quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Madiba

A morte de Nelson Mandela provocou uma reacção global juntando milhões de pessoas numa mistura complexa de dor, de agradecimento e de renovação de esperança. De dor pela perda do grande homem que incarnara de forma singela a defesa da dignidade humana e a procura incessante pela justiça. De agradecimento por provar que, de facto, nada é impossível se ao longo do caminho deixarmo-nos guiar pelo princípio da liberdade, da tolerância e da inclusão. De renovação da esperança por mostrar que todos e cada um, individualmente ou na relação com os outros, seja no contexto familiar, comunitário, nacional e mesmo internacional, podem acrescentar algo novo, ser promotor da paz e harmonia e potenciador de vidas mais ricas e gratificantes.

Nelson Mandela liderou o que todos consideravam quase impossível: pôr fim ao Apartheid na África do Sul sem que o país mergulhasse num banho de sangue. O feito de Mandela foi extraordinário porque, ao mesmo tempo que conseguiu a libertação da população negra do jugo de um regime odioso e racista, fez aprovar a Constituição de 1997 que consagrou a liberdade de todos os sul-africanos, garantiu os direitos das minorias, instaurou a democracia e o Estado de direito. O Libertador Mandela foi um combatente incansável pela liberdade, ciente de que quaisquer desvios ou atalhos na caminhada poderiam desembocar em banho de sangue, em atraso na edificação das instituições fundamentais da democracia e em prosperidade adiada. Certamente que as experiencias de várias lutas de libertação na África que depois no poder deixaram-se conspurcar pelo ódio, vingança e exclusão dos não combatentes serviram-lhe de referência no seu esforço titânico para evitar que o mesmo acontecesse à África do Sul.

A libertação de Mandela após 27 anos de prisão aconteceu a 11 de Fevereiro de 1990. Viviam-se então tempos extraordinários. Três meses antes tinha caído o Muro de Berlim. Por todos os continentes desabavam regimes autoritários e totalitários em sintonia com a implosão do império soviético e do comunismo. Também em Cabo Verde germinavam as forças populares que iriam levar ao fim do partido único e à liberdade e democracia em Janeiro de 1991. Já nos finais dos anos oitenta tornara-se evidente que o Apartheid na África do Sul não conseguiria resistir ao fim da guerra fria e ao isolamento internacional a que a sua desumanidade lhe confinara. Mandela apareceu como a única esperança para se evitar o pior. Ninguém esperava um milagre, mas facto é que um milagre acabou por acontecer.

O homem de 75 anos que deixara a sua cela na ilha de Robben tinha uma história de coragem, de perseverança e de magnanimidade por detrás dele forjado na luta pela dignidade, igualdade e justiça. O seu carácter férreo tinha-se revelado em momentos críticos com os do seu julgamento nos tribunais do regime, nos longos anos de isolamento e na recusa a propostas da sua libertação que só serviriam para aliviar a pressão internacional sobre o regime racista. A coerência de princípios e o seu humanismo tinha-lhe permitido ir para além dos apelos à luta armada e ao nacionalismo negro para privilegiar meios não violentos e a participação de todos no processo de emergência da nova África do Sul. Só ele detinha a autoridade moral e o capital político suficiente para mover vontades, criar confiança entre as partes e negociar os compromissos necessários. A mesma autoridade e a mesma crença forte nos ideais que posteriormente permitiu-lhe, como disse Obama no seu discurso de homenagem, promover “a reconciliação nacional não como forma de ignorar o passado cruel mas como meio de o confrontar com inclusão, generosidade e verdade”.

Ainda na sua intervenção Obama referiu-se a líderes que proclamam identificar-se com Mandela mas que não toleram dissenso nos seus próprios países. Alguns deles vieram de organizações que só encontram unidade colocando-se contra os outros, que têm uma cultura de conspiração, que evitam o contraditório nas suas fileiras e na sociedade e que seguem o princípio de que os fins justificam os meios. Precisamente o oposto de tudo o que Mandela disse e praticou. Mas o facto de se sentirem obrigados a mostrar-se junto de Mandela, mesmo que hipocritamente, demonstra onde está a razão e reforça o sonho da liberdade e democracia para todos.

O Expresso das Ilhas junta-se a todos na celebração da vida do grande homem que foi Nelson Mandela e que agora junta-se a Martin Luther King e ao Mahatma Gandhi no panteão dos grandes homens que tanto fizeram pela dignidade, igualdade e justiça.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 11 de Dezembro de 2013 Humberto Cardoso

Sem comentários:

Enviar um comentário