quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Patriotismo é rever-se nos ideais da Constituição



Nº 565 • 26 de Setembro de 2012
Editorial: Patriotismo é rever-se nos ideais da Constituição
A 25 de Setembro de 1992 entrou em vigor a Constituição da República de Cabo Verde. Uma nova bandeira foi adoptada e abriu-se o caminho para criação e consolidação das instituições democráticas. Um Estado de Direito tendo como pressupostos básicos o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e pelo primado da lei finalmente poderia ser construído. As legítimas expectativas dos caboverdianos por uma vida de liberdade, paz e justiça e também de oportunidades maiores de realização pessoal ganharam uma outra dimensão. Cabo Verde juntava-se ao mundo civilizado depois de décadas de regimes autoritários e totalitários. O Dia da Constituição é uma data referenciada na generalidade das repúblicas democráticas. Em muitos países, designadamente a Espanha, Noruega, Lituânia, Estados Unidos que viveram anteriormente em regimes opressivos foi consagrada como feriado nacional. Em Cabo Verde, a data quase sempre passa despercebida pelas instituições da república. Mesmo em se tratando do ano do vigésimo aniversário, a Assembleia Nacional não convoca uma sessão extraordinária com a presença de todos os órgãos de soberania como faz anualmente pelo 5 de Julho, dia da Independência. A indiferença do Estado só foi quebrada com os vários eventos de natureza académica patrocinados pelo novo presidente da república. Sabe-se que algo vai mal na república quando o órgão representativo dos caboverdianos na “pluraridade das suas opiniões e diversidades de interesses” arrisca-se com a sua passividade a deixar a impressão de que não se revê na Lei Fundamental que suporta a sua própria existência. Nos países democráticos, os partidos do arco do poder são normalmente os partidos do arco constitucional. Subscrevem e suportam a Constituição cientes de que as possibilidades de governar, de fazer oposição e de retornar ao poder só existem se todos cumprirem as regras do jogo democrático nela consagradas. Em Cabo Verde o “arco” claramente tem fracturas graves. Nem o propalado consenso das forças políticas na revisão constitucional de 2010 as conseguiu soldar. Manifestações mais ou menos abertas contra a Constituição de 1992 sucedem-se continuamente e quase sempre vindas de sectores anteriormente ligados ao regime do partido único. Quando por exemplo aumenta o sentimento de insegurança da população em vez de se responsabilizar o governo atacam-se os direitos fundamentais. De figuras destacadas do meio político ouvem-se vozes contra a instalação do tribunal constitucional num convite ao não cumprimento do estipulado na CRCV desde a revisão de 1999. Obstáculos incompreensíveis são colocados no caminho da eleição do Provedor de Justiça e no preenchimento de lugares vagos na Comissão Eleitoral Nacional. E como anteontem o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça chamou vigorosamente a atenção, continua em vigor a lei de contencioso administrativo de 1983, uma lei, segundo ele, em “flagrante ruptura” com a Constituição. Não dá garantias de tutela judicial efectiva de todos os direitos e interesses legítimos das pessoas, de submissão da administração pública à Lei e ao Direito e de controlo da legalidade da actuação administrativa pelos tribunais assim como está estipulado na Lei Magna. Os pilares gémeos da democracia, representação e responsabilidade ainda se mostram frágeis. Vicia-se a representação com compra de votos, condicionamento de consciências e abuso de recursos públicos, actividades amplamente denunciadas nas últimas eleições presidenciais e autárquicas. E escamoteia-se a responsabilidade e o dever de prestar contas pela via ou de ofuscar os problemas através do marketing político ou de elevar a crispação para diminuir a eficácia da fiscalização. Apesar das insuficiências existentes, houve avanços significativos na construção de instituições políticas mais inclusivas e por isso propiciadoras de um ambiente sócio-económico mais dinâmico. Não é displicente o facto de Cabo Verde no relatório de competitividade do Forum Económico Mundial Global ter a sua melhor classificação na categoria das instituições. O Estado de direito democrático inaugurado pela Constituição de 1992 é um factor de competitividade de maior importância. Comemorar o vigésimo aniversário deve significar o renovar do comprometimento de todos os caboverdianos para com os princípios e valores espalmados no contrato social que é a Constituição da República. As fracturas que ainda persistem alimentam-se da tensão entre esses princípios e o nacionalismo de antanho. Mas, como nos lembra Obama “Quando as nossas leis ,os nossos líderes ou o nosso governo estão fora do alinhamento com os nossos ideais, o desacordo vigoroso do [cidadão] comum é capaz de ser uma das mais verdadeiras expressões de patriotismo”.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Quo vadis Educação?



Nº 564 • 19 de Setembro de 2012
Editorial: Quo vadis Educação?
Hoje é facto assente entre estudiosos, educadores e actores no desenvolvimento de políticas de educação que a falta de qualidade do ensino em Cabo Verde resulta de enormes ineficiências no sector. Falhas sistemáticas do lado da oferta, designadamente no que toca à orientação geral, currículos, nível de professores, estruturas de suporte e gestão das escolas, são negativamente potenciadas do lado da procura com o desinteresse dos alunos, o fraco envolvimento dos pais e ausência de uma cultura meritocrática na sociedade em geral. Os baixos índices de Cabo Verde no domínio da educação, investigação e inovação, constantes do relatório do Forum Económico Mundial, deixam transparecer precisamente isso. Nesta fase da globalização o que conta para o crescimento e desenvolvimento de qualquer país é a produtividade, a eficiência económica e a competitividade. Para países como Cabo Verde, que não podem socorrer-se de recursos naturais valiosos facilmente comercializáveis para financiar o desenvolvimento, a aposta primeira deve ser na educação. É nela e no conhecimento que pode propiciar que toda a sociedade e a economia encontrará a base onde se apoiar para produzir mais, diminuir desperdícios e inovar nos produtos e processos. Mas a aposta para ser ganha deve ser assumida por todos. Aos governantes cabe apontar o caminho e construir a vontade colectiva necessária para a realização desse desígnio nacional central ao futuro do país. Hoje é facto assente a importância crucial que a educação teve e tem no sucesso de economias insulares como as Maurícias, Singapura, Taiwan e Hong Kong. O nível dos seus estudantes em matérias como matemática, ciências e línguas é dos melhores do mundo. Em Cabo Verde não se sente realmente que a qualidade da educação é a grande prioridade do país. Está-se mirando ainda no processo da massificação, primeiro do ensino básico, recentemente do ensino secundário e agora do ensino universitário. Todos os anos sucedem-se cerimónias no início das aulas em que os governantes se congratulam pelo facto dos milhares de alunos, em todos os níveis, terem professores e salas de aula em número suficiente para o sistema funcionar. Faz-se referência à qualidade num discurso que se supõe ser de circunstância porque, chegado ao fim do ano, não há qualquer discussão pública dos resultados obtidos na elevação do nível do ensino. Entretanto persiste a percepção geral de que os alunos pioram, ano após ano. A atitude perante a educação e a sua qualidade é a mesma que se verifica em relação a outras questões cruciais para o país. Varrem-se os problemas para debaixo do tapete e espera-se que se resolvam por si ou que algum dia sejam confrontados por outros. Foi assim com a droga, a posse de armas de fogo, a imigração clandestina, o fenómeno dos gangs e a chamada pequena criminalidade. Depois há o espanto geral quando aparecem porque não se pode mais escondê-los. Aí fica patente a fraqueza das instituições para as enfrentar. E não ajuda o facto de o governo entrar num esquema de negar a gravidade da situação, passar as culpas a outros e imputar a todos a responsabilidade por eventuais maus resultados na procura de solução. Cabo Verde neste momento está numa encruzilhada. Perde as vantagens do estatuto de país menos desenvolvido, depara-se com uma crise mundial com consequências terríveis sobre os parceiros mais próximos e não se mostra suficientemente atractivo para o capital directo estrangeiro. A situação macroeconómica é preocupante, há cada vez maior dependência do turismo e o sector privado nacional não tem o protagonismo desejado. A falta de visão estratégica retirou coerência a muitas medidas de políticas, suportou falsas prioridade e impediu que oportunidades fossem reconhecidas e aproveitadas. Há que sacudir a modorra que parece assolar a sociedade à medida que valores outros que não o mérito, a recompensa pelo esforço realizado e a criatividade se entrincheiram. Sem estímulos positivos e regras claras não há como focalizar a energia de todos em objectivos e metas que conduzam a prosperidade geral. A educação devia ser um sector onde as maiores virtudes deviam ser incentivadas e os melhores princípios respeitados e praticados. O sucesso de muitos, ontem e hoje, prova isso.

Por onde pára a competitividade?



Nº 563 • 12 de Setembro de 2012
Editorial: Por onde pára a competitividade?
Há dez anos o Governo do dr. José Maria Neves surpreendeu o país com a criação de um ministério da Economia e Competitividade. A inovação na estrutura do governo fazia crer uma viragem na estratégia de desenvolvimento. Aparentemente deixava-se de lado a via da dependência e da reciclagem de ajudas a favor de um maior engajamento externo da economia nacional. O relatório do Forum Económico Mundial sobre a Competitividade, de 2012, ao colocar Cabo Verde no 122º lugar, entre 144 países, e a regredir em relação aos rankings anteriores pôs a nu o facto de que as grandes metas traçadas para a competitividade do país não terem sido cumpridas. Nesta matéria as políticas do governo revelaram-se um autêntico fracasso. Em retrospectiva pode-se notar que muito do que se disse sobre a competitividade não passou de marketing político e relações públicas. Por exemplo, o Governo posto perante dois programas americanos, a AGOA e o MCA entusiasmou-se por aquele, o MCA, que lhe facultava fluxos externos sem necessidade de se provar competitivo na atracção de investimentos em sectores virados para a exportação. Deixou que o sector crucial da energia e água se tornasse no ponto focal de lutas ideológicas e politiqueiras. Anos consecutivos de cortes de energia, de falta de qualidade da energia e água e de ausência total de fiabilidade no fornecimento elevaram os custos destes dois factores-chave a tal ponto que no sector de energia Cabo Verde tem uma pontuação baixíssima, situando-se no lugar 135 em 144 países. O governo viveu durante anos numa espécie de euforia sob o efeito da bonança em ajuda externa, das novas receitas do IVA e do aumento do investimento directo estrangeiro derivado do boom mundial. Até falou em “blindagem” quando veio a Crise. Talvez pensou que essas condições iriam durar para sempre e que poderia adiar as medidas concretas para tornar o país competitivo.O facto é que, não obstante se terem sucedido no governo cinco ministros com a pasta da competitividade, a luta por esse desígnio nacional nunca realmente arrancou. Como se pode ver no relatório do FEM, esforços suficientes não forem feitos designadamente para reformar a administração pública, para elevar a qualidade do ensino, para estruturar e flexibilizar o mercado de trabalho e para desenvolver o mercado financeiro. O acesso a linhas de crédito estrangeiro nos últimos anos alimentou a ilusão de que a competitividade do país podia ser obtida via construção de grandes infraestruturas. A experiência de Portugal demonstra como tais ilusões saem caras. Não se priorizam sectores chave porque há mais ganhos políticos e eleitorais com grandes obras mesmo sabendo que a maioria pouco acrescenta à produtividade nacional. Os efeitos porém acabam por manifestar-se também a nível macroeconómico com o disparar dos défices orçamentais e das contas-correntes e o elevar da dívida pública ao limiar da sustentabilidade. É essa a situação crítica que é espelhada no relatório do FEM que coloca Cabo Verde na posição 138 e 123 respectivamente. A realidade actual do país e do mundo não parece demover o Sr. Primeiro-ministro de fazer os mesmos discursos nas inaugurações de infraestruturas. No Porto Novo voltou a repetir que infraestruturas criam oportunidades. Com tal formulação passa ao sector privado toda a responsabilidade de, posteriormente à obra, haver ou não dinâmica económica. A percepção dos operadores é outra, como revela o relatório da competitividade. Oportunidades só são reconhecidas por eventuais investidores e empreendedores se um conjunto complexo de requisitos estiverem reunidos e se os incentivos criados forem tempestivos e encadeados na sequência certa. .

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Estado, o Fisco e a mulher de César



Nº 562 • 5 de Setembro de 2012
Editorial: O Estado, o Fisco e a mulher de César
O Estado deve milhões ao sector privado. Particularmente penalizante são as demoras prolongadas na devolução do IVA. O sector industrial de produção de bens alimentares e afins vive situações críticas por causa disso. A isenção de que gozam tais produtos junto ao consumidor coloca as empresas na situação de se não poderem se ressarcir do dispêndio feito designadamente no pagamento do IVA nas alfândegas. A resultante falta de liquidez dificulta investimentos e prejudica a relação de confiança com os fornecedores que é crucial para o processo produtivo. As queixas de vários anos das empresas têm-se deparado até agora com um muro de silêncio ou de inacção da parte do Estado. A insensibilidade repetidamente demonstrada perante algo que é devido e interfere com o funcionamento normal da economia nacional deixa a todos perplexos e levanta questões muito sérias. Primeiro porque a racionalidade fiscal que se intui no sistema é que a tributação da economia deve produzir receitas suficientes para garantir a prestação dos serviços vitais do estado, suportar os custos da solidariedade nacional e financiar os investimentos colectivos com vista à melhor qualidade de vida e à manutenção da competitividade do país. A acção do fisco não pode constituir-se em factor de quebra da dinâmica da economia que é afinal a fonte onde vai beber. Não deve sacrificar o futuro na busca de ganhos de curto prazo. Segundo porque é fundamental existir uma relação de confiança entre os cidadãos, os operadores económicos e o Estado para que a actuação das instituições seja vista como legítima. Confiança pressupõe transparência nos processos e procedimentos, previsibilidade nas acções e evidente falta de malícia na motivação. O Estado não deve passar a impressão de que está-se a financiar à custa de particulares e da própria economia nacional. Nem tão pouco mostrar que o faz porque pode e sabe as pessoas não têm como escapar da, de facto, extorsão de que estão a ser vítimas. Finalmente porque pergunta-se até quando se vai manter esta postura do Estado de se colocar no topo da “cadeia alimentar” em vez de facilitador de todos, indivíduos e empresas, na criação de riqueza e no aumento da produtividade nacional. Quando é que se vai deixar a postura rentista de comer à cabeça e passar a apostar no futuro. O país não tem recursos naturais valiosos que lhe proporcionem rendas por largos anos. E o mundo de hoje assegura que só será ganhador quem souber interpretar as tendências de evolução futura, investir para as aproveitar e agir com rapidez, flexibilidade e inteligência quando as oportunidades se oferecerem. A persistência nas actuais atitudes e posturas do Estado significa enveredar por um caminho que conduz a retornos progressivamente decrescentes. O parasitismo favorece a ineficiência e ineficácia da administração fiscal com consequências designadamente na pouca evolução da base tributária, no crescimento da economia informal e no aumento de incentivos à evasão fiscal. A arrogância confirma e aprofunda a percepção de imprevisibilidade, provoca retracção de eventuais investimentos e mostra a sua pior cara em certas execuções fiscais, catastróficas para as empresas e seus trabalhadores e desestabilizador para o tecido empresarial. Alguma falta de seriedade não deixa de se manifestar quando o Estado insiste em receber juros nos pagamentos em atraso dos contribuintes e recusa-se a pagá-los quando deve. Financia-se ilegitimamente com uma dívida que sabe estar a diminuir sob o efeito da inflação e recusa-se a compensar devidamente os donos pelos transtornos, desvalorização e oportunidades perdidas. A participação num jogo de soma positiva onde todos têm a possibilidade de ganhar, implica renovar completamente a relação do estado com os cidadãos e o sector privado. A construção permanente de confiança é essencial para que se reforce a convicção de que a prosperidade pode ser criada com trabalho, esforço próprio e espírito inovador.