quinta-feira, 26 de maio de 2011

Quem tem razão?''

As sondagens da Afrosondagem a colocar no mesmo nível de intenção de voto os dois candidatos provenientes do PAICV indiciam uma divisão clara do eleitorado do Paicv. O facto do candidato escolhido estar em pé de igualdade com o candidato rejeitado abre um caminho para se determinar a posteriori quem realmente tinha razão: se era a maioria do Conselho Nacional do Paicv e o seu presidente Dr. José Maria Neves ou os são apoiantes do Dr. Aristides Lima.

A muito provável 1ª volta das eleições presidenciais já se configura como arena para se saber quem aos olhos do “povo” do paicv e do seu eleitorado goza de mais apoio. Os resultados das eleições vão ter consequências mais profundas do que as previsíveis á partida. Quem ganhar, além de provar-se certo nas suas opções vai arcar com a tarefa de reunir os militantes e simpatizantes para se fazer eleger na segunda volta. E isso todo esse recrudescer de actividade politica não deixará de se repercutir não só nas próximas eleições autárquicas como também na eleição da nova liderança no próximo congresso em 2013.

A vitória do candidato do presidente do partido reforçará o peso político do Primeiro Ministro e a sua capacidade em decidir candidaturas para as eleições autárquicas. Uma derrota não teria provavelmente consequências somente na governação. O anúncio de fim de carreira como PM pelo próprio, por muitos considerado prematuro, introduziu um factor “complicante”. Líderes que se põem a prazo ficam sujeitos a quebras catastróficas de confiança que podem deixá-los sem qualquer espaço para continuar.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 25 de Maio de 2011

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Cai o Pano

A renúncia de mandato da Dra. Isaura Gomes, Presidente da Câmara de S. Vicente, acabou por acontecer. Um desfecho de há muito esperado por adversários políticos. Repetidas suspeições, frequentes revelações bombásticas na imprensa e entrega a conta a gota de alegadas provas de corrupção acabaram por ter o seu efeito. Precipitaram um final após quebras prolongadas de saúde e ausências na liderança da câmara municipal.

As acções de desgaste tinham visivelmente mais natureza pessoal do que político. Para isso contribuiu a justiça sempre morosa em reunir os factos e em seguir o processo legal para encontrar culpados e ilibar inocentes. E em de vez de justiça assistiu-se a julgamentos na praça pública na sequência de operações policiais como o do cerco à câmara de S.Vicente e as muito publicitadas chamadas à PJ e ao Ministério Público para interrogatórios.

Na democracia espera-se que do confronto político e no jogo do contraditório alguns percam a confiança dos eleitores e espaço de manobra enquanto outros ganham capital político. A esfera pessoal dos que são chamados a servir nos cargos políticos não devia ser o alvo principal das investidas de adversários. Infelizmente, demasiadas vezes o é.

Para muitas mulheres essa é uma das razões para uma não participação política mais activa e mais competitiva. Mas o exemplo da dra. Isaura Gomes deve-se ver pela positiva. Sempre ousou. Por isso, o seu espírito combativo perdura na mente das pessoas e é um estímulo às jovens e menos jovens que procuram realizar-se em todas as esferas da vida pública e profissional.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 25 de Maio de 2011

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eleições presidenciais em tempo d´azágua

O presidente da república marcou as eleições presidenciais para o 7 de Agosto. A renovação do mandato dos titulares dos órgãos de soberania para actual quinquénio, iniciada com as eleições legislativas de 6 de Fevereiro ficará completa. O intervalo de 180 dias entre as duas eleições resulta da revisão constitucional de 2010. Com a separação entre as legislativas e as presidenciais pretendeu-se evitar o contágio entre uma eleição partidária e outra suprapartidária.

A entrada em vigor do novo texto constitucional em Maio de 2010 veio alterar o que até ao momento eram as expectativas quanto às datas para os certames eleitorais. Desde de 1991 que as eleições legislativas e presidenciais com a mesma periodicidade de cinco anos se verificam geralmente em Janeiro e Fevereiro respectivamente. A alteração das regras eleitorais por via da revisão constitucional, a menos dos dez meses previstos na Constituição de garantia de estabilidade da lei eleitoral, não foi completamente passiva. Para muitos a norma que separa temporalmente as duas eleições só deveria ser considerada nas eleições seguintes.

Entendeu-se diferente e a consequência imediata foi o prolongamento do mandato do presidente cessante. Prorrogação de mandatos de cargos políticos não é matéria tomada com ligeireza A legitimidade do exercício do poder em democracia implica a realização de eleições livres e plurais para cargos políticos cujos mandatos devem ser por “períodos certos, antecipadamente conhecidos”. Tentativas indevidas de prolongamentos de mandatos são condenadas, como alias já aconteceu em alguns países africanos e sul-americanos. Daí um certo desconforto em relação ao actual prolongamento. Não estava inicialmente previsto e parece demasiado longo. É o dobro do tempo que em regra a Constituição estipula para a realização de eleições em caso de vacatura e dissolução de órgãos políticos.

Os partidos políticos chamados pelo presidente da república para consulta manifestaram a preocupação com os constrangimentos que muitos eleitores no país e na diáspora poderão ter no seu exercício do direito do voto nos meses de Agosto e Setembro. Para os partidos o mês ideal seria Outubro. Findo o período de férias, potencialmente mais votantes iriam às urnas. Adiar para Outubro, porém, traria um custo suplementar em um prolongamento maior do mandato do presidente da república que poderia ir a quase oito meses.

Nas condições excepcionais para a realização das eleições criadas pela revisão de 2010 uma ponderação adequada teria que ser feita. Havia que conciliar a preocupação em criar todas condições para o exercício do direito voto com o princípio de mandato de tempo fixo. O presidente da república já no fim de dois termos e, provavelmente no fim de uma carreira política de várias décadas, não estará interessado em criar controvérsias de legitimidade com alongamento do mandato para além do prazo estabelecido.

A escolha que fez, 7 de de Agosto, parece ser a mais indicada para salvaguardar os direitos e princípios muitas vezes concorrentes que enformam a constituição da república. Em sede de revisão constitucional não se devia ter ignorado que ao estabelecer o período de separação de 180 dias as eleições presidenciais iriam necessariamente acontecer nos meses das águas, das férias e dos festivais de praia.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 18 de Maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Hipocrisia na política

A interferência dos partidos nas eleições presidenciais suprapartidárias torna-se cada vez maior. A alteração constitucional que separou em seis meses as eleições legislativas e presidencias não teve o efeito esperado de evitar o contágio que a proximidade dos dois momentos eleitorais propiciava. Pelo contrário o intervalo criado, talvez por ser longo, tem servido por um novo protagonismo partidário: Acossar outros candidatos que não receberam o beneplácito do respectivo partido.

No MpD a pressa levou à impugnação e à posição dúbia do Conselho de Jurisdição. No Paicv os ataques ao candidato Aristides Lima ganham um outro vigor. Para atingir o candidato chegou-se ao ponto de abrir a discussão sobre nº2 do artigo 383 do código eleitoral.

Enquanto o alvo era o Carlos Veiga negou-se que essa norma ditava a suspensão automática de funções para os titulares de órgãos de soberana que anunciam publicamente a sua candidatura presidencial. Então dizia-se que o momento para a suspensão era o da apresentação formal da candidatura ao STJ, após a marcação das eleições pelo Presidente da República. Agora, mudam-se os argumentos. Fustiga-se Aristides Lopes por não fazer o que antes se condenara Carlos Veiga por ter feito. Conveniência reina, e a hipocrisia não menos.

Curioso neste reabrir da discussão é a disponibilidades de vários juristas em nela participar. Ao longo de anos e até há poucos dias atrás perseguiu-se o Dr. Carlos Veiga com acusações de abandono do Governo. Foi matéria forte dos debates de campanha eleitoral apesar desde de 2000 existir jurisprudência constitucional a clarificar a questão. Nunca se ouviram outras vozes autorizadas a pronunciarem ou para se mudar a lei ou a para a confirmar, pondo fim ao seu uso como arma de arremesso político.

O rompimento do silêncio porque se mostrou conveniente atacar Aristides Lima deixa perceber aspectos preocupantes. Primeiro: persiste a cultura política de que a lei pode ser instrumentalizada. E segundo, que o debate não é livre e cumplicidades se constroem, com a ajuda da comunicação social, para omitir ou favorecer certas matérias seguindo certas agendas políticas. Em consequência, há tensão permanente entre o princípio do primado da lei e os resquícios de cultura revolucionária existentes. Outrossim nota-se que ainda é forte a tentação de se manipular memórias, de se rescrever permanentemente a história e de se retirar objectividade aos factos e trata-los como partes de uma narrativa construída segundo as conveniências do momento.

Vários estudiosos chamam a atenção pela tensão permanente que existe entre os valores da república e os valores da democracia. Se a vontade da maioria for deixada livre para se exprimir sem se sentir obrigada pelas leis e contornando as instituições pode constituir-se em ameaça grave para os indivíduos e para as próprias instituições. As eleições presidenciais em cabo Verde estão a ser desvirtuadas precisamente porque maiorias dentro dos partidos não olham a meios no seu esforço de partidarizar um cargo cuja natureza suprapartidária é fundamental para os “checks and balances” das instituições da república.

Os ataques de hoje acontecem porque ontem muitos se calaram quando manifestações sem controlo de maiorias atropelaram direitos e instituições. Estar presente como protagonistas principais nos primórdios da construção da república e das instituições democrática é um privilégio histórico que traz com ele uma grande responsabilidade. O legado que se deixa às gerações seguintes depende muito da atitude, convicções e postura adoptado em todos os momentos. Deixar-se guiar pela conveniência e sacrificar valores não é certamente o caminho a seguir. O que se semeia hoje, colhe-se amanhã.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 11 de Maio de 2011

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Para que o emprego deixe de ser uma miragem

Os últimos dados do INE retirados do Censo de 2010 põem o desemprego em Cabo Verde em 10,9%. O Governo regozija-se com a notícia. Afinal quase atingiu a meta prometida de um dígito no desemprego. Mas o cepticismo é geral. Trabalhadores, sindicatos e partidos de oposição dizem que os dados não coadunam com a realidade social vivida nas ilhas. De facto ninguém compreende como é que com o fraco crescimento dos últimos anos o desemprego caiu para esse nível histórico.

Cabo Verde sempre viveu com desemprego estrutural a taxas por todos aceites como sendo superiores 20%. Daí a pobreza das populações no meio rural e nas cinturas periféricas urbanas e a vontade de emigrar que leva para o estrangeiro muito da energia e capacidade dos mais jovens. A opção feita no Cabo Verde independente por uma economia de reciclagem da ajuda externa não permitiu a criação de um número suficiente de empregos capaz inverter a situação.

Exportar bens e serviços, a estratégia adoptada por outras pequenas economias, por exemplo as Maurícias, para a criação rápida de milhares de postos de trabalho nunca mereceu a devida atenção dos governantes. Quando se fez algo nesse sentido o desemprego caiu para valores mais baixos de sempre, 17% no ano 2000. Também a dinâmica de criação de postos de trabalho no turismo e da imobiliária turística, em consequência do influxo de capitais nos dois anos antes da Crise de 2008, serviu para demonstrar que a resposta para situação do desemprego no país são investimentos que o coloquem na posição de ser competitivo no fornecimento de bens e serviços a mercados globais.

A problemática do emprego ganha hoje nuances ainda mais complicadas. Por um lado, o fim do Sistema Geral de Preferências em 2005 e a ascensão da China como centro mundial de manufactura reduziram as oportunidades oferecidas anteriormente pelas indústrias de mão-de-obra intensiva deslocalizadas. Por outro, a generalização do ensino secundário e universitário trouxe o problema de emprego compatível com a formação adquirida e as expectativas criadas. Os jovens em particular ficam numa espécie de limbo. Não encontram o trabalho desejado e recusam o que existe.

O Governo no seu Programa propõe-se reunir o Estado, os sindicatos e o patronato num Pacto para o Emprego. Vem tarde. A convergência de vontades já devia existir há muito como aliás foi sugerida pela Oposição quando ainda eram reais as oportunidades oferecidas pelas indústrias voltadas para a exportação. Em 2013 Cabo Verde terá que assumir em pleno o estatuto de País de Rendimento Médio com perda de vantagens nos financiamentos concessionais e no acesso a mercados preferenciais. E não está preparado. Na vigência dessas vantagens não fez o suficiente para ultrapassar os obstáculos a um crescimento criador de emprego.

No sector de serviços poderá residir um grande potencial de criação de emprego. Irá depender muito da capacidade de se criar no país uma cultura de serviço com as competências certas para o mundo de hoje. O domínio de línguas é essencial. Uma aposta que certamente tem futuro é no sector de cuidados de saúde. Há uma procura global nessa área e localmente muito do turismo e da imobiliária ganharia com a existência de gente devidamente formada e certificada.

Para o sucesso em fazer crescer o país com emprego de qualidade há que se adoptar uma nova atitude. Das autoridades em especial espera-se que se inverta a política de aumentar a dependência em relação ao Estado e haja mais reconhecimento do mérito e mais compensação pelo esforço e iniciativa das pessoas.

Editorial do Jornal Expresso das ilhas de 4 de Maio de 2011