Depois de 2016 que foi
um ano improvável tudo aponta que 2017 será um ano de incertezas. No
calendário começou há duas semanas, na realidade vai começar a
delinear-se a partir de 20 de Janeiro com a tomada de posse de Donald
Trump no cargo de presidente dos Estados Unidos da América. A vitória
inesperada do sim no referendo sobre a saída do Reino Unido da União
Europeia e posteriormente a vitória de Trump sobre Hillary Clinton
contra todas as previsões provocaram uma desorientação geral. A
perspectiva de ter um presidente na Casa Branca diferente de qualquer
outro que alguma vez exerceu tal cargo num tempo em que tanto no mundo
depende da América é fonte de muita ansiedade em todos os continentes.
Muito do que antes se tomava como
garantido nas relações internacionais e em termos comerciais e de
segurança das nações de repente já não parece tão certo. A nível
nacional a dificuldade em fazer previsões, em antecipar acontecimentos e
em reconhecer sentimentos e paixões fortes de parte significativa da
população puseram em estado de crise os mídias, observadores diversos,
empresas de sondagem e as elites. Aperceberam-se do golfo profundo que
as separava do homem e da mulher comuns. Nas instâncias supranacionais e
em particular na União Europeia deu-se conta de que as populações nos
estados nacionais ressentem-se do poder emanado de Bruxelas e que estão
ávidas de reivindicar para si outra vez o poder de decidir o seu próprio
governo, quais sãos as prioridades a seguir e qual o caminho a
percorrer até à prosperidade. Não é à toa que slogans como resgatar
glórias passadas ou imaginadas, proteger-se de fluxos de refugiados,
precaver-se contra imigrantes e repor valores antigos e cristãos têm
sido altamente mobilizadores em vários países da Europa mas também no
Estados Unidos, no Brasil, no resto da América Latina e mesmo em África.
Por todo o lado propõe-se fazer o respectivo país grande outra vez.
A emergência de Trump na cena mundial já
se mostrou transformacional e ele ainda não tomou as rédeas do Poder.
Parafraseando Marx tudo o que parecia sólido esvaiu-se no ar. Mudaram as
relações entre os Estados Unidos, a China e a Rússia. Aparentemente há
uma aproximação com a Rússia, não obstante a invasão da Crimeia e a
intervenção russa na Ucrânia e na Síria, enquanto com a China parece que
se entrou em rota de colisão seja em termos de comércio seja em termos
de liberdade de circulação no Mar da China. Com a Europa e com a Aliança
Atlântica, a NATO, o que era tido como inabalável na contenção da
Rússia já não parece tão certo na sequência das declarações de Trump.
Incerteza também passou a germinar na relação dos EUA com o Japão e a
Coreia do Sul criando ansiedade e abrindo caminho para futuros focos de
tensão no Extremo Oriente e no Pacífico. Para alguns observadores o
bombardeamento cruel que aconteceu em Alepo, na Síria, perante a quase
indiferença geral pode já estar a antecipar o que virá a seguir se se
concretizar o desengajamento do mundo por parte dos Estados Unidos como
prometeu Donald Trump.
Muito do improvável que está a acontecer
deve-se à globalização e suas consequências no desemprego, no aumento
da desigualdade social, na estagnação dos rendimentos da esmagadora
maioria da população e no problema dos refugiados e dos migrantes
particularmente nos países mais desenvolvidos. O facto da mesma
globalização ter tirado da miséria muitas centenas de milhões de
pessoas, ter criado uma classe média significativa em países como a
China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e a Turquia e ter inundado os
países desenvolvidos de produtos e crédito barato não conseguiu diminuir
a hostilidade de vários sectores da população nos EUA e na Europa que
reclamam por medidas proteccionistas, pelo regresso das indústrias
deslocalizadas e pela construção de barreiras contra os migrantes. A
vitória de Trump e a possibilidade de vitória de outros dirigentes
populistas e da extrema-direita na França, na Holanda e na Itália ao
longo do novo ano criam dúvidas sobre qual será a dinâmica da economia
mundial em 2017 se se concretizarem os impulsos proteccionistas. Uma não
reeleição de Angela Merkel em Setembro agravaria ainda mais a situação
internacional. Ninguém consegue prever o que acontecerá ao euro se os
cenários de vitória dos populistas se materializarem e quais serão as
consequências globais de um agravamento no diferendo comercial entre os
Estados Unidos e a China que já está a desenhar-se no horizonte.
Para Cabo Verde, uma pequena economia
aberta e dependente de fluxos diversos que vêm principalmente da Europa
em particular do turismo, as incertezas para o ano 2017 não auguram nada
de bom. O crescimento da economia vai depender bastante da procura
externa e dos investimentos desses países que se puder canalizar para
aqui. A cooperação tanto com os Estados Unidos como com a Europa cada
vez mais tem uma componente de segurança. No caso do progressivo
desengajamento do mundo por parte de Donald Trump e de uma reorientação
da Europa para conter a Rússia não se sabe se Cabo Verde continuará a
merecer a mesma atenção que actualmente tem. O facto de também estar em
jogo o futuro do euro não é boa notícia. Até agora o acordo cambial tem
sido uma âncora para nossa estabilidade macroeconómica. Já sabemos que
2017 é um ano de incertezas. Vamos esperar que nos surpreenda pela
positiva preparando-nos para o pior, mas na expectativa do melhor.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 790 de 18 de Janeiro de 2016.
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