quarta-feira, 21 de março de 2012

Içar a bandeira do inconformismo



Nº 538 • 21 de Março de 2012
Editorial:
Na semana passada os estudantes da Universidade de Cabo Verde marcharam em manifestação nas ruas da Capital. Os protestos e as reivindicações concentraram-se na qualidade do ensino, na relação com os professores e no acesso a meios essenciais de estudo como livros, bibliotecas e laboratórios. Ao de cima veio uma situação complicada no ensino superior em Cabo Verde que até agora não tem sido aflorada francamente. Camufla-se por detrás das afirmações grandiloquentes de se ter criado nove universidades em cinco anos e atingido a maior taxa de acesso ao ensino superior em África (21%), acima da taxa de 17% das Maurícias. Cabo Verde enveredou pela massificação do ensino superior sacrificando claramente no processo a qualidade. A universidade pública que devia ter como uma das suas funções estabelecer um standard de qualidade no ensino superior deixou-se apanhar na onda da propaganda do governo e concentrou muita da sua energia nas relações públicas. Dificilmente poder-se-á encontrar em qualquer outra parte uma universidade com presença tão forte nos noticiários da rádio e da televisão como a Uni-CV. Conjuntamente com a qualidade sacrificou-se a autonomia e o espírito académico. O decreto-lei de Novembro de 2006, que previa um período de transição de um máximo de 4 anos para uma governança mais representativa da universidade, foi alterado em 2011 para permitir que o Governo adiasse as eleições previstas e continuasse a nomear o reitor. O reforço autocrático na gestão da Uni-CV foi acompanhado do aumento da centralização, passando instituições superiores estabelecidas há várias anos como o ISECMAR e o ISE à condição de departamentos. Avançou-se para o ensino superior sem que um esforço prévio de formação do corpo docente tenha sido feito. Diz-se que na altura importava responder à solicitação existente. O problema é que era mais do que óbvio que os milhares de alunos nas mais de duas dezenas de liceus espalhados pelo país um dia iam desembocar às portas do ensino superior. Particularmente quando durante anos a fio o país crescia abaixo do potencial e sem capacidade de criar empregos atractivos para os jovens com 12º ano. Perante a avalanche, o desenrascanço prevaleceu. Multiplicaram-se as licenciaturas com particular ênfase nas áreas sociais, não porque mais úteis a prazo aos jovens e ao país, mas porque mais fáceis de serem montadas. Recrutaram-se professores muitos a part-time e sem o grau académico desejável a par com demasiados professores visitantes, o que não facilitou a criação de uma classe docente estável. Insuficiente esforço colocou-se na criação de instrumentos de suporte do ensino superior como bibliotecas devidamente equipadas e laboratórios. Um ciclo vicioso prejudicial parecia ter sido criado no sistema de ensino superior em Cabo Verde. O governo satisfeito, citava números fantásticos e mostrava grandes realizações no sector. Funcionários, técnicos e profissionais em regime de part-time e a desdobrarem-se pelas várias escolas, viam o seu rendimento aumentar com as actividades de docência. Alunos movidos pela vontade de ter um diploma punham em segundo lugar a aquisição de conhecimento real e a própria vocação pessoal rendidos à lógica de carreiras no estado que só exigem grau de licenciatura. Com tais “stakeholders” dificilmente a qualidade poderia prevalecer no sistema. A manifestação dos estudantes da semana passada é um bom sinal. Poderá significar que se está a quebrar o ciclo vicioso e que os mais prejudicados no actual status quo já reagem. O futuro do país depende da sua capacidade em ter recursos humanos de grande valor. Na ausência de recursos naturais e de relevância estratégica real e permanente a competitividade do país terá de se basear na qualidade extraordinária do factor humano. E isso só se consegue com excelência no ensino, com a valorização da criatividade e o cultivo do espírito inconformista.

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