quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pacto vago e fugidio



Volta e meia o sr. Primeiro-ministro traz à ribalta a ideia de um pacto de regime. Diligências são feitas para se assegurar o máximo de atenção dos órgãos de comunicação social. Convites são enviados aos partidos políticos, confissões religiosas, sindicatos e patronato para um encontro com o chefe do governo. A ideia de Consenso ganha uma nova vida e passa a ser o foco das conversas e o tema central das declarações públicas de dirigentes políticos. Normalmente o ciclo termina com o governo a declarar que irá prosseguir com a sua “agenda de transformação” e a distanciar-se dos outros por supostamente estarem a propor medidas de austeridade penalizadoras da população. Em Novembro de 2011, no fim de mais um exercício de busca de consenso, chegou a apontar o dedo ao governador do Banco de Cabo Verde por ter alegadamente vindo a público “ensinar a missa ao vigário”. Dado ao que alguém já chamou da “infindável energia do cinismo quando erigido em princípio da acção política”, não é de estranhar que novas expedições em prol do consenso já estejam em andamento. Desde que o INE chocou a sociedade cabo-verdiana com os números do desemprego que o Governo tem estado numa roda-viva a demonstrar que tudo (políticas activas de emprego, formação profissional etc.) está a ser feito. Ninguém sabe porque não são mais eficazes. Ou talvez são e provavelmente a falta de trabalho é uma miragem ou um estado de alma e as pessoas precisam ser positivas e optimistas. Como das outras vezes, não tardou muito em apelar ao consenso e à responsabilidade partilhada. O governo tem um mandato de cinco anos sufragado nas urnas e uma maioria absoluta sólida de deputados que assegura sem contributo dos votos dos outros partidos a estabilidade governativa e a passagem da generalidade das leis que dão corpo às suas políticas. Não está sobre nenhuma pressão externa que a exemplo da Troika na Europa exigisse mudanças estruturais profundas a troco de fundos disponibilizados a preços menores do que os praticados pelo mercado de capitais.No actual contexto só se consegue compreender o apelo ao consenso como forma de tornar os adversários complacentes com actual agenda política e co-responsáveis pela situação actual e futura do país. Nas democracias, partidos políticos, sindicalistas, patronato e Estado negociam e chegam a acordos. Não há quem imponha uma agenda e os outros submetem-se a ela. Se uma parte fica pelas suas verdades de conveniência do tipo “as contas do FMI estavam erradas, técnicos da Fitch reconheceram a bondade das políticas do governo e o desemprego devese ao aumento da população activa”,dificilmente se vai encontrar plataforma para entendimentos futuros. Do discurso do PM na semana passada depreende-se que um dos objectivos do “pacto”seria ter o país a falar a uma única voz com as instituições de BreonWoods (FMI, Banco mundial WTO). A realidade é que essas instituições não ignoram que quem dirige a política interna e externa do país é o governo e que nas democracias a oposição e sectores da sociedade civil têm em várias ocasiões posições divergentes das do governo. Por aí não há confusão. O apelo ao consenso tem por isso outro objectivo: reforçar nas pessoas e na sociedade a importância suprema da ajuda externa e insinuar que a prática do pluralismo de alguma forma fere a imagem externa necessária para o país continuar a beneficiar da generosidade da comunidade internacional. Trazem-se ao de cima vulnerabilidades ancestrais para fazer as pessoas ceder liberdades conquistadas em troca de garantia de sustento. Foi feito ontem e continua-se a fazer hoje sempre que com subterfú- gios diversos se condicionam o voto ou se pressiona as pessoas para se calarem. E continuar-se-á a fazer enquanto persistir no país a ideia de que fazer política é arrebanhar as pessoas explorando-lhes as fraquezas e fazendo-lhes entrar em redes de favores. Não é a toa que quase quarenta anos após a independência, Cabo Verde ainda esteja neste nível de dependência da ajuda externa. As dificuldades actuais são razão suficiente para se libertar de um modelo já velho de décadas que só dependência e penúria auguram para o futuro. Livrar-se da tentação de governar na base de reciclagem da ajuda não é tarefa fácil. Mas tem que ser para evitar a exposição excessiva do país a choques externos para preservar a dignidade das pessoas, e assegurar a honorabilidade dos servidores públicos.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 15 de Maio de 2013

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