Uma resolução do
Governo datada de 4 de Junho de 2015 resolveu fazer do 9 de Dezembro de 1974, o
dia da tomada da Rádio Barlavento, o Dia Nacional da Rádio. Considerando que a
justificação dada para se criar dias da comunicação social foi a de “destacar o papel dos seus órgãos na promoção
do pluralismo, na difusão de informação credível e na acção fiscalizadora no
quadro democrático” não deixa de ser muito estranha essa decisão. A tomada
da Rádio Barlavento não foi motivada em absoluto para promover o pluralismo,
muito menos para difundir informação credível ou para construir alguma crítica,
controlo ou fiscalização do poder do Estado. Na prática, visou-se implantar uma
voz única no país, inaugurou-se uma nova era em que a propaganda substituiu em
boa parte a informação fidedigna e retirou-se qualquer hipótese de visão
crítica sobre a governação do país.
A ocupação e a
subsequente utilização das instalações da Rádio Barlavento para passar mensagens
do PAIGC aconteceu num contexto especial. Não foi um acto isolado. Enquadrava-se
entre um dos muitos actos revolucionários que tiveram lugar em Dezembro de 1974
que visavam consolidar o poder do PAIGC com exclusão de todos os seus
adversários políticos. Forças políticas como a UDC e a UPICV sofreram ao longo
do processo perseguições, prisões e deportação para fora do país. A sociedade
civil entrou em processo de colapso quando as suas associações e os meios que utilizava
para se afirmar como autónoma e se comunicar com o país foram expropriados e
consolidados em órgãos do Estado a falar numa voz única ditada por um centro político-partidário
todo-poderoso e sem qualquer memória do que tinha sido no passado.
Neste sentido, a tomada da Rádio Barlavento
significou também o fim da iniciativa e da criatividade individual que desde os
anos quarenta vinha-se consolidando nas experiências da Rádio Clube Mindelo, da
Rádio Barlavento e da Rádio Clube da Praia. Só muito mais tarde, quinze anos
depois, com a liberdade e democracia implantadas nos anos 90 o país voltaria a
respirar e novas iniciativas, protagonismos e oportunidades das pessoas se interagirem
livremente através da rádio viriam a tornar-se possíveis.
Certamente que o
governo não ignora a enorme carga simbólica que a data carrega. Quando insiste
nela é porque tem um objectivo concreto a atingir ou, pelo menos, uma
provocação a fazer. Na resolução chama a atenção para “o novo percurso de
radiodifusão” que se teria iniciado com a tomada da rádio. Esse percurso, como
se sabe bem, só pode ter sido o da estatização da rádio, uma via que nos tempos
de hoje, sob a égide da constituição democrática e liberal de 1992,
dificilmente os governos poderão sustentar e justificar.
A Constituição em matéria de rádio e televisão
requer a existência de um serviço público. Não o exige para a imprensa escrita
porque a facilidade de acessos e os investimentos necessários estão ao alcance
de indivíduos e grupos. A verificar-se uma queda rápida nos custos de se criar
uma rádio e uma televisão, como vem acontecendo pelo mundo fora, é natural que
cada vez menos se justifique um serviço público dedicado e que a expressão da
diversidade e do pluralismo nas sociedades democráticas seja conseguido
simplesmente pelas vias privadas. Em várias democracias consolidadas há um
debate forte a esse respeito. No caso de Cabo Verde a dificuldade maior na
implantação de órgãos privados capazes de cumprir esse objectivo está na
pequenez do mercado publicitário. O facto de o sector público da rádio e da televisão
procurar ostensiva e agressivamente melhorar o seu peso e quota neste mercado não
é um bom sinal. Pode significar que não se quer realmente que iniciativas
privadas na rádio e televisão se ponham de pé e consolidem a sua posição de contribuir
para que os cidadãos satisfaçam de forma livre e aberta o seu desejo de
informar e de ser informado.
A liberdade de expressão é a rainha das
liberdades. Suprimi-la leva à morte de todas as outras. A tomada da Rádio Barlavento,
a 9 de Dezembro de 1974, significou calar vozes críticas e vozes contrárias.
Sabemos o que é que aconteceu nos quinze anos que se seguiram: a opressão
assentou arraiais no país. Por isso não é uma data que tenha cabimento em
democracia. Mal andou o governo em consagrá-la como o Dia Nacional da Rádio em
Cabo Verde.
Editorial do jornal expresso das Ilhas de 9 de Dezembro de 2015
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