Há alguns meses circularam notícias
dando conta da intenção do governo chinês em construir um campus
universitário em Cabo Verde. Em análise estariam duas possíveis
localizações para o campus: S. Vicente ou Praia. O Embaixador da China
veio depois a público confirmar que a decisão caiu para o lado da Praia.
A percepção de que a escolha feita, mas ainda não assumida pelo
governo, já causava algum mal-estar, ficou claro na passada terça-feira
durante o período dedicado a perguntas ao governo na Assembleia
Nacional.
Questionado pelos deputados, o ministro
do Ensino Superior explicou que o número de alunos actualmente no
secundário na ilha de Santiago, 62 por cento do total, contra 13 por
cento em S. Vicente, justificava que a opção fosse Praia. Segundo ele,
os custos para alunos e famílias no prosseguimento dos estudos
universitários seriam menores. O critério populacional reinou supremo na
explanação do ministro. Em perguntas suplementares, a generalidade dos
deputados dos partidos com assento parlamentar fizeram o governo saber
da sua discordância.
Já em outros momentos, designadamente de
localização da Escola de Hotelaria cuja missão principal entendia-se
que era formar mão-de-obra para os hotéis ligados ao turismo devia ser a
ilha do Sal. Parecia óbvio que assim fosse, considerando que escolas
vocacionais devem situar-se na vizinhança das actividades económicas que
vão servir. Dessa forma garantem-se sinergias que favorecem a formação e
a inovação no sector e o desenvolvimento de uma cultura e de um ethos
próprio da profissão nos futuros trabalhadores. A escola ficou na Praia.
Aplicou-se o critério da população.
Cabo Verde é um país arquipélago com
nove ilhas habitadas. Esta realidade, por um lado, obriga a
constrangimentos vários e acarreta custos derivados da multiplicação de
investimentos públicos para responder a necessidades similares. Por
outro lado, cria uma interface mais rica na relação com o mundo e
enriquece a nação com a diversidade de experienciais e as
especificidades de cada ilha. Estratégias nos mais variados domínios da
vida da nação devem ter em devida conta a necessidade de manter as ilhas
com dinâmicas económica, social e cultural de forma a contribuírem
efectivamente para fazer o país mais rico. Decisões com base em
critérios únicos e simplistas como número de habitantes e capitalidade
são de evitar.
O centralismo tende a gerar mais
centralismo. Num momento em que se apregoa que pela via da governação
electrónica, e-government, tudo pode ficar interconectado não é
imediatamente compreensível porque grande parte das estruturas do Estado
tem que se localizar na capital. A concentração de recursos que isso
inevitavelmente acarreta não deixa de afectar negativamente o interior
de Santiago e as outras ilhas. Um sentimento de marginalização e
abandono tende a instalar-se particularmente se há quebra na dinâmica
económica por enfraquecimento das relações com o exterior, seguida de
saída dos jovens e definhamento das elites locais. A convergência de
opiniões de todos os sujeitos parlamentares que se verificou na última
sessão da Assembleia Nacional quanto à composição do Conselho de
Desenvolvimento Regional, dois representantes por cada ilha, foi
sintomática. Mostra que prevalece a posição de que as vozes das ilhas
devem fazer-se ouvir.
A universidade não é mais uma escola a
acrescentar à frequência do ensino básico e do liceu. Historicamente e
em todas as sociedades as universidades têm funções outras, mais
elevadas, de ser, por excelência, centros de saber, centros de criação
científica e artística e espaços privilegiados de expressão da liberdade
intelectual. Onde se localiza, a forma como se organiza e a autonomia
que reclama não é arbitrária. Procura potenciar no máximo as condições
que lhe permitem cumprir as suas múltiplas missões funções em prol do
saber e proporcionar aos estudantes e professores experiências e
intercâmbios os mais profícuos e variados. Ainda procura valer-se da
comunidade circundante para ter impacto o mais abrangente possível na
comunidade nacional e exercer influência nos assuntos cruciais que
preocupam o país. Quando a cidade e a universidade acertam na sua
relação, os efeitos nas duas entidades reforçam-se mutuamente. A vida na
cidade fica mais rica com o número e qualidade dos procuram o saber e a
experiência académica oferecida e a universidade por sua vez ganha em
prestígio e a capacidade de contratar os melhores professores e
investigadores e recrutar os melhores alunos.
Localizar um Campus universitário não é
escolha para ser feita com base num único critério. Vários factores
devem ser ponderados. Um não menos importante deve ser propiciar ao
estudante natural de cada ilha a possibilidade de se relacionar nos anos
de universidade com realidades e pessoas de todas as ilhas e de poder
se rever na diversidade e riqueza de experiências que enformam a nação
cabo-verdiana. O Ministro deixa entender que o assunto da localização do
Campus pode não estar fechado. Seria de todo aconselhado que o governo
fizesse uma discussão aberta sobre onde melhor localizá-lo e explicar a
estratégia nacional que justifica a escolha feita.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 2 de Abril de 2014
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