segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Preparar para o ano 2011

Aproxima-se o fim 2010. Normalmente, no Natal e nas festas de S. Silvestre renovam-se as esperanças de um ano novo mais promissor. Neste ano, o segundo da crise internacional, a euforia própria da época festiva não consegue diminuir a preocupação geral com o futuro próximo. Desemprego, perda de rendimentos e insegurança em relação ao futuro afligem milhões de pessoas em todo o mundo. Para uma parte significativa delas, em vários países cujos governos insistem em fazer “mais do mesmo”, não se vislumbra uma saída a curto prazo.

A respeitada revista Economist no seu último editorial, datado de 16 de Dezembro, antecipou já que o ano 2011 vai ser o ano da crise da dívida soberana. É uma opinião também compartilhada por muitos comentaristas e experts que observam com cada vez mais apreensão a evolução da situação na Irlanda, em Portugal e na Espanha. Os juros crescentes pedidos na compra dos títulos de dívida desses países são reveladores da falta de confiança de que gozam junto dos mercados financeiros.

A União Europeia e particularmente a Alemanha quer submetê-los a uma espécie de terapia de choque para os reconduzir à estabilidade macroeconómica e eventualmente ao caminho do crescimento sustentável. Consolidação fiscal, aumento dos impostos, cortes nas despesas e reformas estruturais profundas designadamente no domínio laboral, para ganhar competitividade externa, são alguns dos remédios preconizados. O problema é que com tais receitas os “doentes” arriscam-se a ficar mais debilitados particularmente porque não será nada fácil gerir politicamente anos de crescimento económico baixo e de privações múltiplas nos sectores mais vulneráveis da população. Daí a preocupação com a dívida soberana, as hipóteses levantadas de declaração de falência acompanhadas de reestruturação da dívida e mesmo de cenários de abandono do euro por um ou mais países.

Em qualquer cenário parece hoje claro que os países europeus vão ter anos de crescimento anémico. São tempos difíceis a que Cabo Verde não conseguirá ficar alheio nem muito menos blindar-se. Vem da Europa grande parte das remessas dos emigrantes que contam bastante para o rendimento de muitas famílias. A ajuda externa predominantemente tem aí a sua origem. É o maior mercado para os produtos de exportação caboverdianos e é também o principal mercado emissor para o turismo nas ilhas.

Com o défice orçamental a aproximar-se dos 15% e a dívida pública a quase atingir os 100%, Cabo Verde não está em melhor situação de amortecer os efeitos negativos na sua economia provocados pela crise nos seus principais parceiros europeus. Uma outra atitude do Governo e uma outra consciência das dificuldades a enfrentar na actual conjuntura internacional teriam evitado certas opções que já estão se revelando caras, sem garantia de retorno adequado.

O alerta do Banco Central finalmente chegou, as eleições legislativas foram apressadas para o dia 6 de Fevereiro e o FMI já adianta que, para o ano 2011, espera contenção orçamental e travagem no processo de endividamento. Para os caboverdianos que já não viram muitos empregos criados com as linhas de crédito utilizadas na infraestruturação o próximo ano de menos investimento público será certamente mais difícil.

Há que encontrar outras vias que conduzam à retoma do investimento privado nacional e estrangeiro, que abram outras possibilidades para a exportação de bens e serviços e que potenciem os recursos humanos do país. Crescimento com criação de empregos e combate efectivo da pobreza dependem do sucesso que se obtiver nesse empreendimento.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 22 de Dezembro de 2010

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Concorrência na banda larga

Ainda sobre as notícias sobre a criação de uma rede de banda larga do Estado com base no WiMax, algumas reflexões:

"Urge de facto baixar os custos de comunicação em Cabo Verde. Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações. E não é só para incentivar o acesso a utilizadores internos. Fundamentalmente uma quebra nos custos deve ser um componente essencial de competitividade externa de possíveis serviços a exportar, usando mão-de-obra a partir de qualquer ponto do território nacional.

Os avanços de Cabo Verde do 107º lugar para 102º no índice 2010 da ITU, União Internacional das Telecomunicações, verificam-se essencialmente no acesso e na diminuição de preços. Quanto ao uso mantém-se baixo, contribuindo para isso a falta de concorrência na banda larga, com um único provedor a prestar serviço de ADSL a partir da linha do telefone fixo. Certamente que o aparecimento de outros operadores, utilizando redes wireless, WiMax ou LTE, deverá baixar os custos e aumentar o acesso.

O uso pelas pessoas, empresas e organuzações só dará um salto gigante se os custos de interligação com outros pontos do globo caírem significativamente. Nisso Cabo Verde estrategicamente deverá aplicar-se para que, em particular, toda uma actividade empresarial de importância para a economia nacional ganhe ímpeto. Mesmo actividades como a imobiliária turística e residencial poderão beneficiar da possibilidade de potenciais compradores se decidirem pela compra, cientes que facilidades e baixo de custo de comunicações com a Europa e o resto do Mundo lhes permite, de forma permanente ou temporária, trabalhar a partir de Cabo Verde" (jornal asemana de 9/4/2010).

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Wikileaks precisam-se?

Notícias postas a circular dão conta da construção de 20 torres em todo o território nacional para assegurar uma solução de banda larga sem fios (wireless) que segundo o site do NOSI será segura interóperável cobrindo todas as ilhas com enfoque nas áreas de educação, saúde e governação electrónica. Para contextualizar essas notícias pode ser de boa ajuda passagens dum artigo meu publicado no jornal asemana de 9 de Abril de 2010: "A disponibilidade do Banco EXIM, export-import, da China de financiar em 17 milhões de dólares o sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já abriu um caminho que pode levar ao aparecimento de um novo operador de telecomunicações. A empresa chinesa Huawei vai dotar o Estado de um sistema de comunicações wireless com a tecnologia WiMax, que irá cobrir todo o território nacional. O sistema em princípio é para servir a rede do Estado. Resta saber se irá além disso, para também entrar no mercado de oferta de serviços em banda larga, valendo-se da “muleta” dos computadores do Mundo Novo. O concurso lançado pela ANAC, a agência de regulação, em Dezembro último para operadores de 4G, WiMax e LTE, não deverá ser completamente alheio a todo esse desenvolvimento. (...) Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações".

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Auto-glorificação

Segundo um despacho da Inforpress de 20 de Dezembro a "Presidência da República organizou hoje, no Mindelo, uma conversa em torno do Acordo de Lisboa, assinado entre o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o governo português de 19 de Dezembro de 1974, com vista à Independência de Cabo Verde. O embaixador Luís Fonseca dissertou sobre o “marco inapagável” da história do país, considerando o ano de 1974 como um dos mais marcantes de Cabo Verde". Iniciativa de auto-glorificação e não dirigido para servir a verdade histórica. Muito menos para validar as grandes conquistas do povo de Cabo Verde no domínio dos direitos fundamentais, do constitucionalismo e de construção do Estado de Direito democrático. Serve só para consolidar a versão histórica do PAIGC/PAICV com vista a justificar e legitimar os quinze anos de regime de partido único.

De facto, a assinatura do Acordo de Independência de Cabo Verde a 19 de Dezembro de 1974 culminou acontecimentos, verificados no arquipélago poucos meses antes, que serviram essencialmente para entregar os destinos do país nas mãos de um único partido, o PAIGC. Uma cumplicidade tinha-se desenvolvido entre a cúpula desse partido e elementos chaves do Movimento das Forças Armadas (MFA), próximas do partido comunista português. Na sequência da denúncia de uma intentona contra os dirigentes do PAIGC, nunca provada, desencadeou-se, com a ajuda da tropa portuguesa, um movimento de supressão da oposição, da liberdade de expressão e do pluralismo. As forças políticas, UPICV (União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde) e UDC (União Democrática Caboverdeana) foram perseguidas e os seus dirigentes presos, enviados para o Campo de Tarrafal e posteriormente levados para o exílio em Portugal. As rádios calaram-se com a tomada da Rádio Barlavento em S.Vicente a 9 de Dezembro (ver imagem), passando a partir daí a transmitir a única voz do PAIGC. Para o Dr Almeida Santos, o negociador –mor da descolonização portuguesa e um dos signatários do Acordo, em entrevista concedida ao jornal Público de 11 de Abril de 2004, tudo se passou da seguinte forma:(…) os militares fizeram pressão para que houvesse descolonização rápida. Também houve um ultimato de lá para cá, a dar cinco ou oito dias para o Governo português entregar o poder ao PAIGC, sob pena de entregarem eles lá. (…) Chamei o Pedro Pires. Pedi-lhe que aceitasse uma consulta popular. Vocês ganham a consulta popular por 90 por cento e nós salvamos a face. Ganham a legitimação democrática do novo poder. Nunca mais será discutido. Se você o recebe da mão de militares, toda a vida será discutido. (…) Assinámos o acordo e ficou descolonizado Cabo Verde. Fiz uma lei eleitoral. Houve uma grande participação da população. Eles ganharam por 92 por cento. Elaboraram uma Constituição. Acabou. Salvámos a face". Com o Acordo consagrou-se o desvio dos caminhos da democratização iniciado pelo 25 de Abril. Enquanto Portugal ganhou uma Constituição liberal e democrática em 1976, Cabo Verde ficou com um regime contrário ao exercício das liberdades e pouco eficaz em potenciar oportunidades e recursos disponibilizados para o desenvolvimento. O regime só viria a cair a 13 de Janeiro de 1991.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Formação: a panaceia

Não deixa de ser estranho o sentido de prioridade do actual Governo! De­pois de dez anos a proclamar o Turismo como motor da economia nacional é, no fim de mandato, que resolve lançar um programa de educação para o Turismo. Segundo a Inforpress, o programa a iniciar em 2011, será dirigido às escolas, aos operadores e às comunidades e visa sensibilizá-los para o desenvolvimento do turismo, para a qualidade na pres­tação de serviço e para a valorização do destino Cabo Verde. Semanas atrás, também com esse mesmo “fino” sentido de prioridades, pré-inaugurou a Escola de Hotelaria e Turismo, na Praia. A pressa e as iniciativas deslocadas são simplesmente actos de um governo que se vê em apuros pela falta de resultados com efeitos na vida das pessoas e pro­cura ganhar tempo e um novo mandato gerindo expectativas. Com a Escola de Hotelaria e Turismo, perdeu tempo a procurar localizá-la na Praia, supor­tando-se no argumento da população e descurando questões mais importantes para escolas vocacionais como o meio, a proximidade das actividades que irá ser­vir e a disponibilidades de profissionais e técnicos do sector como professores e formadores. Quanto à necessidade de criar uma cultura de serviço, num país que gritantemente a desconhece, optou por a ignorar. Deixou que a cultura ad­ministrativa e centralizadora ganhasse mais terreno em detrimento da cultura de prestação de serviços. Não admira que turistas e nacionais se queixem da qualidade dos serviços. Muito pouco se fez, ao nível institu­cional e de regulação, para motivar os indivíduos e a sociedade a exigirem mais, quando solicitam ou compram serviços, enquanto utentes ou clientes. Não se promoveu o civismo, seja nas relações interpessoais, seja na relação com a comunidade. E ficou por fazer a exaltação do que poderia ser a van­tagem dos cabo-verdianos: lidar com todos com a descontracção de quem não vê cor (color blind), não albergar preconceitos, nem alimentar sentimentos de inferioridade. Ainda, em relação ao Turismo, o Governo não foi ágil nem compreensivo em articulá-lo com a actividade económica nacional, provo­cando reacções negativas da população e de operadores económicos que fica­ram a ver “a banda passar”. E não é pela via da formação que se vai resolver o problema. Atitudes positivas emergem quando, por exemplo, as pessoas vêem oportunidades de investimento ou de negócios a surgir com o turismo e as empresas expandem o seu mercado de colocação de bens e serviços, criando mais emprego no processo. Mas isso, já se sabe, são matérias que o Governo do PAICV tem dificuldades em lidar. As seis equipas ministeriais em dez anos de governação são prova do desnorte no juntar das peças do puzzle económico. E sem visão, estratégia e sentido de oportunidade não há como convencer as pessoas dos benefícios do Turismo. Não descortinando como agir, mais uma vez o Governo agarra-se à ideia de dar formação para esconder que não tem outras para pôr a economia nacional a funcionar para as pessoas.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A corrida mundial pela qualidade de ensino

Pelo quadro da performance de alunos de vários países (click na imagem) nos domínios da ciência, língua e matemática nota-se como é renhida a disputa entre pequenos e grandes países para o topo da lista. Salta à vista particularmente o esforço da Singapura, Hong Kong, Finlândia, Estónia e Macau. Todos vêem na qualidade de ensino a condição sine qua non para o desenvolvimento sustentável. Crescimento económico, empregos de qualidade e competitividade externa só são possíveis com a valorização permanente do capital humano. Nesses países, o Estado, a sociedade, os professores e os pais estão todos engajados em fazer com as novas gerações ganhem a batalha do conhecimento. Mas em Cabo Verde a questão da qualidade de ensino ainda é colocada num segundo plano. O Governo dá sinais de não saber o que fazer nesta matéria e passa sinais contraditórios como se o resto do mundo estivesse à nossa espera. O Primeiro-Ministro reage contra questionamentos feitos à qualidade do ensino incitando os professores a mostrarem-se ofendidos com os críticos. Na ânsia de contornar dados que apontam para níveis baixos da formação nas escolas, faz comparações despropositadas. A realidade do ensino nos níveis básico, secundário e terciário tem ser confrontada com realismo e honestidade para que o país augure ter um futuro próspero. Quem ganhar a batalha da qualidade na educação das suas crianças e jovens, vence a luta pelo desenvolvimento.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Imagem e fantasia

O Dr. José Maria Neves engana-se. Não é um Cabo Verde ambicioso, mo­derno e competitivo que o Governo do PAICV deixa de herança. Pelo contrário, lega-nos um Cabo Verde resignado a vi­ver de ajudas, com a política sequestrada pela justificação do passado e incapaz de ganhar subsistência própria no mercado internacional. Tudo porque a noção do Poder do PAICV não liberta as pessoas, não liberta a criatividade e não liberta a economia. Diferentemente do PAICV, por exemplo, é o partido Comunista da China (PCC) que, não obstante o passado histórico da Longa Marcha, do Grande Salto em Frente e da Revolução Cultural, fez a China, a partir de 1979, atravessar os portões da modernidade e em três décadas atingir a condição de segunda economia mundial. O PCC conseguiu isso, porque acredita que só se legitima aos olhos do povo chinês enquanto for capaz de proporcionar aumentos cres­centes da riqueza nacional, do emprego e da qualidade de vida da população. E procede em consequência: atrai investi­mentos externos, promove exportações, acarinha empresas locais, investe na educação de forma a pôr as suas crianças no topo do mundo, promove competên­cia linguística particularmente em inglês e torna popular o aforismo do dirigente Deng Xiao Ping de que “ser rico é glorio­so”. Coisas que o PAICV só finge fazer e só ilude os outros em acreditar que faz. O jogo de poder do PAICV é ter as pessoas na mão com favores, acessos especiais e dádivas. A autonomia indi­vidual e de grupos sociais que natural­mente viria de uma dinâmica económica menos dependente dos impulsos do Estado, causa-lhe desconforto. Por isso, vive um dilema permanente: controlar ou deixar crescer. Muitas oportunidades perderam-se enquanto se debatia com esse dilema. Um dilema que governos democráticos normalmente não têm e que mesmo partidos comunistas no poder, com excepção da Coreia do Norte e de Cuba, não se vêem confrontados. Na China ganha-se controlo, aceitação e legitimação do partido com o fomento do desenvolvimento. Os governantes preocupam-se quando as exportações diminuem, a inflação aumenta ou há quebra no ritmo de criação de novos empregos. Em Cabo Verde, a imagem parece ser tudo. As “performances” do Primeiro-Ministro vão nesse sentido. O resultado é que: perde-se em substância do que se pode fazer pelo país o que se ganha em fantasias de governantes em “modo” de gestão de expectativas. Per­de-se em realismo quanto aos desafios com que o país se confronta o que se ganha em lirismo nos discursos do PM a disfarçar que não atingiu os resultados prometidos. E perde-se em confiança nos governantes o que se ganha em declarações de amor despropositadas e proclamações mais do que duvidosas de que todos são estrelas.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

É de abuso!!!

A Comissão Nacional das Eleições num comunicado de 9 de Dezembro chamou a atenção das autoridades para a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas exigida pela lei eleito­ral. O comunicado da CNE vem precisa­mente no momento em que estava a ficar claro para toda a gente que o Governo se recusa a tirar cartazes de propaganda política que tem espalhado pelo país. E mais. Entidades públicas como a IFH já aparecem com cartazes com a mesma temática propagandística do Governo num esforço de contorno da lei vigente. A Oposição cumpriu a lei e retirou logo os outdoors no prazo estabelecido. O parti­do que suporta o Governo, desmontou os directamente assinados por ele e deixou os assumidos pelo Governo. Aliás, antes nem havia cartazes do PAICV. Durante meses a fio os outdoors do Governo pon­tificaram sozinhos até entrar em cena os do MpD. Só mais tarde é que apareceram outdoors do PAICV para contrariar os que o acusavam de fazer uso indevido de bens do Estado na campanha pré-eleito­ral. Agora “espertamente” desaparecem e ficam os do Governo e de entidades públicas. É evidente que a trapaça não passa. E o PAICV sabe disso. Pergunta-se porque insiste nessa aparente teimosia. A resposta vai directo à cultura política de sempre desse partido. Não acredita completamente no primado ou império da Lei. A sua herança revolucionária está sempre a dizer-lhe que as leis são instrumentais e servem de acordo com as conveniências. Também tem dificuldades em aceitar que a democracia é o regime do governo limitado. Limitado em absolu­to pelo respeito pela dignidade humana, limitado pelos direitos dos indivíduos, limitado pela Constituição e pelas leis da república. Com esses assaltos repetidos à ordem estabelecida, o PAICV mantém vivo certos medos e não deixa que as pessoas fiquem tranquilas e se sintam confiantes que as regras do jogo serão sempre cumpridas. Ou seja, ninguém está seguro. Manobras do género, em pleno período eleitoral, têm claramente objectivos intimidatórios. Da Comissão Nacional das Eleições e do Ministério Público espera-se que ajam em conse­quência para que as eleições aconteçam na Liberdade e num ambiente de igual­dade de todas as candidaturas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Macaronésia

Nos dias 11 e 12 de Dezembro estarão reunidos em Mindelo representantes dos arquipélagos dos Açores, da Madeira e das Canárias para a criação da Macaronésia. O encontro constitui um marco, porque, para além das diferenças entre os arquipélagos, reconhece-se que todos são originariamente produtos da expansão europeia a partir do século XV. A presença de representantes de Portugal e da Espanha, os dois países pioneiros dessa expansão, é já, em si próprio, o reconhecimento de responsabilidades para com as suas criações. Responsabilidade essa que é óbvia para os casos dos Açores e da Madeira e das Canárias porque integram respectivamente a República Portuguesa e o Reino da Espanha. Mas que já não parece tão óbvia para Cabo Verde porque, entre outras razões, é um país independente desde 1975. A realidade, porém, é que as pequenas ilhas ou arquipélagos, por razões de escala, de distância dos mercados e de escassez de recursos naturais muito dificilmente conseguem suportar-se e construir uma economia sustentável sem o apoio das economias continentais. Donativos, acessos especiais e subsídios diversos constituem os vários mecanismos que os europeus encontram para suportar as suas criações insulares. Assim é nos arquipélagos do Atlântico referidos e nas muitas das ilhas das Caraíbas que têm arranjos especiais com a Holanda, França e Inglaterra. Recentemente Aruba e Curaçau seguiram caminhos diferentes nas suas relações com a Holanda mas conservando sempre ligações vitais que minimizam a vulnerabilidade da condição de ilhas tanto no domínio económico como no de circulação e de defesa. Cabo Verde, por circunstancialismos históricos, viu-se envolvido após a independência num projecto de unidade com a Guiné-Bissau, um país continental. Um projecto falhado à partida entre muitas outras razões pelo facto desse país ser menos desenvolvido, mas que serviu para lançar Cabo Verde numa deriva para longe da relação que desde origem teve com a Europa. Só a partir de 2004 é que sectores próximos do PAICV relutantemente se reconciliaram com a ideia de aproximação à Europa. Na imprensa, deixaram de aparecer brincadeiras do género de apelidar de “atlânticos” os dirigentes do MpD versus os "africanos" do PAICV. O caminho para uma parceria futura com a Europa passou a gozar de um consenso generalizado e hoje até a ideia de Cabo Verde na Macaronésia explicitada por António Jorge Delgado parece estar em vias de se concretizar. Equívocos vários, porém, continuam. Traduzem-se, por um lado, numa postura mais reactiva às políticas da Europa, designadamente na Parceria para a Mobilidade e menos proactiva num quadro estratégico de uma parceria real e não só de intenções. Por outro lado, revelam passividade na relação com os países do continente africano – o que tem permitido uma imigração sem qualificação e analfabeta, ao mesmo tempo não se mostra pró-activa em consolidar laços para além dos oficiais que incluíssem relações de negócios e uma maior interacção dos vários sectores da sociedade civil. Ficando no meio-termo, sem uma estratégia clara, muitas são as oportunidades perdidas mesmo que alguns ganhos alimentem a ilusão de sucesso. É só ver o conteúdo das já existentes parcerias com a Europa para se avaliar do quanto se pode ainda alcançar se houver uma estratégia coerente e se equívocos de outras épocas forem deixados para trás.

Unicidade e Centralismo

A forma como foi demitida a direcção do ISECMAR mostrou a verdadeira face do espírito centralizador que domina a Universidade Pública de Cabo Verde. Aliás, já nem se trata do ISECMAR. O Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar já há algum tempo que desapareceu para dar lugar a um departamento de Engenharia e Ciências do Mar da UNI-CV, criada por decreto legislativo em 2006. É uma história de mais de vinte anos de uma instituição de ensino superior, nascida como Centro de Formação Naútica, com cursos certificados pela International Maritime Organization (IMO) e formadora de centenas de profissionais distintos e reconhecidos em vários sectores da marinha mercante, das pescas, da gestão portuária, das telecomunicações e da engenharia mecânica, que foi praticamente anulada. Em contrapartida, dá-se-lhe o estatuto de “departamento” na universidade recém-nascida. E determina-se que tudo passa a ser ditado da Reitoria sediada na Capital, incluindo o recrutamento dos professores. Universidades em todo o mundo são bastiões do conhecimento, de ensino superior e de investigação. Para realizarem a sua missão nesses domínios têm que gozar da mais ampla liberdade intelectual e liberdade de expressão. Autonomia administrativa e financeira e independência do poder político são condições indispensáveis para isso. A eleição dos seus vários órgãos a começar pelo reitor e directores das faculdades, dos institutos e das escolas, mas também dos órgãos colegiais de direcção pedagógica, científica e de investigação garante que a instituição não se deixa esclerosar pelo espírito de centralização e gestão autoritária de quem no momento dirige. Muito menos se deixe apanhar pelos interesses partidários de quem governa o País. A forma como foi criada a universidade pública de Cabo Verde determinou que muito do se esperava de uma instituição de ensino superior fosse sacrificado. As opções do Governo sobrepuseram-se a tudo e a instituição ficou marcada por isso. Em vez de se ter uma universidade organizada em Faculdades, Institutos e Escolas, todas dotadas de personalidade jurídica pública e de autonomia administrativa e financeira optou-se por departamentos subordinados à reitoria. O resultado é o que aconteceu com o ISECMAR e outros institutos de ensino superior. Foram engolidas pela nova entidade num processo em que provavelmente perderam muita da experiência, da cultura institucional e dos laços com a comunidade que as marcaram como instituição. Estranho é que depois se venha pedir que o resta delas faça parte de “clusters” do Mar e outros “clusters”que as fantasias dos governantes vão criando. Esquece-se que o papel de criação, investigação e de inovação que é esperado de estruturas de ensino superior nos clusters não é compatível com negação de liberdade intelectual, ausência de autonomia e percepção de humilhação derivada de insensibilidade para com a história, as realizações e o papel da instituição na ilha ou na região. Mas não só as instituições públicas que sentem a pressão centralizadora e monopolista da universidade pública. Também as instituições privadas de ensino superior queixam-se da arrogância e da cultura de unicidade de que normalmente são imbuídas as instituições públicas em Cabo Verde. E os danos não ficam por aí. A própria diversidade do País é frontalmente posta em causa, quando se impede que nas diferentes ilhas, escolas públicas de ensino superior tenham autonomia. Nega-se também a diversidade quando se inibe o desenvolvimento de uma elite intelectual e científica com obstáculos à assunção plena da instituição por pessoas representativas do seu envolvimento com a comunidade seja no ensino, na investigação, na consultadoria e no suporte de actividades económicas da região. A luta por uma universidade pública realmente nacional passa pelo exercício da liberdade intelectual, pela autonomia da universidade e das suas unidades orgânicas, pelo respeito da diversidade e pela afirmação do princípio de excelência.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Em campanha, a todo o vapor

Em menos de dois meses o Governo inaugurou na ilha do Sal o edifício do hospital , a primeira fase do porto de Palmeira e a esquadra da polícia em Santa Maria . Na terça feira o Primeiro-Ministro ainda lançou a primeira pedra de estrada de acesso aos hotéis. Desculpando-se com a lei eleitoral que proíbe mais lançamento de pedras a partir de 8 de Dezembro, apressou-se a anunciar que já mobilizou os meios para a construção do liceu e do centro de saúde de Santa Maria. Não constam do orçamento. Mas o que mais chama a atenção nessas cerimónias é o facto de sublinharem quão tardia veio a intervenção do Governo. As obras feitas foram identificadas anos atrás, muito antes de 2007 quando a crise se instalou na ilha, e ainda não se falava na crise internacional. As obras por fazer, e para as quais foram lançadas as primeiras pedras ou se repetiram promessas de as realizar, são também necessidades cuja urgência foi sistematicamente manifestada, durante anos, em todos os fóruns sobre o turismo e em todos os encontros de operadores económicos com as autoridades. GOVERNAR é priorizar. E o tempo levado para concretizar algumas das obras urgentes na ilha do Sal demonstra que, para o Governo, não eram prioridades. Apesar de serem fundamentais para que a ilha, considerada a mais turística de Cabo Verde, não visse o sector entrar em crise quando sinais de crise não existiam no horizonte internacional. E apesar, também, do Governo proclamar a todos os ventos que o Turismo é motor da economia nacional. A incongruência está aqui. Diz-se que um sector é a chave mas não se age estrategicamente, ou seja com visão de conjunto, no tempo próprio e com acções interligadas e sequencias que se traduzem em resultados visíveis. Os meios que o Governo dispõe são, e serão, sempre escassos. Portanto as opções na sua utilização espelham as prioridades da governação. É evidente que, para além das boas palavras ditas em nome do crescimento económico, o coração e a vontade do Governo estavam noutro sítio e, em consequência, a dinâmica económica movida pelo capital nacional e estrangeiro não era propriamente a sua prioridade. Se não, teria investido em tempo. A desculpa que, de qualquer forma, as obras estão feitas e são úteis não cola. Os custos podem até ser os mesmos mas os benefícios são muito menores do que se fossem concluídas no tempo próprio e no quadro dum plano estratégico. Avalia-se a governação pelos resultados, pelo impacto na vida das pessoas e na prosperidade geral. O Governo falhou com a ilha do Sal, como falhou com a ilha de S.Vicente e com todo o país ao passar de lado muitas das oportunidades que se apresentaram. Os efeitos do fracasso geral vêem-se no desemprego, na pobreza, na falta de perspectiva, principalmente agora que se vai entrar num período mais duro. O País vai ter que enfrentar os défices acumulados no orçamento do Estado e na balança de contas correntes e o peso da dívida pública que já atinge os quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB) resultantes de uma governação sem visão, orientada pela manutenção do poder a todo o custo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Fim do estímulo. Início do apertar do cinto

Os directores do FMI, no comunicado de 2 de Dezembro, deixaram claro as suas preocupações com o estado da economia de Cabo Verde. Apesar de muito comedidos nas palavras não se abstiveram de referir de que a análise feita pelo staff técnico do FMI considerando o escudo em linha com os fundamentais da economia está sujeita a um elevado grau de incerteza. Por isso, e já em antecipação do que pode vir a acontecer, saudaram a intenção do Governo de Cabo Verde de, a partir de 2011, acabar com a política orçamental expansionista, diminuir os empréstimos estrangeiros e adoptar, até o mês de Junho de 2011, uma estratégia de gestão da dívida para o médio prazo . É o aperto do cinto. As preocupações dos directores do FMI não terminam aí. Chamam a atenção para a importância de se tomar decisões criteriosas no uso dos fundos concessionais disponíveis e de se seleccionar projectos na base de irem ao encontro de objectivos pró-crescimento económico e de luta contra pobreza. E reforçam a necessidade de se promover crescimento da produtividade do sector privado nacional para se dar um outro impulso à competitividade. Justifica essas preocupações a constatação de que até agora o grosso dos investimentos realizados deixou as empresas nacionais de lado e não criou emprego significativo. A competitividade de Cabo Verde manteve-se a níveis baixos como testemunha o relatório do Fórum Económico Mundial e é confirmada pela fraca evolução das exportações. Um outro aspecto inquietante é o facto de que com o fim do estímulo já anunciado não há sinais de investimentos privados a aproveitarem-se das novas infraestruturas e, nessa medida, a substituírem o investimento público como motor de crescimento da economia nacional. A conjugação desses factores poderá conduzir a uma situação ainda pior para milhares de caboverdianos que não vêem perspectivas de emprego a curto prazo e já sentem o impacto da diminuição das remessas dos emigrantes no rendimento das famílias. O quadro actual de pouca dinâmica das exportações e de dificuldades na atração de capital directo estrangeiro, tem levado o BCV, segundo o comunicado do FMI, a gerir o peg do escudo no euro pela via de estabilização das remessas e depósitos dos emigrantes e de restrição do crédito ao sector privado nacional, para evitar aumento das importações. Tal restrição de crédito não deixa, porém, de ter impacto negativo na dinâmica económica. O FMI ainda alerta para o perigo de ataque de capitais especulativos do chamado "hot money", potencialmente destabilizadores, devido ao facto de nas condições actuais se defender o Acordo Cambial, mantendo taxas de juro muito superiores ao EURIBOR. Concluindo, pode-se dizer que, terminado o estímulo à economia, com défice orçamental a 15% e dívida pública a aproximar-se de 100% do PIB, vai-se passar a um período de aperto com fortes restrições nas despesas e investimentos, sem que ninguém em consciência diga que os custos do estímulo justificaram os benefícios dele retirados. O crescimento foi raso, não se criaram mais empregos e a pobreza aumentou. O ano de 2011 poderá revelar-se pior com as medidas de contenção já anunciadas e tornadas incontornáveis por motivos de gestão do défice e da dívida. Será que a gestão do Governo está-se a tornar um caso de moral hazard em que tudo se arrisca apostando que Cabo Verde “is to small to fail”?

domingo, 5 de dezembro de 2010

Passar a bola

Depois da data marcada para as eleições legislativas de 2011, eis que o Governo resolve criar um fundo para financiamento da formação profissional . Segundo o comunicado do Conselho de Ministros de 25 de Novembro, o fundo criado vai ser alimentado pelo orçamento do Estado e por outras receitas. O anúncio só pode ser gestão de expectativas numa perspectiva de campanha eleitoral, visto que este governo não tem mais orçamentos a apresentar. Como não consegue dirigir a economia de forma a criar empregos principalmente para os jovens tenta iludi-los com a promessa de formação profissional. Mas esse sector é também um dos que, ao longo dos dois mandatos, não mostrou visão e resultados. O Governo apressa-se a apresentar números de formandos nos cursos mas refreia-se de apresentar dados dos que realmente conseguiram emprego estável. Em particular, a empregabilidade dos jovens manteve-se baixa, por várias razões, designadamente: Os cursos ministrados não foram de encontro às necessidades do mercado; a qualidade de muitos deles era baixa; o mercado de trabalho não foi estruturado para receber profissionais formados; não se estabeleceu a relação certa entre empresas e formação profissional; e alimentou-se a noção que se pode dar todo o tipo de formação profissional, em qualquer ponto do território nacional, sem preocupação com o meio circundante e a sua história sócio-económica. A insistência em instalar a escola de hotelaria e turismo na Praia (EHTCV)é um exemplo paradigmático disso. Chega-se ao fim da década, e passado o boom do turismo, e essa escola está ainda por se tornar operacional. Por outro lado, é a própria orientação da formação profissional que não esteve em sintonia com o que o Governo propalava ser a sua agenda de transformação. O exemplo das tecnologias de informação e comunicação (TIC)é dos mais gritantes. Numa década em que se viu como através do “outsourcing” de serviços diversos se empregaram milhares de pessoas na Índia, no Gana, no Quénia e em várias outras paragens, Cabo Verde ficou completamente para trás. Nem soube investir em dar aos jovens competência linguística que estrategicamente os podia colocar em posição de prestar serviços nos mais diferentes sectores, a começar pelo turismo, passando pelo shipping, os call centers, etc. A única competência linguística que o Governo realmente insistiu em dar aos caboverdianos foi no crioulo. Termina-se a década com publicidade escrita em crioulo mas sem que os jovens tenham proficiência no inglês, português e outras línguas. O que aconteceu com as línguas também se verificou nas ciências e na matemática. Sem uma base sólida nestes domínios não há formação profissional que torne os recursos humanos em Cabo Verde um factor de atracção de investimento externo e de relocalização de empresas estrangeiras. Neste sector como noutros, o jogo do governo é sempre passar a bola á frente. Não consegue empregar jovens com 12º ano, envereda-se pelo sistema de bolsas e por escolas superiores de qualidade duvidosa para os gerir alguns anos à frente. Os formados nos cursos de formação profissional que também não conseguem emprego são dirigidos para outros cursos de empreendorismo, passando-lhe a ideia de que podem criar o seu próprio emprego. E se não conseguirem a responsabilidade é deles. A realidade, porém, é o extraordinário desperdício de recursos que todo este processo gera e as frustrações que cria nas pessoas quando constatam que o mundo real não tem enquadramento para elas na medida das suas expectativas. Ainda arriscam-se a ser chamadas de preguiçosas pelo próprio governo que não teve a visão, o sentido de oportunidade e a tenacidade para criar o ambiente certo de crescimento económico que lhes facultasse emprego gratificante, sustentável e de qualidade.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Condicionamento e alienação

Uma outra forma que se encontrou para lidar com os problemas em Cabo Verde é proclamar que não existem per se. Factos, afinal, não são factos, diz-se. O que existe são conveniências, interesses e má fé de quem os aponta. Assim, por exemplo, alguém que fala de tortura ou de abusos de polícia só pode ser do MpD. E a resposta de pessoas próximas do PAICV tem que ser negar e negar, independentemente das evidências ao contrário. E neste jogo, onde a realidade objectiva não existe, ninguém fica de fora. Se corroborar a ideia de que há abusos é logo conectado com o MpD. Pelo contrário, se jura que determinado preso se feriu sozinho na cela para poder incriminar a polícia terá que ser do PAICV. O esforço de desresponsabilização do Governo tem esse outro efeito de manter sempre crispada a sociedade. Nega factos e identifica politicamente quem ousa contradizer-lhe. Induz passividade na sociedade porque muitos acabam por ver que não vale a pena entrar no debate nacional e sair rotulado partidariamente. Todos se lembram das manifestações contra a Electra. Desapareceram logo que não foi possível esconder que quem geria a empresa era o Governo, e não os portugueses da EDP. Noutros países, tentativas do Governo de negar factos e acusar os outros de má fé são desarmadas pela comunicação social e por jornalistas cuja maior ambição é apanhar o Governo em falso e embaraça-lo com os factos. É só ver o entusiasmo com que as revelações do Wikileaks.Org foram retomadas em todo o mundo. Aqui em Cabo Verde, pelo contrário, órgãos de comunicação entram no jogo das conveniências. Prestam-se ao jogo de ignorar factos, centrando-se nas supostas motivações político-partidárias dos que civicamente contribuem para o debate nacional. Dessa forma, tais órgãos renegam a razão principal de existência da comunicação social que é de garantir informação completa aos cidadãos para que tenham opinião e realizem na plenitude a sua cidadania. Por todo o lado, questões como atropelo de direitos, torturas e abusos de polícia são tratadas com muita seriedade pela imprensa e escrutinadas até à exaustão pelos jornalistas. Isso porque todos sabem que o exercício das liberdades e particularmente da liberdade de expressão e de informação não se compagina com a tolerância para com abusos e arbitrariedades das autoridades.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Silêncio ensurdecedor

Segundo relatos na imprensa da semana passada, denúncias de torturas nas esquadras agora vêm de dentro da polícia. Oficiais superiores teriam publicamente, e na presença de um Procurador da República, chamado atenção para práticas de tortura. São denúncias que vêm corroborar declarações que têm sido feitas em vários pontos do território nacional. Do Governo, mais uma vez, não se ouviu nada. Não reage quando são cidadãos a questionar práticas policiais que infringem direitos fundamentais. Não reage quando o Procurador Geral da República revela que é alvo de "sucessivas investidas, ilegais e desproporcionais", de elementos da polícia. Agora não reage a denúncias públicas da própria polícia. É de se perguntar até onde vai o autismo e a postura de desresponsabilização do Governo sempre que confrontado com resultados menos positivos ou francamente negativos, como é o caso. Na cerimónia do aniversário da Polícia Nacional, o Sr Primeiro-Ministro optou por ignorar as insuficiências institucionais da polícia que a tornam quase impermeável a sindicâncias, fragilizam a sua relação com a comunidade e dificultam a revisão de procedimentos que podiam melhorar a eficácia operacional. Preferiu incidir sobre a suposta diminuição do índice de criminalidade por cima de toda a evidência em contrário e do crescente sentimento de insegurança das populações, particularmente na Praia, mas cada vez mais em S.Vicente, Sal e Boavista.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quem paga pelo ilusionismo?

O Presidente da República disse que o ano de 2011 será difícil para todos. Com tal declaração torna-se oficial no país que não há como contornar a crise e que há necessidade de repensar o país. Por isso o PR fala de um novo parlamento e de um novo governo a sair das eleições que marcou para a data mais próxima possível dentro do calendário eleitoral. O problema é que veio tarde o reconhecimento de que a crise financeira de 2008 alterava completamente o quadro económico global, com reflexos em todos os países do mundo. De facto, em Cabo Verde optou-se por esconder a realidade dos factos. O Governo negou-se completamente a rever as políticas e as práticas governativas que tinham impedido o país de aproveitar adequadamente as oportunidades durante o período do boom económico. Insistiu em fazer “o mais do mesmo”, entusiasmado com as linhas de crédito estendidas por Portugal e confiante na recuperação da economia mundial que alguns prognosticavam para segunda metade de 2010. A última metamorfose da crise em crise da dívida soberana, com particular impacto na Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha, afectando toda a zona euro, não serviu para o desviar da sua linha. Simplesmente aumentou a pressão da propaganda e entrou num frenesim de inaugurações e lançamento de pedras. A mensagem passada em todas as acções do Governo visou reforçar a ideia que Cabo verde contornava a crise perfeitamente. Os funcionários caboverdianos até podiam aspirar ao 13º mês enquanto funcionários em países como Grécia, Portugal Espanha França e Reino Unido sofriam cortes nos salários, subsídios e alterações de idade de reforma. Só há dias é que o Sr. Primeiro-Ministro veio desfazer o sonho de muitos que já sonhavam com um salário extra no fim do ano. A consequência de todo esse logro em que o país se viu apanhado nestes dois últimos anos é que não se discutiu o que fazer no pós crise. E certamente que não se vai fazer essa discussão durante a campanha eleitoral. O PAICV recusou-se a debater o país quando em todo o mundo se discutia o que fazer a seguir. Teimou em apresentar uma imagem providencial de quem blindou Cabo Verde contra a crise. Não vai durante o embate eleitoral pôr em causa essa sua imagem. O mais provável é que tal qual o ministro de informação do Iraque Mohammed Saeed al-Sahaf vai declarar que Cabo Verde vive o melhor dos mundos com as barragens feitas e por fazer, as centenas de quilómetros de estradas asfaltadas, as universidades e bolsas de estudos, os parques eólicos e fotovoltaicos e os “catamarans” que aí vêm. Por isso o apelo do PR veio tarde. As manobras de desresponsabilização do Governo e do PAICV ao longo de todo este tempo serviram para desarmar o país perante o que vem a seguir e que o PR já confirma que não vai ser fácil. Fácil para alguns será simplesmente deixar aos outros a tarefa de confrontar as dificuldades que irão surgir. Dificuldades agravadas por actos caros de ilusionismo, com reflexo na dívida pública, e pelo esforço de esconder a realidade dos factos que mereceu de outros responsáveis a cumplicidade institucional indispensável durante anos e meses a fio.