridade. Ainda, em relação ao Turismo, o Governo não foi ágil nem compreensivo em articulá-lo com a actividade económica nacional, provo­cando reacções negativas da população e de operadores económicos que fica­ram a ver “a banda passar”. E não é pela via da formação que se vai resolver o problema. Atitudes positivas emergem quando, por exemplo, as pessoas vêem oportunidades de investimento ou de negócios a surgir com o turismo e as empresas expandem o seu mercado de colocação de bens e serviços, criando mais emprego no processo. Mas isso, já se sabe, são matérias que o Governo do PAICV tem dificuldades em lidar. As seis equipas ministeriais em dez anos de governação são prova do desnorte no juntar das peças do puzzle económico. E sem visão, estratégia e sentido de oportunidade não há como convencer as pessoas dos benefícios do Turismo. Não descortinando como agir, mais uma vez o Governo agarra-se à ideia de dar formação para esconder que não tem outras para pôr a economia nacional a funcionar para as pessoas.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A corrida mundial pela qualidade de ensino

Pelo quadro da performance de alunos de vários países (click na imagem) nos domínios da ciência, língua e matemática nota-se como é renhida a disputa entre pequenos e grandes países para o topo da lista. Salta à vista particularmente o esforço da Singapura, Hong Kong, Finlândia, Estónia e Macau. Todos vêem na qualidade de ensino a condição sine qua non para o desenvolvimento sustentável. Crescimento económico, empregos de qualidade e competitividade externa só são possíveis com a valorização permanente do capital humano. Nesses países, o Estado, a sociedade, os professores e os pais estão todos engajados em fazer com as novas gerações ganhem a batalha do conhecimento. Mas em Cabo Verde a questão da qualidade de ensino ainda é colocada num segundo plano. O Governo dá sinais de não saber o que fazer nesta matéria e passa sinais contraditórios como se o resto do mundo estivesse à nossa espera. O Primeiro-Ministro reage contra questionamentos feitos à qualidade do ensino incitando os professores a mostrarem-se ofendidos com os críticos. Na ânsia de contornar dados que apontam para níveis baixos da formação nas escolas, faz comparações despropositadas. A realidade do ensino nos níveis básico, secundário e terciário tem ser confrontada com realismo e honestidade para que o país augure ter um futuro próspero. Quem ganhar a batalha da qualidade na educação das suas crianças e jovens, vence a luta pelo desenvolvimento.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Imagem e fantasia

O Dr. José Maria Neves engana-se. Não é um Cabo Verde ambicioso, mo­derno e competitivo que o Governo do PAICV deixa de herança. Pelo contrário, lega-nos um Cabo Verde resignado a vi­ver de ajudas, com a política sequestrada pela justificação do passado e incapaz de ganhar subsistência própria no mercado internacional. Tudo porque a noção do Poder do PAICV não liberta as pessoas, não liberta a criatividade e não liberta a economia. Diferentemente do PAICV, por exemplo, é o partido Comunista da China (PCC) que, não obstante o passado histórico da Longa Marcha, do Grande Salto em Frente e da Revolução Cultural, fez a China, a partir de 1979, atravessar os portões da modernidade e em três décadas atingir a condição de segunda economia mundial. O PCC conseguiu isso, porque acredita que só se legitima aos olhos do povo chinês enquanto for capaz de proporcionar aumentos cres­centes da riqueza nacional, do emprego e da qualidade de vida da população. E procede em consequência: atrai investi­mentos externos, promove exportações, acarinha empresas locais, investe na educação de forma a pôr as suas crianças no topo do mundo, promove competên­cia linguística particularmente em inglês e torna popular o aforismo do dirigente Deng Xiao Ping de que “ser rico é glorio­so”. Coisas que o PAICV só finge fazer e só ilude os outros em acreditar que faz. O jogo de poder do PAICV é ter as pessoas na mão com favores, acessos especiais e dádivas. A autonomia indi­vidual e de grupos sociais que natural­mente viria de uma dinâmica económica menos dependente dos impulsos do Estado, causa-lhe desconforto. Por isso, vive um dilema permanente: controlar ou deixar crescer. Muitas oportunidades perderam-se enquanto se debatia com esse dilema. Um dilema que governos democráticos normalmente não têm e que mesmo partidos comunistas no poder, com excepção da Coreia do Norte e de Cuba, não se vêem confrontados. Na China ganha-se controlo, aceitação e legitimação do partido com o fomento do desenvolvimento. Os governantes preocupam-se quando as exportações diminuem, a inflação aumenta ou há quebra no ritmo de criação de novos empregos. Em Cabo Verde, a imagem parece ser tudo. As “performances” do Primeiro-Ministro vão nesse sentido. O resultado é que: perde-se em substância do que se pode fazer pelo país o que se ganha em fantasias de governantes em “modo” de gestão de expectativas. Per­de-se em realismo quanto aos desafios com que o país se confronta o que se ganha em lirismo nos discursos do PM a disfarçar que não atingiu os resultados prometidos. E perde-se em confiança nos governantes o que se ganha em declarações de amor despropositadas e proclamações mais do que duvidosas de que todos são estrelas.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

É de abuso!!!

A Comissão Nacional das Eleições num comunicado de 9 de Dezembro chamou a atenção das autoridades para a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas exigida pela lei eleito­ral. O comunicado da CNE vem precisa­mente no momento em que estava a ficar claro para toda a gente que o Governo se recusa a tirar cartazes de propaganda política que tem espalhado pelo país. E mais. Entidades públicas como a IFH já aparecem com cartazes com a mesma temática propagandística do Governo num esforço de contorno da lei vigente. A Oposição cumpriu a lei e retirou logo os outdoors no prazo estabelecido. O parti­do que suporta o Governo, desmontou os directamente assinados por ele e deixou os assumidos pelo Governo. Aliás, antes nem havia cartazes do PAICV. Durante meses a fio os outdoors do Governo pon­tificaram sozinhos até entrar em cena os do MpD. Só mais tarde é que apareceram outdoors do PAICV para contrariar os que o acusavam de fazer uso indevido de bens do Estado na campanha pré-eleito­ral. Agora “espertamente” desaparecem e ficam os do Governo e de entidades públicas. É evidente que a trapaça não passa. E o PAICV sabe disso. Pergunta-se porque insiste nessa aparente teimosia. A resposta vai directo à cultura política de sempre desse partido. Não acredita completamente no primado ou império da Lei. A sua herança revolucionária está sempre a dizer-lhe que as leis são instrumentais e servem de acordo com as conveniências. Também tem dificuldades em aceitar que a democracia é o regime do governo limitado. Limitado em absolu­to pelo respeito pela dignidade humana, limitado pelos direitos dos indivíduos, limitado pela Constituição e pelas leis da república. Com esses assaltos repetidos à ordem estabelecida, o PAICV mantém vivo certos medos e não deixa que as pessoas fiquem tranquilas e se sintam confiantes que as regras do jogo serão sempre cumpridas. Ou seja, ninguém está seguro. Manobras do género, em pleno período eleitoral, têm claramente objectivos intimidatórios. Da Comissão Nacional das Eleições e do Ministério Público espera-se que ajam em conse­quência para que as eleições aconteçam na Liberdade e num ambiente de igual­dade de todas as candidaturas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Macaronésia

Nos dias 11 e 12 de Dezembro estarão reunidos em Mindelo representantes dos arquipélagos dos Açores, da Madeira e das Canárias para a criação da Macaronésia. O encontro constitui um marco, porque, para além das diferenças entre os arquipélagos, reconhece-se que todos são originariamente produtos da expansão europeia a partir do século XV. A presença de representantes de Portugal e da Espanha, os dois países pioneiros dessa expansão, é já, em si próprio, o reconhecimento de responsabilidades para com as suas criações. Responsabilidade essa que é óbvia para os casos dos Açores e da Madeira e das Canárias porque integram respectivamente a República Portuguesa e o Reino da Espanha. Mas que já não parece tão óbvia para Cabo Verde porque, entre outras razões, é um país independente desde 1975. A realidade, porém, é que as pequenas ilhas ou arquipélagos, por razões de escala, de distância dos mercados e de escassez de recursos naturais muito dificilmente conseguem suportar-se e construir uma economia sustentável sem o apoio das economias continentais. Donativos, acessos especiais e subsídios diversos constituem os vários mecanismos que os europeus encontram para suportar as suas criações insulares. Assim é nos arquipélagos do Atlântico referidos e nas muitas das ilhas das Caraíbas que têm arranjos especiais com a Holanda, França e Inglaterra. Recentemente Aruba e Curaçau seguiram caminhos diferentes nas suas relações com a Holanda mas conservando sempre ligações vitais que minimizam a vulnerabilidade da condição de ilhas tanto no domínio económico como no de circulação e de defesa. Cabo Verde, por circunstancialismos históricos, viu-se envolvido após a independência num projecto de unidade com a Guiné-Bissau, um país continental. Um projecto falhado à partida entre muitas outras razões pelo facto desse país ser menos desenvolvido, mas que serviu para lançar Cabo Verde numa deriva para longe da relação que desde origem teve com a Europa. Só a partir de 2004 é que sectores próximos do PAICV relutantemente se reconciliaram com a ideia de aproximação à Europa. Na imprensa, deixaram de aparecer brincadeiras do género de apelidar de “atlânticos” os dirigentes do MpD versus os "africanos" do PAICV. O caminho para uma parceria futura com a Europa passou a gozar de um consenso generalizado e hoje até a ideia de Cabo Verde na Macaronésia explicitada por António Jorge Delgado parece estar em vias de se concretizar. Equívocos vários, porém, continuam. Traduzem-se, por um lado, numa postura mais reactiva às políticas da Europa, designadamente na Parceria para a Mobilidade e menos proactiva num quadro estratégico de uma parceria real e não só de intenções. Por outro lado, revelam passividade na relação com os países do continente africano – o que tem permitido uma imigração sem qualificação e analfabeta, ao mesmo tempo não se mostra pró-activa em consolidar laços para além dos oficiais que incluíssem relações de negócios e uma maior interacção dos vários sectores da sociedade civil. Ficando no meio-termo, sem uma estratégia clara, muitas são as oportunidades perdidas mesmo que alguns ganhos alimentem a ilusão de sucesso. É só ver o conteúdo das já existentes parcerias com a Europa para se avaliar do quanto se pode ainda alcançar se houver uma estratégia coerente e se equívocos de outras épocas forem deixados para trás.

Unicidade e Centralismo

A forma como foi demitida a direcção do ISECMAR mostrou a verdadeira face do espírito centralizador que domina a Universidade Pública de Cabo Verde. Aliás, já nem se trata do ISECMAR. O Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar já há algum tempo que desapareceu para dar lugar a um departamento de Engenharia e Ciências do Mar da UNI-CV, criada por decreto legislativo em 2006. É uma história de mais de vinte anos de uma instituição de ensino superior, nascida como Centro de Formação Naútica, com cursos certificados pela International Maritime Organization (IMO) e formadora de centenas de profissionais distintos e reconhecidos em vários sectores da marinha mercante, das pescas, da gestão portuária, das telecomunicações e da engenharia mecânica, que foi praticamente anulada. Em contrapartida, dá-se-lhe o estatuto de “departamento” na universidade recém-nascida. E determina-se que tudo passa a ser ditado da Reitoria sediada na Capital, incluindo o recrutamento dos professores. Universidades em todo o mundo são bastiões do conhecimento, de ensino superior e de investigação. Para realizarem a sua missão nesses domínios têm que gozar da mais ampla liberdade intelectual e liberdade de expressão. Autonomia administrativa e financeira e independência do poder político são condições indispensáveis para isso. A eleição dos seus vários órgãos a começar pelo reitor e directores das faculdades, dos institutos e das escolas, mas também dos órgãos colegiais de direcção pedagógica, científica e de investigação garante que a instituição não se deixa esclerosar pelo espírito de centralização e gestão autoritária de quem no momento dirige. Muito menos se deixe apanhar pelos interesses partidários de quem governa o País. A forma como foi criada a universidade pública de Cabo Verde determinou que muito do se esperava de uma instituição de ensino superior fosse sacrificado. As opções do Governo sobrepuseram-se a tudo e a instituição ficou marcada por isso. Em vez de se ter uma universidade organizada em Faculdades, Institutos e Escolas, todas dotadas de personalidade jurídica pública e de autonomia administrativa e financeira optou-se por departamentos subordinados à reitoria. O resultado é o que aconteceu com o ISECMAR e outros institutos de ensino superior. Foram engolidas pela nova entidade num processo em que provavelmente perderam muita da experiência, da cultura institucional e dos laços com a comunidade que as marcaram como instituição. Estranho é que depois se venha pedir que o resta delas faça parte de “clusters” do Mar e outros “clusters”que as fantasias dos governantes vão criando. Esquece-se que o papel de criação, investigação e de inovação que é esperado de estruturas de ensino superior nos clusters não é compatível com negação de liberdade intelectual, ausência de autonomia e percepção de humilhação derivada de insensibilidade para com a história, as realizações e o papel da instituição na ilha ou na região. Mas não só as instituições públicas que sentem a pressão centralizadora e monopolista da universidade pública. Também as instituições privadas de ensino superior queixam-se da arrogância e da cultura de unicidade de que normalmente são imbuídas as instituições públicas em Cabo Verde. E os danos não ficam por aí. A própria diversidade do País é frontalmente posta em causa, quando se impede que nas diferentes ilhas, escolas públicas de ensino superior tenham autonomia. Nega-se também a diversidade quando se inibe o desenvolvimento de uma elite intelectual e científica com obstáculos à assunção plena da instituição por pessoas representativas do seu envolvimento com a comunidade seja no ensino, na investigação, na consultadoria e no suporte de actividades económicas da região. A luta por uma universidade pública realmente nacional passa pelo exercício da liberdade intelectual, pela autonomia da universidade e das suas unidades orgânicas, pelo respeito da diversidade e pela afirmação do princípio de excelência.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Em campanha, a todo o vapor

Em menos de dois meses o Governo inaugurou na ilha do Sal o edifício do hospital , a primeira fase do porto de Palmeira e a esquadra da polícia em Santa Maria . Na terça feira o Primeiro-Ministro ainda lançou a primeira pedra de estrada de acesso aos hotéis. Desculpando-se com a lei eleitoral que proíbe mais lançamento de pedras a partir de 8 de Dezembro, apressou-se a anunciar que já mobilizou os meios para a construção do liceu e do centro de saúde de Santa Maria. Não constam do orçamento. Mas o que mais chama a atenção nessas cerimónias é o facto de sublinharem quão tardia veio a intervenção do Governo. As obras feitas foram identificadas anos atrás, muito antes de 2007 quando a crise se instalou na ilha, e ainda não se falava na crise internacional. As obras por fazer, e para as quais foram lançadas as primeiras pedras ou se repetiram promessas de as realizar, são também necessidades cuja urgência foi sistematicamente manifestada, durante anos, em todos os fóruns sobre o turismo e em todos os encontros de operadores económicos com as autoridades. GOVERNAR é priorizar. E o tempo levado para concretizar algumas das obras urgentes na ilha do Sal demonstra que, para o Governo, não eram prioridades. Apesar de serem fundamentais para que a ilha, considerada a mais turística de Cabo Verde, não visse o sector entrar em crise quando sinais de crise não existiam no horizonte internacional. E apesar, também, do Governo proclamar a todos os ventos que o Turismo é motor da economia nacional. A incongruência está aqui. Diz-se que um sector é a chave mas não se age estrategicamente, ou seja com visão de conjunto, no tempo próprio e com acções interligadas e sequencias que se traduzem em resultados visíveis. Os meios que o Governo dispõe são, e serão, sempre escassos. Portanto as opções na sua utilização espelham as prioridades da governação. É evidente que, para além das boas palavras ditas em nome do crescimento económico, o coração e a vontade do Governo estavam noutro sítio e, em consequência, a dinâmica económica movida pelo capital nacional e estrangeiro não era propriamente a sua prioridade. Se não, teria investido em tempo. A desculpa que, de qualquer forma, as obras estão feitas e são úteis não cola. Os custos podem até ser os mesmos mas os benefícios são muito menores do que se fossem concluídas no tempo próprio e no quadro dum plano estratégico. Avalia-se a governação pelos resultados, pelo impacto na vida das pessoas e na prosperidade geral. O Governo falhou com a ilha do Sal, como falhou com a ilha de S.Vicente e com todo o país ao passar de lado muitas das oportunidades que se apresentaram. Os efeitos do fracasso geral vêem-se no desemprego, na pobreza, na falta de perspectiva, principalmente agora que se vai entrar num período mais duro. O País vai ter que enfrentar os défices acumulados no orçamento do Estado e na balança de contas correntes e o peso da dívida pública que já atinge os quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB) resultantes de uma governação sem visão, orientada pela manutenção do poder a todo o custo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Fim do estímulo. Início do apertar do cinto

Os directores do FMI, no comunicado de 2 de Dezembro, deixaram claro as suas preocupações com o estado da economia de Cabo Verde. Apesar de muito comedidos nas palavras não se abstiveram de referir de que a análise feita pelo staff técnico do FMI considerando o escudo em linha com os fundamentais da economia está sujeita a um elevado grau de incerteza. Por isso, e já em antecipação do que pode vir a acontecer, saudaram a intenção do Governo de Cabo Verde de, a partir de 2011, acabar com a política orçamental expansionista, diminuir os empréstimos estrangeiros e adoptar, até o mês de Junho de 2011, uma estratégia de gestão da dívida para o médio prazo . É o aperto do cinto. As preocupações dos directores do FMI não terminam aí. Chamam a atenção para a importância de se tomar decisões criteriosas no uso dos fundos concessionais disponíveis e de se seleccionar projectos na base de irem ao encontro de objectivos pró-crescimento económico e de luta contra pobreza. E reforçam a necessidade de se promover crescimento da produtividade do sector privado nacional para se dar um outro impulso à competitividade. Justifica essas preocupações a constatação de que até agora o grosso dos investimentos realizados deixou as empresas nacionais de lado e não criou emprego significativo. A competitividade de Cabo Verde manteve-se a níveis baixos como testemunha o relatório do Fórum Económico Mundial e é confirmada pela fraca evolução das exportações. Um outro aspecto inquietante é o facto de que com o fim do estímulo já anunciado não há sinais de investimentos privados a aproveitarem-se das novas infraestruturas e, nessa medida, a substituírem o investimento público como motor de crescimento da economia nacional. A conjugação desses factores poderá conduzir a uma situação ainda pior para milhares de caboverdianos que não vêem perspectivas de emprego a curto prazo e já sentem o impacto da diminuição das remessas dos emigrantes no rendimento das famílias. O quadro actual de pouca dinâmica das exportações e de dificuldades na atração de capital directo estrangeiro, tem levado o BCV, segundo o comunicado do FMI, a gerir o peg do escudo no euro pela via de estabilização das remessas e depósitos dos emigrantes e de restrição do crédito ao sector privado nacional, para evitar aumento das importações. Tal restrição de crédito não deixa, porém, de ter impacto negativo na dinâmica económica. O FMI ainda alerta para o perigo de ataque de capitais especulativos do chamado "hot money", potencialmente destabilizadores, devido ao facto de nas condições actuais se defender o Acordo Cambial, mantendo taxas de juro muito superiores ao EURIBOR. Concluindo, pode-se dizer que, terminado o estímulo à economia, com défice orçamental a 15% e dívida pública a aproximar-se de 100% do PIB, vai-se passar a um período de aperto com fortes restrições nas despesas e investimentos, sem que ninguém em consciência diga que os custos do estímulo justificaram os benefícios dele retirados. O crescimento foi raso, não se criaram mais empregos e a pobreza aumentou. O ano de 2011 poderá revelar-se pior com as medidas de contenção já anunciadas e tornadas incontornáveis por motivos de gestão do défice e da dívida. Será que a gestão do Governo está-se a tornar um caso de moral hazard em que tudo se arrisca apostando que Cabo Verde “is to small to fail”?

domingo, 5 de dezembro de 2010

Passar a bola

Depois da data marcada para as eleições legislativas de 2011, eis que o Governo resolve criar um fundo para financiamento da formação profissional . Segundo o comunicado do Conselho de Ministros de 25 de Novembro, o fundo criado vai ser alimentado pelo orçamento do Estado e por outras receitas. O anúncio só pode ser gestão de expectativas numa perspectiva de campanha eleitoral, visto que este governo não tem mais orçamentos a apresentar. Como não consegue dirigir a economia de forma a criar empregos principalmente para os jovens tenta iludi-los com a promessa de formação profissional. Mas esse sector é também um dos que, ao longo dos dois mandatos, não mostrou visão e resultados. O Governo apressa-se a apresentar números de formandos nos cursos mas refreia-se de apresentar dados dos que realmente conseguiram emprego estável. Em particular, a empregabilidade dos jovens manteve-se baixa, por várias razões, designadamente: Os cursos ministrados não foram de encontro às necessidades do mercado; a qualidade de muitos deles era baixa; o mercado de trabalho não foi estruturado para receber profissionais formados; não se estabeleceu a relação certa entre empresas e formação profissional; e alimentou-se a noção que se pode dar todo o tipo de formação profissional, em qualquer ponto do território nacional, sem preocupação com o meio circundante e a sua história sócio-económica. A insistência em instalar a escola de hotelaria e turismo na Praia (EHTCV)é um exemplo paradigmático disso. Chega-se ao fim da década, e passado o boom do turismo, e essa escola está ainda por se tornar operacional. Por outro lado, é a própria orientação da formação profissional que não esteve em sintonia com o que o Governo propalava ser a sua agenda de transformação. O exemplo das tecnologias de informação e comunicação (TIC)é dos mais gritantes. Numa década em que se viu como através do “outsourcing” de serviços diversos se empregaram milhares de pessoas na Índia, no Gana, no Quénia e em várias outras paragens, Cabo Verde ficou completamente para trás. Nem soube investir em dar aos jovens competência linguística que estrategicamente os podia colocar em posição de prestar serviços nos mais diferentes sectores, a começar pelo turismo, passando pelo shipping, os call centers, etc. A única competência linguística que o Governo realmente insistiu em dar aos caboverdianos foi no crioulo. Termina-se a década com publicidade escrita em crioulo mas sem que os jovens tenham proficiência no inglês, português e outras línguas. O que aconteceu com as línguas também se verificou nas ciências e na matemática. Sem uma base sólida nestes domínios não há formação profissional que torne os recursos humanos em Cabo Verde um factor de atracção de investimento externo e de relocalização de empresas estrangeiras. Neste sector como noutros, o jogo do governo é sempre passar a bola á frente. Não consegue empregar jovens com 12º ano, envereda-se pelo sistema de bolsas e por escolas superiores de qualidade duvidosa para os gerir alguns anos à frente. Os formados nos cursos de formação profissional que também não conseguem emprego são dirigidos para outros cursos de empreendorismo, passando-lhe a ideia de que podem criar o seu próprio emprego. E se não conseguirem a responsabilidade é deles. A realidade, porém, é o extraordinário desperdício de recursos que todo este processo gera e as frustrações que cria nas pessoas quando constatam que o mundo real não tem enquadramento para elas na medida das suas expectativas. Ainda arriscam-se a ser chamadas de preguiçosas pelo próprio governo que não teve a visão, o sentido de oportunidade e a tenacidade para criar o ambiente certo de crescimento económico que lhes facultasse emprego gratificante, sustentável e de qualidade.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Condicionamento e alienação

Uma outra forma que se encontrou para lidar com os problemas em Cabo Verde é proclamar que não existem per se. Factos, afinal, não são factos, diz-se. O que existe são conveniências, interesses e má fé de quem os aponta. Assim, por exemplo, alguém que fala de tortura ou de abusos de polícia só pode ser do MpD. E a resposta de pessoas próximas do PAICV tem que ser negar e negar, independentemente das evidências ao contrário. E neste jogo, onde a realidade objectiva não existe, ninguém fica de fora. Se corroborar a ideia de que há abusos é logo conectado com o MpD. Pelo contrário, se jura que determinado preso se feriu sozinho na cela para poder incriminar a polícia terá que ser do PAICV. O esforço de desresponsabilização do Governo tem esse outro efeito de manter sempre crispada a sociedade. Nega factos e identifica politicamente quem ousa contradizer-lhe. Induz passividade na sociedade porque muitos acabam por ver que não vale a pena entrar no debate nacional e sair rotulado partidariamente. Todos se lembram das manifestações contra a Electra. Desapareceram logo que não foi possível esconder que quem geria a empresa era o Governo, e não os portugueses da EDP. Noutros países, tentativas do Governo de negar factos e acusar os outros de má fé são desarmadas pela comunicação social e por jornalistas cuja maior ambição é apanhar o Governo em falso e embaraça-lo com os factos. É só ver o entusiasmo com que as revelações do Wikileaks.Org foram retomadas em todo o mundo. Aqui em Cabo Verde, pelo contrário, órgãos de comunicação entram no jogo das conveniências. Prestam-se ao jogo de ignorar factos, centrando-se nas supostas motivações político-partidárias dos que civicamente contribuem para o debate nacional. Dessa forma, tais órgãos renegam a razão principal de existência da comunicação social que é de garantir informação completa aos cidadãos para que tenham opinião e realizem na plenitude a sua cidadania. Por todo o lado, questões como atropelo de direitos, torturas e abusos de polícia são tratadas com muita seriedade pela imprensa e escrutinadas até à exaustão pelos jornalistas. Isso porque todos sabem que o exercício das liberdades e particularmente da liberdade de expressão e de informação não se compagina com a tolerância para com abusos e arbitrariedades das autoridades.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Silêncio ensurdecedor

Segundo relatos na imprensa da semana passada, denúncias de torturas nas esquadras agora vêm de dentro da polícia. Oficiais superiores teriam publicamente, e na presença de um Procurador da República, chamado atenção para práticas de tortura. São denúncias que vêm corroborar declarações que têm sido feitas em vários pontos do território nacional. Do Governo, mais uma vez, não se ouviu nada. Não reage quando são cidadãos a questionar práticas policiais que infringem direitos fundamentais. Não reage quando o Procurador Geral da República revela que é alvo de "sucessivas investidas, ilegais e desproporcionais", de elementos da polícia. Agora não reage a denúncias públicas da própria polícia. É de se perguntar até onde vai o autismo e a postura de desresponsabilização do Governo sempre que confrontado com resultados menos positivos ou francamente negativos, como é o caso. Na cerimónia do aniversário da Polícia Nacional, o Sr Primeiro-Ministro optou por ignorar as insuficiências institucionais da polícia que a tornam quase impermeável a sindicâncias, fragilizam a sua relação com a comunidade e dificultam a revisão de procedimentos que podiam melhorar a eficácia operacional. Preferiu incidir sobre a suposta diminuição do índice de criminalidade por cima de toda a evidência em contrário e do crescente sentimento de insegurança das populações, particularmente na Praia, mas cada vez mais em S.Vicente, Sal e Boavista.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quem paga pelo ilusionismo?

O Presidente da República disse que o ano de 2011 será difícil para todos. Com tal declaração torna-se oficial no país que não há como contornar a crise e que há necessidade de repensar o país. Por isso o PR fala de um novo parlamento e de um novo governo a sair das eleições que marcou para a data mais próxima possível dentro do calendário eleitoral. O problema é que veio tarde o reconhecimento de que a crise financeira de 2008 alterava completamente o quadro económico global, com reflexos em todos os países do mundo. De facto, em Cabo Verde optou-se por esconder a realidade dos factos. O Governo negou-se completamente a rever as políticas e as práticas governativas que tinham impedido o país de aproveitar adequadamente as oportunidades durante o período do boom económico. Insistiu em fazer “o mais do mesmo”, entusiasmado com as linhas de crédito estendidas por Portugal e confiante na recuperação da economia mundial que alguns prognosticavam para segunda metade de 2010. A última metamorfose da crise em crise da dívida soberana, com particular impacto na Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha, afectando toda a zona euro, não serviu para o desviar da sua linha. Simplesmente aumentou a pressão da propaganda e entrou num frenesim de inaugurações e lançamento de pedras. A mensagem passada em todas as acções do Governo visou reforçar a ideia que Cabo verde contornava a crise perfeitamente. Os funcionários caboverdianos até podiam aspirar ao 13º mês enquanto funcionários em países como Grécia, Portugal Espanha França e Reino Unido sofriam cortes nos salários, subsídios e alterações de idade de reforma. Só há dias é que o Sr. Primeiro-Ministro veio desfazer o sonho de muitos que já sonhavam com um salário extra no fim do ano. A consequência de todo esse logro em que o país se viu apanhado nestes dois últimos anos é que não se discutiu o que fazer no pós crise. E certamente que não se vai fazer essa discussão durante a campanha eleitoral. O PAICV recusou-se a debater o país quando em todo o mundo se discutia o que fazer a seguir. Teimou em apresentar uma imagem providencial de quem blindou Cabo Verde contra a crise. Não vai durante o embate eleitoral pôr em causa essa sua imagem. O mais provável é que tal qual o ministro de informação do Iraque Mohammed Saeed al-Sahaf vai declarar que Cabo Verde vive o melhor dos mundos com as barragens feitas e por fazer, as centenas de quilómetros de estradas asfaltadas, as universidades e bolsas de estudos, os parques eólicos e fotovoltaicos e os “catamarans” que aí vêm. Por isso o apelo do PR veio tarde. As manobras de desresponsabilização do Governo e do PAICV ao longo de todo este tempo serviram para desarmar o país perante o que vem a seguir e que o PR já confirma que não vai ser fácil. Fácil para alguns será simplesmente deixar aos outros a tarefa de confrontar as dificuldades que irão surgir. Dificuldades agravadas por actos caros de ilusionismo, com reflexo na dívida pública, e pelo esforço de esconder a realidade dos factos que mereceu de outros responsáveis a cumplicidade institucional indispensável durante anos e meses a fio.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

S.Vicente e o PAICV: uma história de frustrações

Os caboverdianos já estão habituados às “fintas” do Governo sempre que confrontado com as suas responsabilidades ou com os resultados das suas acções e omissões. Em S.Vicente provavelmente bateu a si próprio quando enveredou por culpabilizar a população pelas dificuldades da ilha. A maior taxa de desemprego no país e a pobreza que grassa na ilha, segundo o PAICV, resultariam da incapacidade local de fazer brotar prosperidade de todos os investimentos realizados. Para esse partido S. Vicente seria uma espécie de ilha privilegiada. Por isso só “um défice de informações” pode levar a população e a sociedade mindelense a pensar que o governo não fez a sua parte. A realidade é que da governação espera-se resultados positivos no aumento de rendimentos de indivíduos e famílias, na melhoria da qualidade de vida e na prosperidade geral e não que se resuma a simples enumeração de obras. A história económica da ilha e o ciclo anual de negócios com os seus altos e baixos deixam claro que a chave para o sucesso está na sua interligação com o mundo atraindo investimentos, exportando bens e serviços e recebendo visitantes diversos e turistas. Quando em 2006 acolheu as tropas da Nato o país cresceu a dois dígitos. O problema de S. Vicente no pós independência é que o regime implantado do PAIGC/PAICV era paranóico em relação ao investimento externo, nunca quis saber do turismo, acreditava na política de substituição de importações e desconfiava da iniciativa privada. Em tal ambiente S.Vicente só podia sufocar. Os investimentos feitos na ilha designadamente na Cabnave, Interbase e Pescave foram condicionados por preocupações sempre presentes do regime de manter o controlo do processo económico e social. Não serviram de condutas para um mundo exterior que trouxesse escala, tecnologia, sofisticação e pressão concorrencial à estrutura produtiva nacional. Por isso falharam. O PAICV regressado ao poder nos últimos dez anos trouxe ao de cima as suas crenças e preconceitos. Afastou investidores, contribuiu para a desindustrialização de s. Vicente com perda de milhares de postos e deixou que ganância do Estado se colocasse no caminho de investimentos vultuosos no turismo e na imobiliária turística. Em substituição prometeu porto de aguas profundas. Com as prioridades da ilha assim trocadas não há resultados mesmo que haja obras. Para todos deve ser evidente que S. Vicente não pode mover-se só com “motor” endógeno. Aliás nenhuma economia pode. Insistir nesse caminho só traz mais frustração. A ilha é filha da primeira globalização. Os seus tempos áureos coincidem com os do processo de globalização que se iniciou na segunda metade do século dezanove e terminou com a I Guerra Mundial. O sucesso de ontem como o que vier a obter depende da sua capacidade de lidar com o mundo, sempre em movimento, antecipando tendências, sendo competitivo e desenvolvendo virtualidades que a mantêm atractiva para capitais e visitantes. Já está provado que o pior que lhe pode acontecer é ser governado por quem insiste em acções fora de qualquer plano estratégico e completamente divorciadas da dinâmica da economia mundial. Só acumula frustrações. Em dois momentos históricos o PAICV obrigou a ilha e o país a suportar os custos enormes das suas políticas viradas para dentro. E diz que quer continuar a fazer “o mais do mesmo”. É de facto tempo de mudar.

domingo, 28 de novembro de 2010

Estímulo à economia falhou

O relatório de Novembro do Banco Cen­tral veio confirmar o que já era perceptível para todos: o crescimento anémico de Cabo Verde e a incapacidade de criar novos postos de trabalho. O World Economic Outlook do FMI publicado em Outubro passado já tinha no essencial antecipado essas conclusões e prognosticado um 2011 sem crescimento significativo e não acompanhado de au­mento do emprego. A dívida pública vem aumentando já quase a atingir os 100% do PIB sob pressão dos empréstimos con­traídos para financiar infraestruturas de rentabilidade e oportunidade duvidosas. Contribui para essa situação ainda o défice orçamental a galgar picos históricos de mais de 15% e as dívidas das empresas públicas desnorteadas pela nacionalização desastrada como a Electra e mal geridas enquanto se evita a privatização como a TACV. As tentativas do Governo em contornar o pior da crise com estímulos à economia, falhou por completo. A taxa de crescimento muito pouco foi além dos 4%, muito abaixo do potencial. As linhas de créditos com amarras nas políticas de promoção de exportação de Portugal e no esforço de inter­nacionalização das suas empresas serviram mal os objectivos de crescimento económico nacional. As obras ficaram mais caras, prio­ridades nacionais foram sacrificadas para se cumprir as regras de jogo das linhas de crédito, empresas nacionais viram-se prati­camente marginalizadas e o emprego não cresceu. As importações aumentaram e as exportações não acompanharam, agravan­do a balança comercial e comprometendo as contas correntes do país a curto, médio e longo prazo. Os estrangulamentos no sector de energia persistem não obstante os milhões já investidos. Como disse o Ministro de Finanças da Estónia ao jornal “Público” de 16 de Agosto último a propósito do sucesso da candidatura do seu país à zona euro em plena crise internacional: “A consolidaçao orçamental é a responsabilidade primeira de um governo numa crise. Um governo não pode gastar além das suas possibilidades. Não consigo entender essas ideias de estimular a economia num país pequeno como a Es­tónia”. De facto, para países com economia pequena e aberta, a solução de saída da crise dificilmente passa por estímulo fiscal cujo financiamento eleve défices orçamentais a níveis indesejáveis e cujo impacto nota-se mais no aumento das importações e menos no arrastamento da economia local. Certamente que não lhe passaria pela cabeça a experiência de Cabo Verde de financiar o estímulo com base em empréstimos externos condicionados. Particularmente quando são aplicados em obras que não fazem parte de nenhum plano de resposta às necessidades da economia nacional. Aliás, nessa matéria, o PAICV, nos dez anos, já demonstrou ao longo das seis equipas ministeriais que não tem qualquer plano ou visão para a economia, para além das fantasias em clusters que vai atirando para o ar, de tempos em tempos, enquanto gera expectativas e procura capturar mais um mandato. Só a poucos meses do fim de uma década de governação é que se dá ao trabalho de simular preocupação com a atracção do investimento externo, a criação de uma base industrial para exportação e a internacionalização das empresas caboverdianas, apresentando leis em regime de urgência à Asssembleia Nacional. Consequência: deslumbrado pelos valores das linhas de crédito disponibilizadas e com vontade de se manter no poder a todo o cus­to, agarra-se a soluções de crédito duvidosas e a propostas de aplicação de crédito ainda mais duvidosas e o resultado vê-se no cresci­mento raso e nas pessoas que desesperam de procurar emprego. Entretanto, a dívida para a actual e futura geração não pára de crescer; o tecido empresarial nacional enfraquece e a capacidade exportadora não ganha alento e orientação para garantir sustentabilidade futura da economia e ser motor de criação de emprego.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

“Acuse-os do que você faz, insulta-os do que você é”

O PAICV escolheu precisamente o dia a seguir à marcação das eleições pelo Presidente da República para lançar-se em acusações contra o MpD, sob pretexto de apelar a uma campanha sem incitações à violência. O cinismo não tem limites. Mas não só. O PAICV recorre ao seu velho truque de dissuadir os cidadãos de participar na campanha, pré anunciando possíveis situações de violência. O campo fica mais livre para os seus militantes saírem para o combate debaixo da bandeira de que os fins do partido justificam todos os meios.Por outro lado, não foi à toa que quis trazer à baila questiúnculas que só levam a ciclos de acusações mútuas sem consequência entre os partidos. O Chefe de Estado, no dia anterior, tinha chamado a atenção para a importância das próximas eleições na resolução de questões fundamentais para o país no curto prazo. O PAICV, com a conferência de imprensa, quis mostrar que não lhe interessa que o processo eleitoral seja de discussão informada dos problemas do país e das alternativas que pode ter. Convém-lhe uma campanha onde acusações de “ódio e vingança” combinam com “declarações de amor” por todos, numa demagogia sem controlo. E o sinal de que é isso que agoira vê-se no facto de se ter apressado em vir a público com apelos hipócritas à não-violência, verbal e física. Tácticas já conhecidas de quem insiste em agarrar a culturas políticas iliberais e cerceadoras do outro.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tapar o Sol com a peneira

S.Vicente, na semana passada, sofreu mais uma ofensiva do PAICV e do Governo para tentar esconder o óbvio: os dez anos de governo foram maus para a ilha. Desembarcados de fresco, os governantes e parlamentares apressaram-se a proclamar que o sentimento das pessoas resulta de um “défice de informação” de quem “ não consegue ver os resultados ou não tem todas as informações acerca do trabalho feito e das perspectivas”. A realidade porém é que a população tem todas as informações que precisa: sente na pele o desemprego que não parou de crescer durante toda a década, vê a pobreza a espalhar-se por todos os cantos da ilha e receia o desalento que ameaça sugar a energia de todos. O grito de grupos como o Cordá Monte Cara é um grito informado para acção, para reverter o caminho desolador que a ilha percorre nestes tempos. Mas, como qualquer posição crítica em Cabo Verde, foi recebida com hostilidade pelo governo e pelo partido que o suporta. O líder parlamentar do PAICV sentenciou logo que “há outros objectivos por detrás da passeata” que o grupo cívico tenciona realizar no próximo dia 3 de Dezembro. Sendo o grupo reconhecidamente da sociedade civil, o que o Deputado insinua é que de facto tem motivação política e está connectada com a oposição. A ofensiva continuou com cerimónias de entregas de títulos de terras directamente das mãos do Primeiro-Ministro e actos de gestão de expectativas das pessoas. Requentaram promessas de outras campanhas eleitorais como “porto de águas profundas” e serviram-nas com as novas roupagens a que chamam “clusters”. È o PAICV no seu maior: fazer das pessoas recipientes da sua generosidade e gratas por dádivas recebidas, ao mesmo tempo que lhes nega condições para prosperarem com o seu trabalho, na liberdade e com dignidade.

Custos de cegueira



O Governo do PAICV em fim de manda­to redescobriu o problema habitacional. Já o tinha descoberto no fim do mandato an­terior e encontrado na Operação Esperança um remédio à medida das suas necessidades e cálculos eleitorais. Agora também em perí­odo pré-eleitoral sai à frente para resolver o problema com uma linha de crédito de 200 milhões de euros. É evidente que o que lhe interessa no momento é simular obra pois não conseguirá concretizar o “Casa para To­dos” antes das eleições. Entretanto atira-se num frenesim de lançamento de primeiras pedras por todo o país com a IFH às costas. Uma coisa que chama a atenção em toda iniciativa do governo é a sua falta de conexão óbvia com a economia. O programa parece “propriedade” do Ministério de Habitação e Ordenamento de Território e tudo indica que os departamentos económicos não são para ali chamados. É estranho, visto que em todas as economias, mesmo nas mais madu­ras, a questão da habitação é central para a saúde, vigor e sustentabilidade da economia nacional. A actual crise internacional ini­ciou-se precisamente com o furar da bolha no sector da habitação. E assim é porque, em todo o lado, o maior esforço de poupança da generalidade das pessoas tem a ver com a habitação. Essa poupança alimenta o fluxo de capital investido na construção, gerando novos empregos e arrastando indústrias e serviços conexos. Estes também contratam pessoas e proporcionam novos rendimen­tos que depois são aplicados em parte na compra de habitação própria. Ou seja, um círculo virtuoso em que todos acabam por ganhar porque garante níveis elevados de poupança, taxas de juro mais baixos e nível elevado de emprego. Em Cabo Verde, tudo isso é passado de lado. Fazem as pessoas acreditar que podem ter habitação, sem emprego, sem rendimentos e sem poupança. E que se pode sustentar uma economia de construção de habitação sem a interligação necessária com empresas locais e compran­do bens e serviços obrigatoriamente a firmas estrangeiras no valor de 80% do custo final. O “Casa para Todos” é um projecto de fim de mandato de um Governo que a tudo recorre e sem preocupação com os custos para arrebatar mais um mandato. Não é a política habitacional pensada para um país arquipelágico. Não equaciona o problema da excessiva centralização na capital com consequências graves na cidade da Praia, no interior de Santiago e nas outras ilhas. Não pondera devidamente as opções em matéria de habitação - arrendamento versus casa própria - considerando que é de interesse para economia do país conservar um nível adequado de mobilidade de mão-de-obra. Não responde à pressão das migrações internas em direcção às ilhas com peque­nas populações, mas com potencialidades exploráveis a curto prazo. E não reflecte o que podia ser a articulação do sector de construção de habitações com a economia local, os recursos em material de construção, a escassez da água e a energia cara, mas tam­bém com luminosidade própria do país, o nível de insolação e os ventos mais ou menos constantes. As barracas na Boa Vista e Sal, as habitações degradadas por todo o país e os bairros problemáticos particularmente na Cidade da Praia e no Mindelo são sinais de anos de cegueira deliberada das autoridades. Ficaram impassíveis perante a aceleração da centralização, o desenvolvimento descon­trolado das ilhas turísticas e as dificuldades das câmaras em lidar com a situação urbana após o hiato de quinze anos que destruiu as instituições municipais e esvaziou a cultura cívica existente. O resultado vê-se!

domingo, 21 de novembro de 2010

"Aula magna" do Sr. Primeiro-Ministro

O PM e presidente do PAICV ministrou a jovens de S.Vicente, no dia 18 de Novembro, na Academia Jotamonte, mais uma das suas “aulas magnas”. Falou de história, das próximas eleições e de qual deve ser a postura dos jovens. O centro da sua lição de história é que na década de noventa se”instalou ódio, vingança, arrogância e intolerância”. Os jovens ficaram sem saber que os anos 90 foram os anos do derrube do partido único, da conquista da liberdade e da democracia, da Constituição de 1992, da construção do Estado de Direito democrático e das suas novas instituições e do resgate do Poder Local no Cabo Verde independente. Quanto à questão das próximas eleições o Sr. Primeiro-ministro afirmou logo que eleições “não são para escolhas de partidos” que devem governam no ciclo seguinte. São “sobre o futuro”. E, segundo ele, há quem tem o futuro e os “olhos postos no bem comum” e há os outros. A escolha, portanto, já está feita. Era de perguntar ao Sr. PM se é mesmo necessário realizar eleições. Actos eleitorais pressupõem partidos em pé de igualdade e assentam num consenso geral que ninguém detém a chave mágica para um futuro de prosperidade e que a competição entre partidos é essencial para se definir a todo o momento o bem comum. As declarações do PM anulam esse consenso. Tornam-se mais preocupantes quando conjugadas com outras proferidas no encontro de jovens em Rubom Manel no dia 14 de Novembro. Segundo o site do PAICV, o PM exortou os jovens a inspirarem-se no exemplo da população, que há 100 anos atrás se “se juntou à volta da palavra de ordem “homis faca, mudjeres matchado, mininus tudu ta djunta pedra”, para hoje “vencer os combates que serão necessários travar para que Cabo Verde preserve as grandes conquistas já alcançadas e continue a trilhar novos caminhos”. Linguagem bélica, associada à negação de escolhas e a certezas absolutas de representar o bem comum, constitui mau presságio para a democracia. A lição do PM simplesmente serviu para conspurcar tempos históricos únicos e eliminar adversários antes do pleito eleitoral. No chão ficou o dever de garantir verdade, honestidade e transparência na actuação dos governantes como forma de fazer os jovens acreditar nas virtudes da cidadania plena e participada.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ataque dissimulado

A TCV, no domingo, fez uma reportagem colhendo reacções do público sobre o momento político vivido no país. Alguns entrevistados deploraram o que consideram ser o recrudescer da crispação já vísível na vida política nacional e criticaram o supostamente arranque antes de tempo da campanha. Parece que não notaram que o elemento novo no quadro descrito é a actividade da Oposição. O Governo e o PAICV há mais de um ano que têm estado activos na pré-campanha para as legislativas. De facto, quando o Governo descobriu que não ia conseguir cumprir as promessas da legislatura, crescimento a dois dígitos e desemprego a um dígito, deixou realmente de governar para passar a gerir as expectativas das pessoas. Com o objectivo claro de ganhar as próximas eleições, lançou-se na maior operação de propaganda de sempre. Rádio, televisão revistas, folhetos, outdoors, tudo tem sido utilizado para passar a mensagem. Está-se nisso há mais de um ano e meio. A oposição só começou a fazer-lhe frente nestes domínios a partir de Julho/Agosto deste ano. Vozes que não se tinham pronunciado, quando o Governo estava sozinho a fazer campanha, agora manifestam-se com as tentativas de resposta da Oposição. Também os que nada disseram sobre o uso abusivo dos recursos públicos e do dinheiro do Estado na campanha partidária do governo agora questionam de onde vem o financiamento da oposição. O que é esperavam? Que a sociedade caboverdiana não conseguisse mobilizar recursos para dar voz a posições discordantes no seu seio e assim financiar a sua própria democracia? Sente-se claramente que, em certos círculos, o pluralismo ainda incomoda. Procura-se mostrar que o pluralismo só traz desperdício de recursos de tempo e de meios e provoca divisão. Não há críticas se é o PAICV sozinho a dominar o palco na sua permanente ofensiva para dominar a sociedade, controlar a memória e reescrever a história. Se aparecem vozes discordantes que se opõem às suas ideias e projectos começa-se logo a falar de crispação e de divisão. E mais uma vez se tenta levar a população a repudiar o exercício do pluralismo, que é a garantia da sua liberdade, com ataques furtivos às suas manifestações.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Rasgar a Nação

O candidato Manuel Inocêncio tem sido questionado tanto por jornalistas em Cabo Verde como em Portugal sobre o que pensa do facto de que “há em Cabo Verde, sobretudo em Santiago, a ideia de que um indivíduo de S .Vicente dificilmente conseguirá ser Presidente da República”. È provavelmente das perguntas mais insólitas a serem colocadas numa democracia. Democracias no seu processo de consolidação são muitas vezes confrontadas com desafios de garantir a igualdade dos cidadãos acima das complexidades racial, étnico-linguística, religiosa e de género que caracterizam a nação. Assim, há discussões se uma mulher pode ser presidente dos Estados Unidos, se um turco pode ser ministro na Alemanha ou se um muçulmano pode ser parlamentar em França e se um negro um dia será presidente do Brasil. Discussões sobre o lugar de nascimento parece que só em Cabo Verde já atingiram o nível de quase certezas. Não há registos dessa questão se ter tornado central noutros países, mesmo em países continentais como os Estados Unidos ou o Brasil. Mas aqui tudo leva a crer que “a priori” já se considera que o cargo de Presidente da República não pode ir para pessoas de S.Vicente. O insólito da situação convida a perguntar: só se ficou pelo cargo PR no estabelecimento dessas regras não escritas? E quanto ao do Primeiro-Ministro? Qual a cota de ministros que deve ir para os naturais da ilha A, B, e C? E porque ficar em Ministros? E então, directores gerais, altos funcionários do estado etc. etc.? É a abertura da proverbial caixa de Pandora. Graves consequências para o tecido social e a própria nação poderão advir de dinâmicas fracturantes e de divisão. Quando se entra pela lógica da divisão, com base em artificialismos criados por conveniência de poder, dificilmente se consegue parar. O facto é que com todo este exercício deita-se pela janela fora o que se poderia chamar do “excepcionalismo” caboverdiano”: uma nação nascida dentro de um império colonial sem a herança das divisões raciais, étnicas e linguísticas que marcaram a emergência de muitas outras e sem os sinais visíveis de vitimização e de resignação que constituem entraves endógenos à vitória decisiva sobre a pobreza e subdesenvolvimento.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Comparação de décadas: um exemplo de desonestidade

Poucos caem no exercício fútil de comparar, em termos de realização, maturidade e conhecimentos, as suas décadas de existência. Ninguém contrapõe os seus vinte anos com os trinta ou quarenta. Muito menos os anos de adolescência, de mudanças fundamentais, com os anos posteriores. Esses anos são irrepetíveis nos seus desafios e oportunidades. O que se consegue fazer depois na vida, depende muito de como se enfrentou os desafios e de como as oportunidades foram tomadas e assumidas. Se comparações do género não fazem muito sentido na vida de uma pessoa, muito menos o fazem na vida das nações. Na década de noventa Cabo Verde viveu momentos únicos da sua história. Integrou conjuntamente com outros povos, noutros continentes, o movimento universal que derrubou ditaduras, instituiu democracias, libertou a iniciativa privada e deu um outro impulso à globalização e à unificação da economia mundial. Ficaram marcas profundas. Os anos e décadas que vieram e virão depois só podem construir sobre os caminhos que então foram rasgados. Os vários ciclos de governação são avaliados pelo povo, não pela comparação com os tempos do começo, mas pela capacidade de realizar os sonhos, de alargar os horizontes e de dar cumprimento às promessas que a erupção do povo na liberdade e na democracia trouxe à superfície. Por isso não há nada mais patético do que a insistência do governo do Paicv em comparar kilómetros de asfalto, número de universidades, aeroportos etc., com a década da entrada na democracia, particularmente quando falha em capitalizar sobre as energias soltas pela liberdade dos indivíduos, pelo impulso à iniciativa privada e pela liberalização das relações económicas com o mundo. Os níveis de desemprego e o crescimento médio anémico desta legislatura não deixam quaisquer dúvidas quanto à incapacidade do governo em colocar o país à altura do seu potencial. E não é certamente obras feitas no fim do mandato, com base na dívida contraída no exterior, que vão substituir pelo que é a percepção geral que não se focou o país na criação de riqueza, não se investiu adequadamente no capital humano e não se poupou o suficiente. Novas infraestruturas só contribuem para elevar o potencial do País, para criar emprego e para reforçar o tecido empresarial nacional se demonstrarem que foram de encontro às prioridades reais. De outra forma são utilizadas deficientemente e no pior dos cenários revelam-se como autenticos elefantes brancos. Em qualquer dos casos têm que ser pagos.

domingo, 14 de novembro de 2010

Candidatos acima da Lei



Manuel Inocêncio, Ministro de Estado das Infraestruturas e Transportes, anunciou numa entrevista ao jornal "asemana" que é candidato a Presidente da República. A primeira coisa que potenciais eleitores esperam do candidato a PR é que ele dê confiança que cumprirá o juramento no acto de posse “de cumprir e fazer cumprir a Constituição, observar as leis”. Em matéria de cumprimento de leis, o Eng. Inocêncio logo na entrevista deu um sinal complicado. Quando questionado se ia manter-se no cargo de ministro, respondeu que sim, que vai ficar até o final deste ciclo. Passou literalmente por cima do nº2 do artigo 383º do Código Eleitoral que diz: nenhum candidato pode exercer cargo de titular de órgão de soberania a partir do anúncio público da sua candidatura”. E justificou-se: “Eu não sou formalmente candidato à Presidência da República, mas tenho, sim, uma intenção. (…) não vejo nenhum problema em continuar no governo”. A interpretação do ministro chama atenção porque não podia ser mais conveniente para quem a subscreve. Permite aos titulares dos órgãos de soberania avançar, durante meses a fio, com a candidatura na posse de todos os privilégios do cargo. Precisamente o que a norma referida pretende impedir. O Tribunal Constitucional no acórdão nº 11/2000 de 4 de Dezembro deixou claro que o referido nº2 do artigo 383º visa separar a condição de titular de cargo público da de candidato, impedindo que certas funções públicas com visibilidade, protagonismo e capacidade de influenciação pudessem ser usadas em benefício do seu titular, colocando-o em situação de vantagem em relação aos demais candidatos. O Ministro, como aliás outros candidatos com cargos de titular de órgãos de soberania, ostensivamente ignoram a letra da lei e o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que fixou jurisprudência constitucional nesta matéria. O TC, até para não deixar quaiquer dúvidas, no acórdão, distingue entre o nº 2 do 383º, que dita a suspensão a partir do anúncio público de candidatura para os titulares de órgão de soberania, e o nº 3, só obriga à suspensão após a apresentação formal da candidatura de titulares de certos cargos públicos. Escolhem uma outra interpretação da lei para continuarem a usufruir dos recursos do Estado e dos privilégios do cargo na promoção da candidatura, como têm feito, meses a fio, desde ano passado.E vêm todos do mesmo partido que ainda, cinicamente, ataca o Dr. Carlos Veiga por ter cumprido a lei no ano 2000.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Para "o inglês ver"


Desde do grande choque do ano passa­do que colocou Cabo Verde no 146º lugar entre 189 países, no que toca a facilidade de fazer negócios, Doing Business, o Governo tem-se esmerado em actos de cosmética para melhorar a imagem. Os dados do Índice de Competitividade, colocando Cabo Verde atrás de 17 países africanos, mostraram como a propalada agenda de transformação ficou encalha­da algures nas omissões e falta de visão que tem caracterizado as seis equipas económicas dos dez anos de Governo do Paicv.. Adepto de manipulação de imagens, o governo esforçou-se por burilar a imagem desses indicadores internacionais. Foi aparentemente bem sucedido no índice de liberdade de imprensa, a partir do momento que a presidente da associação de jornalistas preencheu o questionário distribuído pelos Repórteres Sem Fronteiraa. O único problema é que isso tudo soou a falso. Cabo Verde apresentou-se muito acima de varias democracias como Portugal, Espanha e Itália em matéria de liberdade de imprensa, no preciso momento em que todos vêem que o país está submerso num mar de propaganda governamental. O es­forço empreendido para realizar o feito de Rwanda do ano passado no Doing Business 2009 não resultou. Cabo Verde só subiu 10 pontos diferentemente do Rwanda que tinha subido 50 pontos. A atrasar o país ficou o "ranking" de 132º na protecção dos investidores, de 152 em obter crédito, e do último lugar em terminar um negócio. O governo, sempre procurando polir a imagem, sem muita preocupação com o conteúdo, ainda quis introduzir leis, em regime de urgência, na Assembleia Na­cional para melhorar os índices do Doing Business. Por isso, é que se teve há dias na A N proposta de lei para a promoção de inves­timentos dirigidos para exportação, uma outra para a internacionalização das empresas nacionais e ainda uma outra para regular o processo de falência. Cosmética de um Governo que , chegado ao fim de dois mandatos, deixa o país numa posição tão baixa, seja no que respeita à competitividade, seja na facilidade de fazer negócios. Não é a toa que, enquanto a taxa média mundial para o crescimento do Índice de Desenvolvi­mento Humano entre 2000 e 2010 é de 0,89 por cento e é de 1,49% para o grupo de Desenvolvimento Humano médio, Cabo Verde ficou pelos 0,64 por cento. Falhou na criação de empregos e na criação de riquezas que outros brilhan­temente foram bem sucedidos, retirando milhões da pobreza extrema.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Enganar para reinar

No discurso de revolta e indignação de 2 de Novembro, o Primeiro-Ministro José Maria Neves classificou de indecente a promoção de relações internacionais na base de “enganar uns e outros ao mesmo tempo e enganar o povo de Cabo Verde”. A caracterização é tão perfeita que convida a pensar se não lhe sai da alma. Se não é assim que seu Governo e partido sempre entenderam as relações internacionais. A cultura da política PAIGC/ PAICV suporta-se muito no esconder a verdadeira face sob a capa de “pensar com as nossas próprias cabeças”. Diferentemente dos outros movimentos de libertação das PALOP, o PAIGC sempre se negou a rotular-se de "ismos", marxismo, leninismo ou maoismo. Um disfarce, porque, como a história reconhece, a ideologia, os textos do partido, o discurso político e as instituições construídas na Guiné e Cabo Verde após as respectivas independências tinham as marcas da sua origem na herança comunista. Mas um disfarce que serviu bem ao PAIGC particularmente nas suas relações com os sociais-democratas escandinavos e outros partidos de esquerda europeia. No estrangeiro diziam uma coisa, em casa, o partido “pensava com a sua própria cabeça” e implantava regime de partido único, perseguia simples opositores, estatizava a economia, hostilizava o investimento privado, nacional e estrangeiro, e fomentava luta de classes contra as elites. O PAICV na democracia conservou esta praxis com as adaptações exigidas pelo tempos. Já houve tempo em que membros do Governo recitaram para os ouvidos do FMI, do Banco Mundial e de outras organizações os termos do consenso de Washington. O Primeiro-Ministro fala abertamente das suas leituras de Amartya Sen, Francis Fukuyama, Fareed Zakaria e Thomas Friedman, autores nos antípodas das crenças e das práticas do PAICV. Nos resultados da governação desta década vêem-se porém as consequências do PAICV a deixar os seus instintos vir à tona mesmo que camuflada dum linguajar que, a ouvidos desprevenidos, poderia parecer o mais liberal ou mesmo neoliberal: assim, por exemplo, vêem-se: 1º, no deserto em que se transformou a zona industrial do Mindelo com perdas de milhares de postos de trabalho directos e indirectos; 2º, no turismo que ficou aquém do que se projectou porque não promovido e porque não se resolveram problemas como a segurança, energia e água, acessos, transporte inter-ilhas, ambiente económico, habitação, saúde etc.; 3º, na imobiliária turística que se atrasou e acabou por se perder com a insegurança jurídica no registo de propriedade, com a ganância do Estado, com lutas do Governo com os municípios e com os obstáculos postos pela administração central; 4º, na Electra que foi nacionalizada, afundando-se em dívidas, e a TACV que não foi privatizada, também coberta de dívidas;5º, no hub portuário e aeroportuário que não teve o sucesso prometido; 6º, nos centros financeiros offshore desmantelados na sequência do escândalo do BPN/Banco Insular; 7º, nas tecnologias de informação e comunicação que falharam em abrir ao país uma nova avenida de prestação de serviços internos e para exportação. É um Cabo Verde enganado que vai iniciar uma nova década com défices orçamental e de balança de contas correntes excessivos e com uma dívida pública ultrapassando os limites aceitáveis. Sem que vislumbre ainda os investimentos privados criadores de emprego que deviam seguir aos investimentos públicos em infraestruturas e os justificariam. Ao apostar na continuidade, no “mais do mesmo” o PAICV mostra-se disposto a continuar nos jogos de engano de tudo e de todos que caracterizaram a sua actuação política.