sábado, 30 de outubro de 2010

Falsidades marcam discurso político

Durante toda esta semana o PAICV, no Governo e no grupo parlamentar, tem feito campanha permanente de desinformação acerca do Debate sobre a Situação da Justiça. O sr Primeiro-Ministro e o Líder do Grupo Parlamentar em especial têm sido os protagonistas nessa campanha. Campanha essa que não visa só descredibilizar a oposição. É também para lançar o descrédito sobre o parlamento e a democracia parlamentar. O Debate sobre a Situação da Justiça é consagrada pela constituição no art 181 alínea d) como primeiro acto do parlamento no início de cada sessão legislativa que começa a 1 de Outubro. Para isso, o Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ) deve apresentar o seu relatório até 31 de Julho, diz o regimento da Assembleia Nacional. Com o relatório do CSMJ entre mãos, e após a revisão constitucional de 2010 também com o relatório do Conselho Superior do Ministério público (CSMP), a a Comissão Especializada dos Assuntos Jurídicos e Constitucionais, deve proceder a audições extensivas de entidades envolvidas no sistema de justiça. O objectivo dessas audições é propiciar ao Plenário da A N informações sobre todos os aspectos que dizem respeito à justiça de forma a que o debate seja mais rico e profícuo. São feitas audições ao Presidente do CSMJ, que também é presidente do Supremo Tribunal, ao Procurador Geral da República, ao Ministro da Justiça, ao Bastonário da Ordem dos Advogados. Já aconteceu que audições de entidades abrangeram directores da Polícia Judiciária, da Polícia Nacional e do Presidente do Sindicato dos Juízes. Neste ano, o último da legislatura, a maioria na Comissão Especializada não quis fazer as audições e decidiu, “à pressa”, fazer um resumo e apresentá-lo ao Plenário. Tão á pressa que não viu que o suposto relatório do Conselho Superior do Ministério Público era afinal o relatório do Procurador Geral da República, como o próprio confirmou no programa Discurso Directo da RCV de segunda-feira, dia 25. Também não verificou que a data de despacho do Presidente da A N era de 20 de Outubro quando o relatório só foi entregue ao presidente no dia 21, quinta-feira. Os atrasos na aprovação da Ordem do Dia têm origem nas irregularidades referidas e no facto do parlamento ter recebido o relatório que não era o mandatado pela Constituição. O aproveitamento político pela maioria das consequências de falhas cometidas pelos seus representantes nos órgãos da Assembleia Nacional permitem legitimamente perguntar se não foram deliberadas. O mesmo padrão de comportamento verificou-se depois quando, no decorrer do debate, o 1º Vice-Presidente, que então presidia a Mesa, interrompeu os trabalhos, dizendo que se continuaria no dia seguinte , em claro atropelo do nº 4 do artigo 238º do Regimento: "O debate sobre a situação da justiça não pode, em caso algum, exceder uma reunião plenária". O MpD reagiu reafirmando a importância de se cumprir o Regimento. O PAICV não só não viu qualquer problema em passar por cima da norma regimental como aproveitou para mais uma vez recitar o refrão de que a oposição não quer debater. O Primeiro-Ministro disse mesmo que o MpD, refugia-se em "questiúnculas políticas para fugir ao debate e ao confronto de ideias sobre a situação do país". Declarações falsas, como facilmente pode-se se verificar. Nas quase três horas de debate na segunda feira, não obstante o pouco tempo da bancada do MpD, intervieram quatro deputados. Do outro lado, com quase o dobro do tempo, participaram no debate três deputados do PAICV e dois membros do Governo, o PM e a Ministra de Justiça. A falsidade, dita tão frontalmente, revela muito de como o PACV vem lidando com a sociedade caboverdiana. Falta a verdade na cara das pessoas e desafia-as a dizer que está a mentir.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

PGR ressalta tensões entre MP e polícia criminal

O relatório do Ministério Público, apresentado ao parlamento no âmbito do debate sobre a situação da justiça, revelou situações de tensão e mesmo de hostilidade de sectores da polícia criminal (Polícia Nacional e Polícia Judiciária) para com o Ministério Público e o próprio Procurador-Geral da República. Segundo o relatório, ao Ministério Público são dados pela Constituição e pela Lei poderes para “avaliar se a denúncia constitui ou não uma notícia de crime e decidir em função disso se é de abrir, ou não, instrução” e também para exercer fiscalização “externa” da actividade policial. O problema é que alguns órgãos de polícia fazem “crítica aberta à acção de fiscalização cometida às autoridades judiciárias, em afirmações que se traduzem numa espécie de desjudicialização ou policialização do processo penal. O ambiente entre o MP e a polícia criminal atingiu o ponto mais baixo no cerco feito ao Tribunal da Praia no dia 12 de Março de 2008 “por um grupo de elementos da Polícia Nacional – de que faziam parte agentes, subchefes e oficiais superiores - …, sequestrando magistrados e funcionários”. A razão era a prisão preventiva de um agente policial que depois de julgado no Tribunal de Instância e no Supremo Tribunal de Justiça foi sentenciado a 16 anos de cadeia por homicídio agravado por motivo fútil. A partir daí, segundo o relatório do MP, o Procurador-Geral da República tem sido sujeito “a sucessivas investidas, ilegais e desproporcionais de elementos da Polícia criminal”. As tensões entre esses órgãos de luta contra o crime têm outras razões designadamente o facto de a "polícia não compreender que quando desempenha a função de coadjuvar as autoridades judiciárias não está, e não pode estar, na dependência do componente membro do Governo". Confrontado como essa questão no Parlamento, a Ministra não se dignou pronunciar. Por aí, logo se percebeu por quê os equívocos persistem. Uma outra razão para as tensões é a falta de formação dos agentes policiais que se manifestam nas deficiências em matéria de direito probatório material e das técnicas de recolha e produção de provas lícitas em processo penal. O resultado é que “as investigações levadas a cabo pela Polícia Nacional traduzem-se numa percentagem preocupante, em provas nulas. Com tamanho desperdício de recursos e com eficácia das acções anti-crime comprometida por causa de hostilidade aberta entre agentes do Estado não estranha a insegurança e a sensação de muitos que Justiça é-lhes denegada. A passividade do Governo, que tem a tutela das polícias, perante o que configura ataques contra o PGR não tem qualificação. O mesmo se poderá dizer da indiferença dos outros órgãos de soberania. Não é aceitável que não se tomem medidas rápidas e decisivas para pôr cobro esta situação e criar um ambiente de cooperação entre instituições-chave do Estado na luta contra o crime e em defesa da legalidade.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Prosperidade enganosa?

Inaugurado o Centro de Inspecção e Conservação de Produtos Agrícolas, o Governo anunciou logo um futuro de prosperidade para a ilha de Santo Antão. Segundo o Primeiro-Ministro, Santo Antão já pode contar com os mercados do Sal e da Boavista que já “recebem mais de 350 mil pessoas e em 2013 prevê-se mais de um milhão”. Na ânsia de mostrar resultados, pretendeu esquecer os enormes obstáculos que ainda subsistem. O Centro parece que ainda não dá garantia completa quanto aos mil-pés. Só assim se pode explicar que pelo Decreto-lei 41/2010 de 27 de Setembro se continue a impedir os produtos de Santo Antão de serem enviados para a cidade da Praia, o maior mercado do país. Também não se equaciona o problema de S.Vicente cujos produtos também constam do embargo. Anos atrás, gorou-se um negócio de exportação de flores a partir dessa ilha por causa disso. Resulta daí que produtos vindos do Porto Novo e que se dirigem para outras ilhas, via S.Vicente, podem correr o risco de contaminação. Um outro aspecto é a questão de saber quem vai pagar o condicionamento dos produtos. Os custos acrescidos poderão tornar ainda menos competitivos os produtos de Santo Antão nas ilhas do Sal e Boa Vista onde têm de enfrentar produtos importados directamente do exterior. O turismo nessas ilhas depende muito do sistema all incluse que, por definição, é altamente integrado, abarcando todos os aspectos da operação. Com os turistas chegam produtos já com qualidade e aparência a satisfazer standards elevados de qualidade e apresentação. Competir, nessas condições, não é nada fácil. A penetração dos produtos de Santo Antão vai exigir uma estratégia de comercialização que passe provavelmente pela identificação de nichos de mercado vantajosos. Com ainda muito por fazer, o entusiasmo do Governo mais parece outro exercício do ilusionismo que vem procurando gerir as expectativas da população em período pré eleitoral.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Justiça: ao sabor das conveniências

A revisão constitucional de Novembro de 1999 introduziu mudanças transformacionais na Justiça. Criou o Tribunal Constitucional (TC) e determinou que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) fosse por concurso público. Passados dez anos ainda está por ser instalado o TC e por aprovar a lei que define o novo regime de acesso ao tribunal superior judicial. O STJ, agora com sete membros, tem três juízes nomeados por órgãos de poder político. E tudo indica que assim vai-se manter por mais três anos. Pode-se concluir que, no que respeita ao cumprimento do comando constitucional, esta década foi uma década perdida para justiça. Isso não significa que nada se fez no sector. Nem podia ser, visto que fundos públicos foram canalizados para modernizar as estruturas da justiça e promover a formação dos agentes. A cooperação internacional continua activa e é visível nos investimentos feitos no combate à criminalidade organizada e ao narcotráfico. E o processo de adequação da legislação á Constituição ao nível penal e de processo penal foi terminado e aprovados os respectivos códigos. Um novo código civil está em processo de adopção e preparado para entrar em vigor no próximo ano Não obstante todos esses desenvolvimentos, é consenso geral que a justiça não atingiu os resultados desejados. A morosidade na administração da Justiça configura para muitos simples denegação da Justiça. E consequências disso fazem-se sentir ao nível de defesa de direitos, individuais, proprietários e contratuais, na competitividade do país e na manutenção da harmonia e coesão social. Num outro aspecto em que não se conseguiu cumprir os desígnios constitucionais foi em terminar com as nomeações políticas dos juízes com vista ao aprofundamento da independência dos tribunais. A acção do Governo e da maioria, que o suporta, durante toda esta década, tem sido marcada por bloqueios, fugas em frente e golpes de força. Em 2003 e 2008 podia-se ter adequado as estruturas do poder judicial à revisão constitucional de 1999. Nos dois casos o PAICV manobrou e conseguiu que juízes do STJ fossem nomeados por políticos. O pacote de leis da Justiça, apresentado em Outubro de 2008, vinha com a intenção de manter indefinidamente a nomeação de um juiz do STJ pelo Presidente da República. A necessidade de se fazer uma revisão constitucional antes de avançar com essas leis não foi aceite pelo Governo até ter sido forçada pelo MpD. Felizmente, hoje, todos reconhecem a justeza da via seguida. Obstáculos no caminho de um poder judicial independente e autónomo não desapareceram apesar do acordo chegado pelos partidos, em sede de revisão. Na sessão da Assembleia Nacional de Outubro vai ser discutido o pacote de Justiça, mas como bem chamou a atenção o Bastonário da Ordem dos Advogados, faltam “o estatuto do Conselho Superior de Magistratura Judicial, a lei da Autonomia Administrativa e Financeira dos Tribunais e a li das Inspecções Judiciais”. Precisamente, as leis que marcadamente traduzem as alterações feitas na Constituição sobre a independência e autonomia do Poder judicial e que todos, incluindo o Governo, dizem aclamar. O Sr. Presidente da República, na cerimónia do início do novo ano judicial, apelou aos deputados que aprovassem o actual pacote de leis. Esqueceu-se talvez de chamar a atenção dos legisladores para o dever de cumprimento pleno da Constituição, o que obriga a considerar prioridades legislativas na estruturação do novo sistema. E este não é o primeiro caso. Já no domínio da comunicação social viu-se como o Governo e a sua maioria parlamentar ignoraram a criação da Autoridade Independente na revisão constitucional e impuseram novas leis. Na Justiça também parece que não priorizam o enquadramento legal das novas competências do Conselho Superior de Magistratura e a materialização d autonomia administrativa e financeira dos tribunais. As muitas transferências feitas nas secretarias judicias também sugerem acções do Governo em antecipação da passagem da gestão do pessoal administrativo dos tribunais para o CSM. São acções que não abonam da boa fé do Governo e que mostram que tem havido muita distância entre o que se diz e o que se faz em matéria de Justiça. O núcleo de serviços internos do Supremo Tribunal de Justiça, essenciais para a produtividade e qualidade do trabalho do STJ, depois de criados em 2005 só 4 anos depois foram dotados de verbas. Diz-se que se quer fazer e sonegam-se os meios ou age-se para esvaziar de conteúdo o acordado. Por tudo o que foi dito comprova-se que na luta por uma Justiça célere, de qualidade e livre de interferências políticas, esta década foi uma década perdida. O edifício judicial novo só vai poder ser construído a partir do próximo ano, e isso se até lá as outras leis estruturantes forem discutidas e aprovadas. Os Tribunais de Relação vão ter que esperar mais três anos e STJ só vai ter juízes sem o fardo da nomeação política também daqui a três anos. O Governo investiu na Justiça. Mas as suas conveniências políticas impediram-no de o transformar. Os resultados estão aí para todos verem. E dez anos foram perdidos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

MCA. Possível ultrapassar espírito de ajuda?

Com grande pompa e circunstância fez-se a inauguração do que se está a chamar de primeira fase das obras do porto da Praia. Inicialmente, fundos do MCA no valor de 53 milhões de dólares foram destinados a colocar o porto numa posição em que poderia manejar com maior eficiência não só os navios que o escalam como os contentores descarregados. Também estaria em melhor posição de servir os seus muitos utentes, porque as operações portuárias seriam garantidas por operadores privados. Bom, chegado ao fim do projecto MCA, a eficiência do porto no manejo de navios não se alterou porque não se construiu o quebra-mar previsto para conter os efeitos da calema e não se aumentou o cais nº1 como tinha ficado assente no acordo assinado com o MCC em Junho de 2005 (pgs. 70-71). Também a privatização nos últimos cinco anos não deu um passo significativo. Para o MCC essa era a condição sine qua non para o sucesso do projecto. Até estipulavam no acordo que não haveria desembolso sem passos visíveis nesse domínio. Inaugurou-se sem o quebra-mar e sem o cais estendido e com a velha ENAPOR na gestão do espaço. Não é à toa que muitos se mostram cépticos quanto aos ganhos reais de tudo isso. O próprio Daniel Yohannes teve que reafirmar no seu discurso que coloca a iniciativa privada no centro de uma estratégia de crescimento. Teve necessidade de fazer isso talvez porque é notório como o programa do MCA acabou por não diferenciar muito dos muitos programas de ajuda com que o Governo já lidou. Inicialmente, o acordo previa gastos directos no valor de 7 milhões de dólares para imprimir uma nova dinâmica ao sector privado nacional. A maior parte foi desviada para as estradas do Governo. Dos 7 milhões só 1,9 milhões foram colados no sector privado. Isto é, nas micro-finanças onde o Governo já sabe como fazer para desenvolver os seus projectos de estimação. Não é à toa também que a questão da privatização das operações portuárias tenha sido adiada sine die. O Governo sabe como contornar pretensões dos estrangeiros em tentar ir além da ajuda tradicional. Eles, por outro lado, contentam-se com algum sucesso em mudar atitudes. As suas expectativas são baixas mesmo nos países que reconhecem ter good governance, mas em África. Uns e outros ajustam-se nos respectivos propósitos. O país é que fica preso na ratoeira do espírito de ajuda e não desenvolve a atitude certa para pensar que pode ser próspero com dignidade e sem pedinchar ninguém.

sábado, 23 de outubro de 2010

Criminalizando a Oposição

Continua a ofensiva do PAICV em desqualificar, à partida, o MpD como candidato nas eleições de 2011 e a governo nos próximos cinco anos. Em conferência de imprensa ontem dia 22, o Secretário-geral desse partido denunciou nestes termos o que chamou gastos exagerados na pré-campanha:

“O MpD gasta rios de dinheiros e faz ostentações exageradas em tempo anterior à pré-campanha eleitoral”. São absurdos os “sinais exteriores” de um financiamento que não se explica, nem se compreende, em se tratando de um partido “com dívidas malparadas e crédito bancário condicionado”.

A imagem dos irmãos Metralha, que acompanha o texto no site do PAICV, mostra que esse partido não está a interrogar-se sobre nada. Está a acusar. Mas, como é da sua natureza, depois de acusar, esconde-se. Diz que a sua reacção deve-se ao facto de ser um “assunto que tem melindrado a opinião pública e tem dado azo a questionamentos na imprensa”. Quanto à imprensa, ninguém tem dúvidas sobre quem anda, há algumas semanas, a falar de dinheiros, de narcotráfico, de vendas de terrenos e até de sabotagem na Electra, sempre procurando envolver figuras e partidos da Oposição. Até parece que a conferência de imprensa do PAICV de sexta-feira foi planeada para coincidir com manchetes de jornal repisando isso tudo. Não interessam as negas da Administração da Electra quanto à sabotagem e as declarações do Procurador-Geral dizendo que “não recebeu qualquer pedido formal” do Governo ou da Electra para investigar. Interessa, sim, criminalizar a Oposição aos olhos da comunidade internacional e dos caboverdianos. É a democracia à moda do PAICV. À moda da uma cultura política que teima em não diferir muito das que ou internam em hospital psiquiátrico os críticos, dissidentes e adversários políticos ou os põe na cadeia por actividades criminosas.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Dose reforçada de hipocrisia

O PAICV, no noticiário 13-14 da RCV de hoje, veio com uma dose mais reforçada da hipocrisia que costuma lidar com os caboverdianos. Estava a responder à critica de muitos, designadamente deste blogue, pela forma como o Governo se cola na cooperação internacional e nos seus representantes para efeitos eleitorais e extrair dividendos na luta política. Algo que é feito aos olhos de todos e passado todos os dias na televisão pública. Muita hipocrisia permite ao PAICV vir, na cara de todos, dizer que não é assim. E é com cinismo que recua nas suas responsabilidades quando sabe que é o Governo quem, muitas vezes, coloca representantes diplomáticos em situações embaraçosas. Mas a intervenção é também toda ela parte da guerra sem quartel que move contra os adversários políticos. A acusação de serem contra as parcerias é para demonstrar à comunidade internacional que a Oposição não é credível e não merece governar. Conseguida a simpatia dos membros dessa comunidade, é usá-la para provar ao povo de Cabo Verde que só eles são aceites pelos países e instituições estrangeiras. O problema é que todos vêem o que se passa. E tudo não pode ser reduzido a tricas políticas. Há questões de decência, de verdade e de honestidade nas relações políticas que não devem ser ultrapassadas. Um testemunho insuspeito do que se passa nesta matéria é dado pela jornalista Margarida Fontes no seu blog, num “post” de 19 de Outubro de 2010:

Semanas antes do debate parlamentar sobre o Estado da Nacão, numa investida de propaganda sem precedentes, o Governo produziu programas televisivos mostrando trabalhos de ministério a ministério; na mesma senda, os embaixadores (na contramão da diplomacia) apareceram no programa palaciano, em fila de rosário, tecendo rasgados elogios a Cabo Verde, sub-entende-se governação de José Maria Neves. Em toda essa empreitada, não adivinhava o governo que estava a dar um tiro no pé (em democracia actos do género são um tiro no pé, porque a reacção não tarda e o efeito se desarma). O mais insólito desta sanha política foi a ideia de eleger os embaixadores como vozes da legitimação do sucesso governativo, e eco do prestígio internacional. Algumas embaixadoras ainda hoje aparecem na imprensa, mais do que qualquer ministro, candidato, artista ou cidadão deste país... O fim da missão da embaixadora dos EUA contribuiu para diminuir a intensidade do desfile. Em nenhuma outra missão da sua vida futura, Marianne Myles dará tantas entrevistas. Justiça seja feita à contenção da diplomacia francesa.

Perdas de representatividade e diversidade

Com a publicação, no dia 13 de Outubro, dos dados definitivos do recenseamento eleitoral ficou oficial: S. Antão e Fogo perderam dois e um deputado respectivamente. Sal e Santiago-Sul ganharam respectivamente 1 e dois deputados. A perda de representividade de algumas ilhas a favor de regiões e outras ilhas têm subjacente uma realidade mais dura de perda de população que não se confina ao caso citado. S. Nicolau é o caso mais flagrante de migrações que já ameaçam colocar a ilha num espiral acelerado descendente. Por falta de massa crítica, os transportes começam a rarear-se, lojas fecham-se, jovens saem à procura de oportunidades, a agricultura estrangula-se com falta de mão-de-obra, a população envelhece, etc. No sentido oposto a cidade da Praia denota um crescimento exponencial que atrai cada vez mais pessoas, negócios e aventureiros. Um crescimento que põe pressão excessiva sobre os recursos da Ilha e sobrecarrega sistemas como o eléctrico, água e saneamento. Para não falar na situação habitacional crónica que cria nas cintura urbana bairros degradados onde a pobreza coexiste com o crime, a insegurança, a insalubridade e o desemprego. Tudo isto vem passando há vários anos sem que o Governo arrede um passo na sua política centralizadora. Uma política que despovoa ilhas, rouba o país a sua diversidade e nega às ilhas a energia dinamizadora e criativa da parte da sua juventude forçada a deixar a sua ilha e a relocalizar-se na Praia por falta de oportunidades. A crise veio mostrar o quanto é que se falhou em garantir ao país harmonia e equilíbrio. A máquina centralizadora do espaço e o espírito controlador do Governo bloqueou projectos noutras ilhas que podiam ter reequilibrado o país. Quando as oportunidades esfumaram-se o único ponto do território nacional que ficou com alguma dinâmica foi a cidade da Praia. A presença do Estado, com toda a grande fatia de consumo que comanda e arrasta, garante dinâmica em vários sectores. Só que os custos são terríveis mas muito desadequadamente assumidos pelo Governo. A primeira tentação é passar a culpa aos outros. Depois, faz investimentos futuristas como a circular da Praia para contornar os problemas criados. Não funcionam mas mesmo assim insiste em localizar tudo na capital, acelerando ainda mais o seu crescimento. É um círculo vicioso alimentado pela ausência de estratégia de desenvolvimento, mas que responde às necessidades de uma cultura política controleira e centralizadora que cada vez mais vem retirando ao país a vitalidade e a criatividade que advém da diversidade. Diversidade que só é possível com economias funcionais e prósperas em todas as ilhas.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Going native

A visibilidade dos membros do corpo diplomático em Cabo Verde parece às vezes excessiva. Atinge o limiar do aceitável no caso da intromissão da embaixadora de Portugal na política local, da forma como foi apresentada por um semanário da praça. Segundo o jornal, a embaixadora entende que o seu país e governo estão a ser vítimas de uma campanha despropositada e insidiosa. Por quem? Segundo ainda o mesmo jornal, por sectores políticos e empresariais próximos da oposição. O confronto aí esboçado é no mínimo insólito. A oposição nas democracias não culpa países estrangeiros pelos acordos assinados pelo governo. Podem criticar o timing das decisões, questionar estratégias negociais e discordar dos termos do acordo. As autoridades estrangeiras não reagem à crítica porque sabem que negoceiam com o governo legítimo da república. A chamada à responsabilidade feita pela oposição é uma questão interna. Não há crise aí. Por isso é estranho que representantes diplomáticos deixem-se envolver, desafiando “quem quer que seja a desmenti-la”. Os excessos de visibilidade e protagonismo a raiar o exagero eram acidentes à espera de acontecer, como está-se a verificar neste caso. E as razões são claras. A importância que a rádio e, particularmente, a televisão dão à entrega de doações e aos actos de colagem do Governo à cooperação internacional acabam por imprimir forte protagonismo aos embaixadores. A dependência da ajuda externa faz da interacção estreita com os sectores diplomáticos de países doadores um aspecto central da governação. A proximidade não tem só aspectos positivos de facilitar relações. Pode e dá azo a vícios diversos. Aliás a regra na generalidade das chancelarias é que o diplomata só se mantém no posto por dois ou três anos. Isso para se evitar que o diplomata se torne nativo, ou seja, se confunda de tal forma com os locais que deixe de ser um observador e analista com algum distanciamento das políticas nacionais. Esse perigo revela-se maior em Cabo Verde talvez porque o meio é pequeno e acolhedor. Diplomatas mais facilmente ficam enredadas na malha de relações pessoais e sociais e susceptíveis a lobbies político-partidários. A insistência do governo em se reclamar como único credível para dirigir o país tem consequências perversas: por um lado esforça-se por demonstrar que é o preferido doutros países e dos organismos internacionais. Daí a forte colagem aos seus representantes. Por outro, não se inibe de desacreditar os adversários políticos e de fazer crer à população de que a cooperação internacional não os vê com bom olhos. Em todo este processo lisonjeia, dá protagonismo e cria oportunidades de grande visibilidade aos representantes diplomáticos. Um dia havia que surgir alguém que, em plena campanha pré-eleitoral, tomasse partido no confronto entre a oposição e o Governo sobre questões centrais da vida nacional: a dívida pública, o défice orçamental, a política empresarial, as prioridades na infra-estruturação do país, etc. E aconteceu.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Quem simula não muda

A abertura do ano político do PAICV tinha todos os sinais do déjà vu. O partido vê a sua relação com Cabo Verde no quadro de uma narrativa de sentido único. Tudo o que o país tem, deve-se-lhe a ele: a independência, a identidade nacional, o desenvolvimento, a democracia etc. Por isso acha-se credor de gratidão eterna dos cabo-verdianos. Em consequência só ele tem direito a governar e só ele conhece e defende os interesses de Cabo Verde. Numa palavra, só ele tem credibilidade, significando legitimidade, para conduzir o país. Quando membros do Governo proclamam vezes sem conta que credibilidade é um recurso do país, estão a referir-se a si próprios e ao seu partido . Não estão a dizer que as instituições do país, independentemente de quem as dirige no momento, são credíveis. Aliás, por conveniência, até podem não se importar muito com a credibilidade das instituições. Pelo BO de 12 Maio de 2010 vê-se como o Governo sujeitou o Banco Central, que deve ser e parecer independente, a ficar gerido por administradores com mandatos por renovar durante três anos.O próprio governador do BCV ficou quase um ano à espera de ver o mandato reconfirmado. No ataque aos adversários não deixam dúvidas quanto ao significado que dão à credibilidade. A postura oficial é, sob capa de credibilidade, negar legitimidade aos adversários e manobrar-se para mostrar aos outros, designadamente à comunidade internacional, que eles não merecem reconhecimento como possíveis partidos do governo. Daí os artigos e intervenções insidiosos quanto à ligação dos partidos ao narcotráfico que convenientemente aparecem em período pré-eleitoral. Na frente interna instila-se na mente da população que vital para o país é a cooperação internacional e que países e instituições estrangeiras só no PAICV confiam. Esforçam-se por fazer crer que a União Europeia e os Estados Unidos não vêem credibilidade no MpD. Ou seja, precisamente no partido que dotou o país, saído de um regime totalitário, de uma Constituição moderna, edificou as instituições da democracia, procedeu à reestruturação de economia, deixando para trás um sistema estatizado, e abriu caminho para o mercado e para iniciativa privada. Surreal, mas insistem e citam a derrapagem financeira dos ultimos meses do ano 2000 derivado do duplo choque externo da subida do dólar e do aumento rápido dos preços do petróleo. Derrapapgem a que, na época, não escaparam vários países, entre os quais, as Maurícias e Portugal. Isso não retira credibilidade a nenhum país. Muito menos ainda se se considerar que no momento Cabo Verde vivia o período de maior crescimento na sua história e tinha atingido o nível de desemprego mais baixo de sempre. Países como a Polónia, República Checa, Hungria e os Bálticos tiveram no processo de construção da democracia e da reestruturação da economia recessões, crescimentos negativos, desemprego. Ao longo de todo o processo, partidos ganharam e perderam eleições. Mas ninguém falou em perda de credibilidade do país. A poderosa Alemanha ainda hoje paga a factura da absorpção da sua parte oriental comunista. Só o PAICV é que pensa que se pode reestruturar sem custos políticas económicas estatizantes, sufocadoras da inciativa privada e bloqueadoras do investimento externo implementadas durante 15 anos. Mas isso já se sabe: é para não pedir desculpas e para não se responsabilizar por nada que acontece de mal ou de menos bom ao país. Por isso, também, continua a não ver custos na sua ideia que governar significa ir buscar recursos lá fora e distribui-los reproduzindo dependências várias, nomeadamente: 1- As pessoas e a sociedade em vez de se concentrarem no "como" criar riqueza esperam benesses de fora ou de dentro mas sempre via o Estado e seus tentáculos. 2- A comunicação social pública renega o serviço libertador que devia prestar à comunidade com a cobertura sistemática e exaustiva desses eventos ritualísticos de paternalismo e dependência. 3- Todo o aparelho do Estado orienta-se para suportar a tarefa do Governo de captar fundos e distribui-los. É ineficiente e pouco sensível no lidar com as empresas e iniciativas individuais na produção nacional . Também, pela mesma razão, desperdiça recursos e oportunidades e não arrepia caminho mesmo quando é evidente que o modelo de governar e dirigir a economia está na origem do crescimento anémico e desemprego persistente acima dos 20%.

Gaffes de fim de percurso

“Quem está dizer que o ensino em cabo verde não tem qualidade está a ofender a classe docente!” disse peremptoriamente na televisão nacional o Primeiro-ministro José Maria Neves, a partir de S. Filipe, ilha do Fogo. Com essa acusação, o PM acha que responde às preocupações das pessoas, famílias, empresas e dos próprios professores quanto ao nível educacional das crianças, jovens e trabalhadores que todos vêem a cair ano após ano. Recorrendo a esse estratagema, o PM, e o ministro da Educação que o secundou nessa acusação estão a dizer várias coisas aos seus interlocutores e à Nação: ou não reconheçam o problema, ou não sabem lidar com ele ou então não têm que se justificar perante ninguém. O contra ataque desferido é uma espécie de fuga à responsabilidade e manifestação de vontade em manipular sentimentos de auto estima de outrem (a classe de professores) em proveito próprio. A qualidade de ensino é uma preocupação não só em Cabo Verde como em todo o mundo. O sucesso no estádio de desenvolvimento em que Cabo Verde e muitos outros países se encontram exige maior eficiência no mercado, no sistema financeiros e no uso das infra-estruturas e dos recursos humanos. E isso só é possível com maior qualidade de ensino. A necessidade de maior qualidade far-se-á sentir ainda mais no estádio seguinte de desenvolvimento no qual o motor é a inovação. E não se pode preparar para isso amanhã. Tem que ser é “ontem”. Por isso é que o PM, a persistir nesse tipo de discurso político, está a desqualificar-se para continuar a governar. Não vê o futuro do país. Só vê o amanhã da vitória nas eleições. E com essa perspectiva estreita, mostra-se disposto a usar todo o tipo de estratagema para fazer da governação um acto de ilusionismo do qual as pessoas só irão despertar após as eleições. Qualquer dia ainda se vai ouvir que uma chamada de atenção deixada nas caixas de reclamações das repartições públicas constitui uma ofensa a todos os funcionários que aí trabalham.

Comités contra Ministro

Sente-se no ar que a novela do email do funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros teve outros episódios. Na imprensa local, sinais vários dão conta da luta surda que se passa nos bastidores. Alguns continuam a insistir contra evidência rapidamente verificável que o funcionário é diplomata para tornar mais grave a situação. A vontade flagrante em desinformar levou o Dr. Corsino Tolentino no “Visão Global” a dizer claro e bom som que a pessoa em causa não é diplomata. A posição ponderada do Ministro Brito em não se deixar arrastar pelos pedidos de “sangue” dos comités, tornou estridentes algumas vozes a pedir a sua demissão. Esta pseudo crise dá conta das consequências do esforço de partidarização da Administração Pública. Por um lado, é a perseguição de funcionários não afectos ao partido e a promoção de ex-candidatos e de futuros candidatos a pleitos eleitorais. Vê-se isso na relativa pouca idade de muitos altos dirigentes da administração pública. As nomeações pouco têm a ver com o mérito próprio. Por outro lado, são as dificuldades na execução de decisões ministeriais. Em certas circunstâncias fica-se com a impressão que não há acordo entre ministros e dirigentes... e tudo pára. Parece que partido está mais democrático e os ministros já não têm tanta ascendência sobre os dirigentes do partido que nomeiam para as direcções gerais e para as instituições e empresas do Estado. O resultado é a ineficiência do Estado que todos constatam e de que particularmente se queixam as empresas. A revolta quase pública das bases contra o ministro demonstra o quão longe se foi nessa degradação e como pernicioso se tornou o controle do aparelho do Estado pelo PAICV .

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Transparência não rima com propaganda

A ADECO acusou o Governo de falta de transparência e de fugir à apresentação de dados depois de várias solicitações nesse sentido terem sido ignoradas. Em causa estava a necessidade da ADECO de ter as informações correctas para, de forma independente, verificar o custo do KW/h produzido pelas projectadas centrais eólicas e assim acautelar os interesses dos consumidores. Como já se vem tornando norma, o Ministério da Industria, Turimo e Energia respondeu, primeiro, com agressividade, acusando a Associação de Consumidores de fazer afirmações maliciosas e caluniosas e de tentar prejudicar o futuro do país. Para, no momento seguinte, mostrar-se ofendido porque o seu bom-nome foi posto em causa. Por aí se vê que o Governo não é só os adversários políticos que trata de negativos e antipatriotas. Todo aquele que colocar uma crítica fica sujeito aos mesmos mimos. No comunicado do MITE diz-se ainda que não se deu tempo ao ministério para reunir as informações solicitadas. Isso é revelador da forma ad hoc com têm conduzido o programa, sem ponderar as opções feitas e sem reunir os dados indispensáveis que as justifiquem, numa perspectiva de custos e benefícios. Começou no princípio do ano com duas Resoluções publicadas no BO de 28 de Dezembro. Na primeira Resolução o Governo contratava uma empresa portuguesa "para elaborar e concretizar um plano energético renovável". Na segunda resolução, optava por imediatamente construir duas centrais fotovoltaicas com crédito português, sem esperar pelo plano. Entretanto, com a INFRACO já se tinha lançado no projecto dos quatro parques eólicos. Também sem ter nas mãos o plano que, tudo indica, ainda não foi apresentado. O expedientismo demonstrado em todas essas decisões tem o seu outro lado na propaganda incessante que submete a opinião pública sobre esses projectos. Talvez para encobrir os problemas graves da Electra causados pela inépcia do governo e para gerir expectativas e fazer crer às pessoas que a crise de energia tem os tempos contados. Na pressa de se mostrar, fornecem-se dados à vontade: Cabo Verde vai passar dos actuais 2 % de energia renovável na rede para os 25%. Ou seja, do estado actual incipiente atinge-se logo o nível da Dinamarca que está no topo do mundo nesta matéria. Nem se faz uma paragem pelos níveis de 15% de Portugal que conta com a EDP, a quarta empresa do mundo em energia eólica. O PM já prevê um futuro com 50% de energia renovável. Órgãos de comunicação social falam em poupança de mais de 12 mil toneladas de combustível como se fosse acontecer amanhã e em vendas de créditos de carbono. Ninguém ainda se referiu, por exemplo, aos investimentos nas redes das ilhas para as preparar para receber produtores cujo fornecimento é, pela sua própria natureza, intermitente e variável. Ou dos investimentos em sistemas térmicos de back up que serão necessários para responder às contingências e também aos custos adicionais impostos pela insularidade na concepção desses sistemas. Interessa ao Governo é anunciar que a solução já está próxima. A reacção agressiva e ressentida do ministério perante solicitações de informações concretas como as feitas pela ADECO mostra a fragilidade do que vem apresentando. Não é admissível que governantes comuniquem com o público com meias verdades e falta de transparência. Também não é admissível que, chamadas à responsabilidade, respondam com insultos e tiques de "prima donna" ofendida.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tácticas obscuras

Há mais de uma semana que o país vem vivendo uma farsa. O PAICV apresentou um protesto contra um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros com base num email que foi parar a alguém que não era seu destinatário. Desta vez não se falou em hackers cabo-verdianos a entrar nos servidores de Microsoft e da Google e conhecer as manobras tácticas dos partidos através da Hotmail e da Gmail. O paicv, no seu protesto, mostra-se escandalizado por saber que há funcionários que não seguem o “princípio sagrado da neutralidade e lealdade” a que todo o servidor público está obrigado. Mas, de facto, o escandaloso é ter-se o partido com uma história de décadas de partidarização extrema do Estado, com sinais renovados todos os dias da sua pretensão de continuar na mesma senda, a fazer este espectáculo na via pública. Mais do que os indícios que pretende encontrar no email do funcionário e da teoria de conspiração que quer construir a partir deles, o que mais salta à vista é o cinismo e a hipocrisia que caracteriza a relação que insiste em manter com a população e com a sociedade cabo-verdiana. Faltar a verdade, imputar aos outros o que se pratica e de forma prepotente negar a realidade dos factos é uma forma de fazer política que não devia ter lugar em democracia. Regimes totalitários vivem disso, desse doublespeak, desse reescrever permanente da memória, da hipocrisia indescritível e a propaganda e manipulação permanente. Já é tempo de se dizer um Basta! definitivo a isso.

sábado, 9 de outubro de 2010

Estória, estória

Dr. Gualberto do Rosário
Vice-Primeiro Ministro 1998-2000

Muito do que vai mal na política cabo-verdiana é ilustrado pela fábula dos dois primeiros ministros que insistentemente o PAICV e outros insistem em contar e recontar para denegrir o Dr. Carlos Veiga. Como se ele tivesse ganho alguma vantagem política por ter cumprido o que o nº 2 do art. 372 da lei eleitoral ainda estipula: “nenhum candidato pode exercer cargo de titular de órgão de soberania a partir do anúncio público da sua candidatura” a Presidente da República. Todos sabem que não. Também hoje todos vêem como pré-candidatos ao cargo podem ser lançados usando o trampolim dos cargos que exercem nos órgãos cimeiros do Estado. E o que Carlos Veiga teria ganho se, em vez de cumprir a lei, tivesse usado o seu cargo de PM para a campanha para Presidente da República. Apesar das evidências em contrário, a fábula continua a ser contada em várias e diferentes versões. Não tem qualquer fundamento. O n. 2 do art. 187º da Constituição prevê a possibilidade de existência de um Vice-Primeiro Ministro. O Presidente da República quando o nomeia sabe à partida que em caso de impedimento do primeiro ministro, por comando constitucional, n.1 do artigo 190º o Vice-PM substitui-o imediatamente sem qualquer intervenção sua ou do Parlamento. Pressupõe-se que no processo de nomeação tenha ponderado devidamente as consequências. A Constituição define quando o Governo é de gestão (artº 193) e estipula o que pode e não pode fazer. Nenhuma norma constitucional estabelece que quando o PM é substituído nas suas funções pelo Vice-PM o governo passa a ser de gestão. Muito menos se dá competência ao PR ou ao Presidente do Parlamento para o declarar. As revelações do Eng. Espírito Santo feitas na conferência do Paicv de que, enquanto presidente da A N no ano 2000, rejeitou as propostas de lei do governo por o considerar “interino” porque presidido pelo Vice-PM não têm qualquer suporte na Constituição. Em qualquer outro ambiente que não o do PAICV seriam descontadas como actos irreflectidos de motivação partidária ou simples abuso de poder. E certamente não seriam matéria de gáudio. Até porque a posição do Presidente da Assembleia Nacional nessa matéria foi completamente desautorizada pelo acórdão do Tribunal Constitucional de Dezembro do ano 2000. E não é citando a posição minoritária do Tribunal Constitucional que salva os mentores de um verdadeiro bloqueio institucional das suas responsabilidades no desrespeito pela Constituição e de deliberadamente alimentar um ambiente de crise condicionador das eleições legislativas e presidenciais próximas. O que, em maior ou menor grau veio a acontecer. Tanto é assim que o Paicv em período eleitoral renova sempre que pode a fábula dos dois primeiros-ministros para ver se volta a lucrar mais uma outra vez. Para uns tantos, fazer política não é influenciar e criar vontades políticas colectivas com base nos factos passados e presentes do país. Trata-se fundamentalmente de manipular factos, mexer com a memória e insistir numa campanha permanente de propaganda e desinformação. Mas, como os factos são resistentes, o esforço sistemático de os apagar, de os modificar e de introduzir outros em substituição constitui uma agressão permanente. As marcas da agressão encontram-se por todo o lado e na própria alma da Nação.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Banco para créditos subprime?

Já no fim de dois mandatos, o Governo resolveu encarar o problema da habitação em Cabo Verde. Põe o défice habitacional em 80 000 casas e, recorrendo a uma linha de crédito de Portugal, lança um programa chamado Casa Para Todos. O timing do lançamento, a propaganda governamental exaustiva que o acompanha e os enormes esforços na gestão das expectativas das pessoas deixam transparecer que o programa, a curto prazo, visa fundamentalmente servir interesses eleitoralistas do partido no Governo. Corrobora isso a guerrilha contínua movida contra os municípios, ou seja, contra quem necessariamente deve ser um parceiro privilegiado se realmente se quer realizar o programa. O programa deixa omisso como as pessoas vão financiar-se na compra das casas. O ambiente actual de desemprego elevado, de crescimento anémico e de competitividade externa baixa não é garante do nível de vida presente e nem permite que se encare com muito optimismo o aumento significativo de rendimentos de um número crescente da população. Efeitos disso já se fazem sentir. No seu discurso na conferência sobre Oportunidades no Pós-Crise, o Governador do Banco Central de Cabo Verde alertou para o crescente aumento de créditos mal parados no domínio da habitação e para as consequências que poderão ter na estabilidade do sistema financeiro. Para a Ministra da Descentralização, Habitação e Ordenamento do Território em declarações à Lusa “a entrada no mercado do Novo Banco, instituição bancária de cariz social, vai permitir às famílias com menos recursos aceder ao crédito”. O Novo Banco tem o Estado como accionista directamente em 5% das acções. Garante a maioria das acções indirectamente através das participações do IFH, dos Correios, do INPS e da Caixa Económica É gerido pelo Banco Português de Gestão e arranca a 7 de Outubro, em pleno período de pré-campanha, tendo como clientes potenciais agentes económicos necessitados de micro crédito. Apesar da sua proclamada sensibilidade social, os créditos subprime que o banco irá disponibilizar terão que ser pagos sob pena da instituição se mostrar inviável a curto médio prazo. Mas capacidade de pagamento pressupõe a existência de uma economia que crie empregos e proporcione rendimentos. Precisamente o que o programa “Casa para todos” não parece ter em devida conta. Os termos da sua implementação, designadamente no tocante à compra de materiais, que deverão ser em 80 por cento feitas nas empresas portuguesas, e à participação obrigatória e maioritária de construtoras portuguesas nos concursos lançados, não trazem a dinâmica económica esperada dum programa de investimento desta envergadura. Nisso talvez Cabo Verde se distinga como um caso único conhecido de um governo lançar um vasto programa de construção do qual, à partida, não se espera efeitos significativos na economia nacional. Em todos os países do mundo, o sector de construção de habitações é um dos sectores chaves da economia porque por um lado absorve uma fatia importante das poupanças e por outro provoca efeito de arrastamento e dinâmica na criação de postos de trabalho. Para o Governo é um programa para atingir objectivos político-sociais: como tal é subsidiado. O problema é que os subsídios provêem da dívida contraída que irá sobrecarregar o país a médio prazo sem benefícios comensuráveis aos custos envolvidos.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

FMI:World Economic Outlook. Projecção para Cabo Verde

Clicar na imagem para ver os dados
World Economic Outlook

Projecções das autoridades caboverdianas:

Extracto do discurso do Sr. Primeiro Ministro na inauguração do Banco Africano de Investimento (5/2/2010):

"Portanto, temos o equilíbrio dos fundamentais da economia e, sobretudo, a economia está a crescer, apesar da crise, Cabo Verde deverá crescer entre 6,5 e sete por cento em 2009, o que mesmo assim é, ainda, um crescimento robusto e umcrescimento que resulta da dinâmica do sector privado cabo-verdiano e dos fortes investimentos públicos que têm sido feitos".

Ministra das Finanças na conferência promovida pelo BCV no dia 21/9/2010:

A ministra das Finanças cabo-verdiana afirmou hoje que a economia cabo-verdiana já começou a dar sinais de retoma e estimou em cerca de 6 por cento o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2010.


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Não há pudor?

O governo atingiu um outro patamar de falta de ética na sua acção junto dos funcionários públicos. Já não basta a acção político-partidária. Na edição especial do mês de Setembro do Jornal Comunicar, propôs-se deliberadamente explorar os sentimentos religiosos dos servidores públicos. Mais de metade do jornal foram imagens de encontros do PM com o Papa e outros dignitários da Igreja Católica. Claramente que a intenção não é informar sobre assuntos de Estado tratados entre Cabo Verde e Vaticano. Pretende-se realmente explorar para fins partidários a maior abertura e simpatia que uma população maioritariamente católica naturalmente manifesta na sequência de um encontro dos seus governantes com o Santo Padre. O jornal Comunicar foi supostamente criado para formação, informação e motivação, visando mostrar e valorizar a importância do serviço dos funcionários e dos colaboradores da Administração Pública para o Estado. Essa é a linha editorial do jornal assinada pela Ministra Janira Hopffer Almada. A realidade, porém, é que esse jornal cujo proprietário é o Gabinete de Comunicações e Imagem do Governo serve outros propósitos: distribuir propaganda oficial do governo em todas as repartições e instituições do Estado. Como o bem prova essa edição especial.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Falhar na escola, penhorar o futuro

Quanto à qualidade de ensino, Cabo Verde, no relatório de competitividade do Fórum económico Mundial Cabo Verde, aparece atrás de 10 países da África subsaariana: Quénia, Gâmbia, Benin, Zimbabwe, Botswana, Malawi, Maurícias, Zâmbia, Ruanda, e Nigéria. Na matemática e nas ciências o atraso de Cabo Verde é mais evidente. Tem á sua frente o Benin, Quénia, Ruanda, Maurícias, Senegal, Zimbabwe, Zâmbia, Botswana, Costa de Marfim, Camarões, Madagáscar, Gâmbia, Burkina Faso, Suazilândia e Etiópia. É evidente que o país não está a fazer o suficiente em matéria de qualificação dos seus recursos humanos. Esta constatação, que é de todos, parece não ter sido absorvida pelo Governo. Como é seu hábito, quando se torna impossível esconder uma falha da governação, reage em dois registos: insiste em contrariar os factos com declarações extravagantes como “as nossas universidades, mesmo com menos de cinco anos de existência, comparam-se em qualidade com as universidades lá fora”. Num outro registo coloca-se na posição de defender a classe profissional envolvida na actividade. Como se a exigência de qualidade pelos utentes do serviço público significasse pôr em causa a dignidade dos funcionários que o devem prestar. É o clássico reflexo de quem procura se desresponsabilizar das suas acções, não aceita críticas e faz política explorando sentimentos de vitimização e de exclusão. Em S.Vicente, no discurso do início do ano lectivo, o Primeiro Ministro reafirmou confiança na qualidade de ensino em cabo verde, quando todos vêem por que caminhos ela anda, e defendeu a qualidade dos professores como se alguém os estivesse a atacar ou a culpar pela má qualidade de ensino no país. No discurso, para se justificar, o PM falou em tudo, kits escolares, cantinas, alfabetização, objectivos de milénio, reforma de currículo a realizar-se no fim do último ano do seu mandato. Peneira para tentar esconder o Sol da realidade de que se falhou em qualificar os jovens para responder às necessidades do mercado. De que não se conseguiu fazer do capital humano do país um factor de atracção do investimento privado nacional e estrangeiro. E de que não se soube criar bases de conhecimento potenciadores da produtividade nacional e da inovação. O grande nível de desemprego dos jovens com 12º ano é prova disso como também o é o crescente desemprego entre jovens com licenciaturas. Cabo Verde não tem recursos naturais. Mesmo se os tivesse todos sabem os limites do crescimento baseado na venda de minérios e petróleo. Mais de qualquer outro país, o desenvolvimento dos seus recursos humanos tem que ser visto como crucial. Os dados de comparação com outros países demonstram que é inquestionável que Governo fracassou em propiciar ao País os instrumentos fundamentais da sua prosperidade presente e futura. Isso é indisculpável. Não é responsabilidade repassável para os outros nem objecto de artes ilusionistas que só escondem os problemas e adiam soluções.

sábado, 2 de outubro de 2010

Provocações

Várias foram as provocações feitas no colóquio do PAICV pelo Dr José Maria Neves: “Cabo Verde teve um percurso constitucional notável desde 1975”. “MpD expulsou a oposição do processo de revisão constitucional”. “Há uma nova Constituição em 2010”. Com a primeira afirmação, o Primeiro Ministro varre ganhos de civilização condensados no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de há 300 anos:A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. E para quê? Para justificar um regime do passado que se situou nos antípodas da democracia e do Estado de Direito. O artigo 16º da DDHC deixa claro que a a LOPE, a Constituição de 1980 e mesmo a constituição revista de 1990 não preenchiam os requisitos básicos de uma Constituição. Mas o PM não ficou por aí. Relembrou ainda a “generosidade” do partido único que impôs a ditadura, como “forma a congregar todas as vontades e as competências nacionais, visando a salvação nacional de Cabo Verde enquanto Nação”. Na segunda afirmação, acusa o o MpD de não ter transformado o parlamento eleito numa assembleia constituinte. Quer que se esqueça que o PAICV, durantre o processo de transição, rejeitou sempre a ideia de eleição de uma Assembleia Constituinte. O PAICV justificou-se, então, com a revisão da Constituição que unilateralmente fez a 29 de Setembro de 1990. Disse que era o suficiente. Os caboverdianos, porém, não concordaram e no dia 13 de Janeiro deram ao MpD dois terços dos votos para completar a mudança do regime com uma nova Constituição. Agarrado à ideia de legitimar o seu passado, o Paicv não podia concordar com uma nova Constituição. Queria continuidade e não ruptura. Por isso, não precisava que ninguém o expulsasse do processo. Ele próprio se excluiria, assim como fez, abandonando a sessão plenária da Assembleia Nacional. Na terceira afirmação vê-se como o PAICV não acredita no constitucionalismo e arranja formas de sempre o pôr em causa. Houve uma revisão da Constituição mas quer falar de uma nova constituição. Provavelmente até advoga uma nova república. Para que, parodiando a célebre frase de Lavoisier, se veja que "nada se consolida, nada é certo e nada se institucionaliza. Tudo se transforma em matéria de arremesso político-partidário". Portugal já vai na sétima revisão constitucional desde 1976. Será que se devia falar na décima república portuguesa? O ridículo que com essas tiradas se atrai para o processo democrático é deliberado. Assim como é deliberado o acto de impedir o Estado de se juntar à comunidade nacional na celebração das datas que, invocando liberdade e pluralismo, renovam a unidade de todos num objectivo comum. Garante-se com isso que os caboverdianos ficarão divididos e à mercê dos que já demonstraram saber como jogar na divisão para manter o Poder.