Tem sido notícia em vários órgãos de
comunicação social o boicote do governo à recepção organizada pela delegação da
União Europeia para marcar a Semana da Parceria Cabo Verde/UE. Parece que a
razão para isso foi a entrevista dada a este jornal pelo embaixador da UE José
Manuel Pinto Teixeira em que chamava a atenção pelo mau ambiente de negócios em Cabo Verde. O governo não gostou da
revelação e, como o rei na fábula, assustou-se perante a possibilidade de ver
desfeita toda a ilusão à volta das “suas ricas e maravilhosas vestimentas”.
Partiu para a retaliação que provavelmente não
ficará só pela não comparência na recepção, mas ao comportar-se assim deixou
entrever ainda mais do que o estado do ambiente de negócios do país. Ficou
claro que tem uma preocupação permanente em dominar a sociedade cabo-verdiana
com um discurso que nem perante a realidade dos factos se desmorona facilmente.
Também não deixa dúvida que tudo faz ou fará para que não apareça qualquer voz
“inocente” que ameace desconstruir tudo. Se reage assim com a UE, imagine-se o
leque de instrumentos entre o pau e a
cenoura que usa diariamente para manter todos sintonizados com a sua Agenda
de Transformação quando a realidade é a do crescimento raso, da falta de
emprego e da dívida pública que já vai muito acima dos 100 por cento.
Há quase vinte e cinco anos que Cabo Verde é
uma democracia. Tal facto coloca o país ainda numa fase de consolidação das suas
instituições democráticas, a dar os primeiros passos na autonomização da
sociedade civil e nos primórdios de uma imprensa independente e plural. Ter um
governo como este que se revelou neste incidente excessivamente preocupado em
manter o país numa linha de pensamento pontuada por fugas à realidade pode
constituir um perigo real para o aprofundamento da democracia e do pluralismo.
Imagine-se o esforço diário que se tem que
fazer para garantir essa linha, essa roupagem repleta de maravilhas, dádivas e
esperanças. Um misto de acção e atitude que se nota, por um lado, na propaganda
permanente, na interpretação enviesada dos factos e na
desresponsabilização pela falta de resultados positivos e promessas não
cumpridas e, por outro lado, na
desvalorização da crítica, na relutância
em submeter-se ao exercício do contraditório e na fuga à prestação de contas.
Inevitavelmente afectada em todo este processo é a própria governação que ao
concentrar-se na necessidade de tudo controlar, fixa-se demasiado no curto prazo
e orienta-se exclusivamente para interesses eleitoralistas. Também sacrificado
é o Parlamento, a sede do contraditório e o agente político e plural de
fiscalização da acção do governo. E se o controlo das situações e da mensagem
está no centro das preocupações, dificilmente se pode evitar que se sacrifique
o desenvolvimento, o crescimento económico e o emprego para assegurar a
continuidade no poder.
Quebra esta harmonia delicada todo aquele que
procura dar uma outra justificação para os factos que teimosamente insistem em
fugir do quadro oficial permitido. São chamados profetas da desgraça,
portadores de más novas e adeptos do “quanto pior, melhor”. Para os constranger
são-lhes exigidos que reconheçam as coisas boas antes de terem o direito a
criticar. Para obscurecer a realidade e dificultar o debate público atira-se
para a discussão desculpas que não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. Em
simultâneo não se inibe de condicionar todos que fazem opinião, elevando a
autocensura a um nível que mesmo que apareça quem grite que o rei vai nu, a sua
voz e a sua denúncia esbatem-se e diluem-se na cacofonia deliberadamente criada
para que uma única música subsista e se imponha.
Cabo
Verde está num ponto crítico da sua existência. Deixou de poder contar com
donativos e empréstimos concessionais por muito mais tempo. O investimento que
precisa para se desenvolver tem que vir do capital estrangeiro, do produto da
venda de bens e serviços e da capacidade nacional de produzir riqueza e de
fazer poupanças. O alerta do embaixador da UE é que ainda não se logrou criar o
ambiente necessário para isso. A reacção hostil do governo confirma que não
está interessado em mudar as suas políticas e a sua atitude básica. Só quer
manter a fachada.
Já em período pré-eleitoral é evidente que o
horizonte temporal que interessa é o do primeiro trimestre de 2016 para se
decidir as eleições e os cinco anos de poder. É como quem diz: depois se verá.
Compreende-se o desorientamento e a hostilidade quando aparece alguém de peso e
com cabeça fora da névoa propagandística doméstica a clamar para todos ouvirem:
o rei vai nu!
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 20 de Maio de 2015
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