quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A importância da liberdade




Expresso das ilhas, edição 665 de 27 de Agosto de 2014
Editorial

Thomas Friedman na sua coluna no New York Times de 24 de Agosto avançou a tese segundo a qual muito da desordem que se vê no mundo actualmente deve-se à falta de liberdade. Muita gente por todo o mundo, na sequência dos desabamentos dos impérios coloniais e há vinte e cinco anos atrás do império comunista, diz-se livre. Para Friedman podem estar livres dos antigos dominadores e opressores mas ainda não são realmente livres designadamente “para viverem a sua vida, para se exprimirem sem reservas, para formarem o seu próprio partido político, para construirem um negócio, para votarem em qualquer candidato e para procurarem a sua felicidade”. Segundo ele, a ausência desta “liberdade para” mesmo na presença da “liberdade de”, faz toda a diferença. É que para a assegurar exigem-se leis e normas, confiança mútua e instituições que só são possíveis num quadro de princípios e valores compartilhados por pessoas que acreditam que estão juntos numa caminhada de progresso e prosperidade.
Hoje como ontem, muitos regimes políticos procuraram legitimar-se e manter a sua autoridade, socorrendo-se do nacionalismo. Dizem às pessoas que deviam sentir-se felizes por estarem livres do domínio do estrangeiro. Sistematicamente repetem que a soberania é o valor supremo, para que qualquer outra ideia de liberdade não leve as pessoas a reconhecer que no seu quotidiano são de facto cidadãos de segunda, privados dos direitos básicos para se realizarem na plenitude. A desordem que com o tempo acaba por se instalar, provem do facto de, como diz Friedman, o sistema a prazo não é sustentável.
Durante anos o regime pode sobreviver com base na exploração de recursos naturais ou na utilização de ajudas externas generosas para manter as pessoas na ordem, devidamente anestesiadas ou conformadas. Inevitavelmente mudanças acabam por minar o sistema que lhes dá sustentabilidade. Primeiro, nota-se na quebra do crescimento e no aumento do emprego, depois cai-se na estagnação económica e social com milhões a verem-se sem futuro. Finalmente torna-se difícil ignorar os sinais da perda de coesão social com impacto nas famílias, nas comunidades e na criminalidade em geral. Todos os dias os jornais, as rádios e as televisões dão conta desse processo degenerativo preocupante que acontece um pouco por todo o mundo. A violência extrema que actualmente se assiste no Médio Oriente com guerras religiosas, o desfazer das fronteiras dos estados, a destruição de patrimónios milenares e o genocídio dirigido contra minorias étnicas e religiosas é testemunha das consequências graves e muitas vezes catastróficas de se insistir em dominar as pessoas e em não permitir a liberdade.
Cabo Verde também pagou caro a falta de liberdade das suas gentes em oportunidades perdidas, em prosperidade não criada e em opressão sofrida. A aproximação de mais um 31 de Agosto faz relembrar o que acontece quando as pessoas não têm liberdade para falar, para se reunirem, para se manifestarem e para escolherem os seus próprios governantes. Podem ser mortas pela tropa e podem ser presas, torturadas e julgadas em tribunais militares com aconteceu em 1981 em Santo Antão. O medo impera, a dependência das pessoas é agressivamente alimentada pelo estado e a verdade é substituída pela propaganda. Outrossim, sem capital social, segurança jurídica e espaço para a imaginação não há produtividade que aumente ou riqueza suficiente que se crie. Em 1990, num ambiente internacional favorável aos ideais de liberdade e democracia, o regime de partido único caiu.
O surto em crescimento económico e prosperidade geral que se seguiu confirma o valor da liberdade, da democracia e do estado de direito. Mas o facto de mesmo assim se mostrar insuficiente o crescimento económico, do emprego não crescer em quantidade e qualidade desejáveis e soluções e não terem sido encontradas para os milhares que labutam nos campos do país e lutam pela sobrevivência na periferia dos centros urbanos deve fazer-nos pausar e procurar ver o que está a faltar. No mesmo sentido vão os cada vez mais preocupantes índices de criminalidade e os sinais da perda de coesão social a todos os níveis. O crescimento médio dos últimos cinco anos em 1,5 % e do último ano em 0,5% lembraram os anos de estagnação e tornam urgente uma revisão da situação e obrigatória uma mudança de rumo.
A via todos já a conhecem: é a via da liberdade. A via que dá segurança à iniciativa individual, acaba com favoritismos, arbitrariedade e partidarismos. A via que não aprofunda a dependência das pessoas e, pelo contrário, incentiva autonomia pessoal, comunitária e regional. A via que efectivamente dá às pessoas perspectivas de saírem do “desenrascanço” e do informal para uma via realmente produtiva e gratificante. A via que investe nas pessoas emprestando-lhes os meios para se realizarem neste mundo cada mais complexo e exigente. Finalmente a via que deixe de utilizar a ajuda externa para promover o conformismo e ajude as pessoas a acreditar que é possível, num quadro de princípios e valores livremente estabelecidos e compartilhados, construir a felicidade e a prosperidade.


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