Desde as manifestações de 30 de Maio contra o
estatuto dos titulares de órgãos de soberania sente-se no ar uma espécie de
euforia “revolucionária”. Sobressai em conversas de café, em opiniões e
análises políticas e em vários exercícios informais de futurologia política. Em
parte é provavelmente produto da novidade. Também virá da satisfação e surpresa
de se ouvir protesto nas ruas por algo controverso, quando tanta coisa não anda
bem e ninguém questiona ruidosamente.
Largos anos se tinham passado em Cabo Verde
sem que se assistisse a manifestações frontalmente políticas. Problemas
persistentes como o desemprego, o baixo crescimento, o aumento de insegurança e
a falta de perspectiva para os jovens não conseguiram mobilizar as pessoas
contra a governação. A perspectiva de aumento de salários e regalias para os
detentores de cargos políticos pelo contrário já pôde. De uma postura
aparentemente conformista, num ápice, passou-se para a acção. Para os jovens
manifestantes que nunca viram nem participaram em acontecimentos do género terá
tido um efeito catártico.
Tudo isso compreende-se. O que parece não se
justificar são as esperanças desmedidas que se procura projectar nelas. Há quem
veja sinais de uma sociedade civil activa. Outros imaginam um novo partido que
à imagem do Podemos espanhol ou do Syriza grego poderia reformar o actual
sistema de partidos. E certamente há quem veja motivação político-partidária
como parece ser o caso do Primeiro-ministro, a confirmar a presença de “dirigentes e militantes destacados do Paicv
na linha de frente das manifestações”.
Independentemente do que originariamente foi
ou pretendeu ser e o que virá a constituir no futuro, o mais certo é que algo
mudou no país. Uma nova era de manifestações de agravos públicos poderá ter surgido
em que ninguém se vai sentir grandemente inibido com eventuais interpretações
ou acusações de conveniência ou de instrumentalização política. Dois factos
porém vão contra a ideia de que algo radicalmente novo aconteceu: por um lado,
o protesto não é dirigido contra o governo. Foca-se no Parlamento e nos
deputados e associa, mas de forma quase difusa, os outros políticos. Por outro
lado, não parece ser totalmente espontâneo, enquanto reacção da sociedade
civil. Dá sinais de resultar também da luta da nova líder do Paicv para se
afirmar no seu partido e apresentar-se, a pensar nas eleições de 2016, como o
rosto de renovação na política cabo-verdiana.
De todo o modo, o problema maior a evitar
nessas movimentações é cair na tentação populista: as soluções fáceis, as
paixões exacerbadas, o discurso anti-político e anti-partido e a minimização
das instituições democráticas. Não é algo fácil como já se pode constatar nos
ataques violentos dirigidos aos deputados, no tipo e forma de pressão que se
coloca ao presidente da república e na apologia da chamada democracia
participativa em detrimento da democracia representativa. Outrossim, a busca de
soluções para os desempregados e
empregados mal pagos via uma putativa redistribuição de recursos que estariam
ilegitimamente apropriados por alguns privilegiados políticos só pode exacerbar
o ressentimento social, diminuir a confiança nas instituições e mobilizar
pessoas para protestos. Certamente não abre caminho para se encontrar a via ou
as vias de prosperidade para todos com mais emprego e mais crescimento
económico.
Cabo Verde vive um ano pré-eleitoral. Nenhum
observador atento duvida que a campanha eleitoral já está em pleno progresso. A
questão que se coloca é quem ganha com os ataques ao Parlamento que também são
ataques ao pluralismo. Quem ganha com o apontar de defeitos à democracia
representativa que apesar das suas imperfeições é a única forma de democracia
que historicamente tem conservado as liberdades e tem garantido a prosperidade
geral. Finalmente, quem ganha com a aparente disfunção do PAICV que parece de
um lado estar com o “povo” e do outro continua a suportar o eixo governativo do
país, o governo e a maioria parlamentar, cuja posição em matéria de estatuto de
titular de órgãos de soberania é repudiada em manifestações desse mesmo “povo”.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 8 de Abril de 2015
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