sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Desenvolvimento sutentável

A última sessão plenária da assembleia nacional desta legislatura arrancou com um debate sobre os objectivos do desenvolvimento sustentável (ODS) no horizonte de 2030. O debate foi pedido pelo governo, mas acabou por não acontecer na realidade. O discurso inicial do PM, que foi o seu último enquanto primeiro-ministro, foi de facto um discurso de balanço. Incidiu essencialmente sobre o trabalho feito por seu governo no que ele chamou de agenda de transformação. Previsivelmente, a oposição reagiu mal, mostrando as insuficiências do país a todos os níveis, designadamente ao nível económico em que o país se arrasta com um crescimento à volta de 1%. A discussão dos ODS ficou adiada para a próxima legislatura como seria normal de esperar se alguém não se lembrasse de se servir dela como mais um estratagema no combate pré-eleitoral.
Os ODS suportam-se em três pilares, crescimento económico, ambiente sustentável e inclusão social. Os dezassete objectivos definidos em Setembro de 2015 irão permitir conjugar esforços, coordenar políticas e recursos ao nível nacional e internacional e ter elementos de avaliação do progresso na sua realização. O sucesso que representou a iniciativa dos Objectivos do Milénio no horizonte 2015 mostrou a força de se focalizar em objectivos e metas claramente estabelecidas e a partir daí traçar planos, mobilizar recursos e formar vontades para as realizar. Já dizia John Kennedy: “definir o nosso objectivo mais claramente faz com que pareça mais realizável e menos longínquo, ajuda a todos vê-lo, a ganharesperanças com ele e a avançar irresistivelmente na sua direcção”.
Fala-se em mais de 2,5 triliões de dólares que devem ser mobilizados e canalizados para que haja um bom nível de sucesso na consecução desses objectivos. A ajuda é bem-vinda mas não se deve ficar por aí. Muito menos constranger a acção, ou subordinar prioridades ao acesso ao fundo disponível. A ajuda externa pode lançar alguém para níveis de rendimento ou qualidade de vida e acesso a bens especiais sem que a nova situação se torne sustentável a prazo. Importa que todo o processo de chegar às pessoas, e realmente fazer a diferença, seja um processo libertador e não um processo que as amarre e as ponha na dependência do estado. 
Deve-se contar com a solidariedade internacional, mas ter sempre presente que expectativas de realização efectiva de ajuda externa, pelo menos nos volumes prometidos, nem sempre se concretizam. Veja-se o que se passa na actual conjuntura económica internacional. A dinâmica que se esperava ter para o ano 2016 já foi revista em baixa. A economia mundial perdeu o ímpeto com as dificuldades actuais da China, os problemas na Europa, a crise nos BRICS e mais recentemente a grande quebra no preço do petróleo. Certamente que não se pode contar com a ajuda nos termos e volume de há um ano. O que estiver disponível deve ser utilizado, em boa medida, nas pessoas como forma de as ajudar a galgar os obstáculos que no seu dia-a-dia as impedem de cair numa espécie de círculo de pobreza.
Com o rendimento per capita de Cabo Verde a cair desde de 2013 preocupa extraordinariamente o que pode vir a acontecer nos próximos anos. A economia terá que ser revitalizada, os mercados desenvolvidos e uma nova atitude para com o comércio internacional e o turismo terá que ser adoptada. Cabo Verde precisa de uma discussão séria sobre o seu futuro. Não aconteceu desta vez, espera-se que no início da nova legislatura se faça. Na diferença e no contraditório se forja a vontade em colocar este país no caminho do desenvolvimento com inclusão social e um ambiente saudável.

     Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 26 de Janeiro de 2016

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Globalização do Terrorismo

Os últimos ataques em Jacarta e Ouagadougou vieram confirmar, mais uma vez, esse fenómeno novo do terrorismo global que ameaça os Estados e amedronta as populações em todos os continentes. Aconteceu na Europa, e em particular na França, mas também nos Estados Unidos da América. Terroristas reclamando pertencer ao estado islâmico (ISIS) assassinaram indiscriminadamente dezenas de pessoas e lançaram o pânico geral. No Médio Oriente os ataques são quase diários e alimentam-se das lutas religiosas que dividem os muçulmanos xiitas dos sunitas. Recentemente, a atacada foi a Turquia com uma explosão no centro da grande cidade de Istanbul. Antes tinha sido o Egipto. Um avião russo explodiu e o ISIS reclamou responsabilidade. Ninguém parece estar a salvo desses ataques potencialmente devastadores e destruidores da vida humana.
Um palco privilegiado para propagação desse fenómeno é o continente africano. Para além da luta tenebrosa do Boko Haram, na Nigéria, vários anos ataques violentíssimos já aconteceram no Quénia. Mais a norte, na Líbia, desde o colapso de Kadhafi que o país se tornou num ponto fulcral de desestabilização da região do Sara. O terrorismo no Mali, em particular, tem sido alimentado pela falta de autoridade que se implantou nessa região e que ameaça derramar-se por outros pontos na Africa Ocidental como já veio a acontecer no Burkina Faso.
Conflitos entre os muçulmanos e entre estes e a população cristã favorecem a implantação de seitas e o aumento do sectarismo político e religioso. Por outro lado, a pobreza extrema em que muitos se encontram tende a encontrar algum alívio em formas de protecção social que tem fundos vindos de fontes ultraconservadoras. Por causa disso muitas vezes transformam-se em viveiros de terroristas que depois vão ser operativos noutros países. A ameaça do terrorismo global põe todos de sobreaviso, aumenta a tensão entre as pessoas e tem o potencial de discriminação com base em elementos identitários de natureza racial, etno linguística e religioso. Ninguém consegue enfrenta-la sozinho. A cooperação em matéria de segurança com outros países é imprescindível nesta matéria.
Em Novembro último, Cabo Verde foi convidado pelo Governo dos Estados Unidos a ser um dos “anchor state” nesta parte da região, juntando-se ao Senegal, ao Gana e à Nigéria. Também com a União Europeia e o Brasil há cooperação conhecida em matéria de segurança e certamente coordenação em matéria de controlo dos diferentes tráficos ilegais de droga, pessoas e capitais nesta região do Atlântico Médio. Um esforço interno de melhor estruturação das forças ligadas a segurança e de melhor coordenação das suas actividades deve ser feito não só numa perspectiva de defesa e segurança do país como também para um melhor aproveitamento das possibilidades da cooperação internacional.
Nestes momentos eleitorais, em que a possibilidade de mudança de governo se coloca mais evidente, mostra a necessidade de ao longo de uma legislatura se manter contactos periódicos e formais com a oposição em matérias chave de segurança do país. Consensos devem ser criados em questões fundamentais como a estruturação das forças e organizações engajadas em manter a ordem e a segurança no país, de forma a dar-lhes estabilidade e a mante-las motivadas. Alguma convergência básica nessas matérias também asseguraria, sem grandes percalços, a cooperação internacional, vital nestes tempos perigosos, designadamente os que podiam resultar da entrada em funções de um novo governo.

De evitar de todo é a tentação de fazer política eleitoralista com questões de segurança. Não deve haver qualquer dúvida do engajamento de todas as forças políticas na luta contra as ameaças à segurança do país e à tranquilidade e bem-estar das populações. Isso deve ficar claro também para a comunidade internacional que coopera com Cabo Verde em matéria de segurança. Nestes tempos perigosos deve haver convergência de interesses em manter uma frente unida que garanta o ambiente de paz e tranquilidade necessário para que o exercício de escolha de governo para os próximos cinco anos se faça de forma justa e livre. 

      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 19 de Janeiro de 2016

domingo, 17 de janeiro de 2016

Em defesa da democracia representativa

Cabo verde vai a eleições legislativas no dia 20 de Março. Será a sexta eleição realizada na democracia. A primeira que inaugurou o regime democrático aconteceu vinte e cinco anos atrás. Muito caminho já se percorreu nestes anos na construção e consolidação das instituições democráticas, mas muito há ainda a percorrer. Neste vigésimo quinto aniversário são notórias as fragilidades. O próprio parlamento ainda não conseguiu assumir a data como seu ponto de origem e comemora-la com toda a dignidade.
Incontornável porém é o facto de que foi a 13 de Janeiro de 1991 que as primeiras eleições livres e plurais foram realizadas em Cabo Verde. Dessas eleições saiu uma assembleia de deputados em que duas forças políticas ideologicamente distintas se confrontaram, uma com a missão de governar e a outra de fazer a oposição. A democracia representativa nasceu nesse dia pondo fim a experiências outras que embora reivindicando serem mais perfeitas tendem a repetir os atropelos ao pluralismo e à liberdade que aparentemente quereriam evitar. Entretanto não despareceram os inconformados ou saudosistas dos modelos das democracias populares ou das democracias nacionais revolucionárias. São notórios por serem os primeiros a encontrar defeitos na democracia representativa e a propor vias de as superar. Mas, o facto é que nenhum outro regime consegue bater as democracias já com séculos de existência em termos de serem competitivas e de propiciar liberdade e prosperidade.
Neste ano de 2015 a democracia representativa em Cabo Verde foi enfraquecida. A actuação dos políticos no parlamento e a relação governo/deputados muitas vezes não contribuíram para uma melhor imagem da instituição. O nadir provavelmente foi atingido quando depois de ter votado o estatuto dos titulares de órgãos de soberania por unanimidade dos deputados não ter sido capaz de se reunir em sessão plenária e posicionar-se perante o veto do Presidente da República. As ondas do populismo ganharam um outro folego e acabaram por afectar os partidos políticos.
A produção de listas para as próximas legislativas nos diferentes partidos tem sido tempestuosa e várias vozes se levantam questionando os modelos eleitorais existentes. Discute-se a possibilidade de círculos uninominais, do voto preferencial e até de se romper com o monopólio dos partidos na apresentação das listas. Dentro dos partidos discute-se a possibilidade de primárias. O grande problema é que toda essa discussão podia ser útil para o sistema se a intenção, pelo menos para alguns, não fosse de deslegitimar o sistema exigente e torna-lo disfuncional e dócil ao poder instalado. A persistência de uma cultura anti-partido, que vem de longe, dificulta esse diálogo aberto e consequente. Tudo porém deve ser feito para evitar a erosão da instituição parlamento e pelo contrário fazer dela o sector vibrante de discussão de todas as soluções de futuro que o país e os seus cidadãos sejam capazes de antever e discutir.
A nossa democracia ressente-se do facto de ter como seus dois pilares partidos que surgiram em dois momentos históricos antagónicos. O confronto de narrativas persiste e continua difícil chegar a consensos fundamentais de funcionamento do regime democrático. Exemplo acabado disso foram os órgãos externos da Assembleia Nacional, criados no ano 2000, que só quinze anos depois foram operacionalizados. Pensou-se num determinado momento que os acordos chegados no processo de revisão da Constituição em 2010 contribuiriam para baixar a crispação. Mas não foi o que aconteceu.
O problema talvez esteja nos ciclos longos de governação sem alternância. Primeiro, tivemos dez anos do MpD e agora 15 do PAICV. Governando sempre com maiorias absolutas, os partidos não desenvolvem capacidade de negociar, de fazer concessões e de firmar acordos. Até compromissos tácitos, não escritos, são difíceis de estabelecer. Os direitos das minorias em particular sofrem com a falta de cultura de alternância governativa ficando o parlamento nas mãos da maioria o que inevitavelmente acaba por afectar a sua imagem institucional e torna-a menos efectiva na fiscalização do governo. Há que mudar este estado de coisas. Neste ano do vigésimo quinto aniversário do 13 de Janeiro urge fazer as mudanças que ponham a democracia cabo-verdiana no caminho ascendente da sua consolidação e aprofundamento. A aventura iniciada há 25 atrás deve continuar.
      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

domingo, 10 de janeiro de 2016

2016 – Ano de Mudança?

Há 25 anos, 1991 foi um ano de mudança histórica em Cabo Verde. Por Cabo Verde também passavam os ventos que desde de 1989 vinham deitando abaixo regimes totalitários e autoritários em todos os continentes. Para caracterizar o fenómeno, Francis Fukuyama falava na época do “Fim da História”, do abraçar quase universal dos princípios e valores da liberdade e democracia e do reconhecimento da importância central da iniciativa privada e dos mercados na criação de riqueza e prosperidade. Um optimismo contagiante acabou por dominar toda a década que então se iniciava à medida que barreiras ideológicas desapareciam e saltos tecnológicos nos domínios dos transportes e telecomunicações lançavam a humanidade num processo de globalização sem precedentes. Em consequência, centenas de milhões de pessoas deixaram a pobreza, muitas vezes abjecta, para integrarem as fileiras da nova classe média dos países emergentes.
Cabo Verde, que vinha de vários anos de estagnação económica e de um crescimento do PIB em 1990 de praticamente 0%, iniciou o ano com um novo governo que se anunciou pronto a construir as instituições próprias de uma democracia moderna e a reestruturar profundamente a economia. A economia estatizada que tinha sido criada nos quinze anos de partido único tinha falhado em fazer Cabo Verde crescer com a rapidez que outros estados insulares como as Maurícias e as Seychelles vinham crescendo. Em consequência o rendimento per capita de Cabo Verde mantinha-se abaixo dos mil dólares (957) enquanto nas Maurícias já era de 2365 dólares e nas Seychelles já ultrapassava os 5 mil dólares. Essas ilhas tinham feito escolha oposta em relação a Cabo Verde. Maurícias tinham apostado na atracção do investimento externo para criar uma base de manufactura para exportação, aproveitando o sistema preferencial de acesso a mercados da Europa, América e Japão e as Seychelles tinham feito um comprometimento sério com o desenvolvimento do turismo, que as deixou com um turismo de qualidade que tem um efeito forte de arrastamento na economia nacional.
Depois de quinze anos de rendimentos perdidos por causa de estratégias erradas de estatizar, fugir dos mercados e rejeitar o turismo, a perspectiva nos primórdios dos anos noventa era soltar as amarras que vinham prendendo a criatividade, energia e iniciativa dos cabo-verdianos e pô-las ao serviço da criação de riqueza. A década de noventa acabou por se revelar de um crescimento sem precedentes, com impacto significativo no emprego que desceu para os níveis mais baixos de sempre. A década e meio que se seguiu, apesar de beneficiar de importantes fluxos de capital privado particularmente nos três anos antes da crise financeira de 2008 e de donativos e empréstimos concessionais ao longo de todo o tempo, tem-se revelado frustrante nos resultados de crescimento económico (2012 – 1,2%; 2013 - 1%; 2014 - 1,8%) não obstante os avultados investimento feitos. O ano de 2015 é já claramente um ano  fraco com resultados nos três últimos trimestres  de 1%, 05%, 1,4%  respectivamente a confirmar que o impacto de toda a chamada Agenda de Transformação ficou muito aquém do prometido.
A Ministra das Finanças ainda procura justificar a situação actual de estagnação económica como sinal de modelo esgotado e de necessidade de passar para um outro estádio de desenvolvimento, numa perspectiva que justifica a orientação seguida até agora e até aconselha para se continuar numa nova etapa. A realidade porém é que há muito se devia ter abandonado o modelo, mas razões outras não deixavam. Uns dizem que é por factores ideológicos, outros apontam para razões pragmáticas de manutenção do poder. O facto é que com o andar dos anos a competitividade externa do país não melhora, os sectores de energia, água e transportes marítimos e aéreos continuam fracos, caros e não confiáveis e a base da economia mantem-se pouco diversificada. A administração pública faz o seu trabalho sempre pouco sensível e burocrática em relação ao mundo de negócios, enquanto a atenção dos governantes para questões centrais como a segurança, o desenvolvimento do turismo e a atracção de investimento externo continua não devidamente focalizada, nem consequente.
Em 1991 teve que se imprimir uma reorientação radical para que a economia voltasse a crescer a taxas que se traduzissem em ganhos efectivos, em rendimentos e qualidade de vida para a população. Algo similar deverá acontecer neste ano de 2016. A dúvida é se, à semelhança do que foi há 25 anos, também hoje existe a consciência de que se impõe uma mudança de paradigma na governação actual, uma vontade em explorar outras vias para desenvolver o país e uma confiança que é possível produzir riqueza e prosperidade sustentável de que todos poderão beneficiar. Para bem de toda a gente, esperemos que sim.
        Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016
    

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

2015: um ano atípico

O ano de 2015 que chega ao fim tem-se revelado em vários aspectos como um ano incomum. Provavelmente ficará registado como um ano de mudanças em vários países e regiões do globo, um ano de viragem em muitos outros e ainda um ano em que, em vários momentos, surpreendeu pelo surgimento do inesperado.
No plano internacional todos os olhos têm estado transfixos no que se passa na Europa: sem ainda ultrapassar a crise financeira e da dívida soberana já está mergulhada na crise dos refugiados. A resposta óbvia para ultrapassar as crises seria dar um passo em frente para uma maior integração da União Europeia. Mas nem todos vêem com bons olhos mais cedência de soberania nacional, maiores transferências de fundos para evitar uma Europa a várias velocidades e uma política externa e de defesa comum que permita protagonismo mais consequente na cena mundial e a contenção de eventuais ameaças vindas da Rússia ou do Médio Oriente. Afligidas pelas dúvidas e incertezas, as nações dentro da Europa deram este ano sinais claros que poderão estar perante autênticos terramotos políticos dentro das suas fronteiras. Em Portugal, Espanha e Grécia os partidos tradicionalmente do chamado arco da governação perderam terreno a favor de partidos de esquerda radical enquanto em países com a Suécia, a França, a Polónia e a Hungria foi a extrema-direita que fez progressos assustadores.
Do outro lado do Atlântico, na América do Sul, é já claro a viragem na maré do populismo que ameaçava engolir vários países do subcontinente. Perdeu vitalidade em certa medida com a queda do preço do petróleo e de outras commodities (matérias primas e produtos agro-pecuários). Sinais disso vêem-se na crise do chavismo na Venezuela, nas dificuldades do governo  brasileiro a braços com o marasmo económico e acusações graves de corrupção e no afastamento dos partidos peronistas na Argentina após décadas de poder. A quebra na procura global também teve outros efeitos designadamente no crescimento dos chamados países emergentes, em particular dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pôs em evidência algumas das insuficiências do modelo económico por eles seguido e baixou as expectativas de crescimento global a ponto de economistas proeminentes alertarem para  uma possível “estagnação secular”. 
Talvez já a antecipar os tempos menos auspiciosos que podem estar à frente, Cuba, com a ajuda providencial do Papa Francisco, apressou-se a negociar com os americanos o fim do embargo de mais cinquenta anos imposto ao país. O presidente Obama que soube surpreender o mundo com as negociações de Cuba, conseguiu ainda neste ano realizar a façanha do acordo nuclear com o Irão não obstante a hostilidade aberta de Israel e de sectores do partido republicano. Em Novembro, inesperadamente, pôde construir conjuntamente com a China e mais países na Cimeira de Paris um consenso inédito no domínio de mudanças climáticas que obriga a acções coordenadas de todos para evitar que o aquecimento global vá acima dos 1,5ºC.
2015 fica  ainda marcado pelo irromper na cena internacional de acções terroristas do Estado Islâmico. Os atentados de Paris mostraram a capacidade do ISIS em recrutar combatentes entre os jovens europeus e de levar para o coração da Europa o terror que acompanha a sua luta pelo Califado. O medo gerado pela possibilidade de actos terroristas tornou extremamente difícil a gestão dos muitos milhares de pessoas que vindas da Síria procuram escapar da extrema violência que caracteriza a actuação do ISIS no quadro das lutas sectárias que dilaceram o Médio Oriente. Na Europa e também na América sentem-se os efeitos desse medo nos discursos de certos políticos e no avanço de forças radicais tanto de esquerda como da direita, todos apostados em fazer política identitária exacerbando em particular o nacionalismo, a etnicidade e a religião. A África, e em particular a Líbia, o Mali e a Nigéria com o Boko Haram já é um palco para a reprodução desses conflitos.
 Em Cabo Verde também 2015 foi um ano atípico. Iniciou com a mudança da liderança do PAICV, o partido que suporta o governo, mas não foi seguida de mudanças no sistema de governação, designadamente de unificação da direcção política do partido com a chefia de governo e com a liderança da maioria parlamentar. As tensões que daí resultaram produziram situações como as que deitaram abaixo o estatuto dos titulares de órgãos de soberania aprovado unanimemente pela Assembleia Nacional e que já levaram à demissão da ministra Sara Lopes, em Novembro, e na semana passada à saída da ministra Janira Hopffer Almada. São situações que, por falhas na coordenação e défices de solidariedade, diminuem a eficácia da governação com os resultados que se vêem com particular nitidez na gestão desastrosa que se está a fazer da TACV.
Também por essas mesmas razões 2015 foi um ano de campanha eleitoral a todo o tempo no qual naturalmente por razões de recursos e de oportunidades o governo foi o principal protagonista de entre todos os outros actores. Os quarenta anos de independência foram comemorados meses a fio tanto no país como nas comunidades. Viagens sucederam-se pelas ilhas num ritmo vertiginoso. Provavelmente não houve dia em que não se tenha inaugurado alguma coisa com direito a cobertura da rádio e da televisão. Chegados ao fim de 2015 e a poucos dias do início do período eleitoral, espera-se que tudo volte à normalidade e o processo democrático siga o seu caminho e dê ao país um governo legitimado nas urnas. Cabo Verde bem precisa.
   Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Janeiro de 2015