Na semana passada o Governo
organizou uma mesa redonda sobre o turismo na Boa Vista. Outros dois
eventos similares com temática de turismo de montanha e de turismo
urbano vão ser realizados respectivamente nas ilhas da S. Antão e S.
Vicente nos fins de Fevereiro e Março. O debate com operadores do sector
e entidades públicas e privadas visa encontrar vias e soluções para os
múltiplos entraves a uma dinâmica do turismo nessas ilhas e no resto
país. O problema, como bem o caracterizou o actual presidente da Câmara
Municipal da Boa Vista, em entrevista a este jornal, é se a mesa
redonda não vai ser mais um dos muitos encontros, fóruns e workshops que
se realizaram ao longo dos anos e que poucos benefícios trouxeram ao
turismo nas ilhas. Também é de saber se, na sequência de tais reuniões,
pode-se esperar um turismo com maior impacto na economia nacional, no
rendimento e na qualidade de vida das pessoas.
É um facto que nos últimos
cinco anos foram feitos grandes investimentos no turismo, o que
aumentou significativamente o número de turistas que chegam a Cabo
Verde. A crise com que se debatem os países do Norte de África,
designadamente a Tunísia e o Egipto, e que agora chegou à Turquia,
afectou profundamente a indústria turística dirigida para a bacia
mediterrânea. Com a crise, abriu-se uma janela de oportunidades para
Cabo Verde que se encontra a poucas horas dos centros emissores da
Europa. O aproveitamento feito pelo governo anterior pode não ter sido
dos melhores mas não se pode deixar de notar que apesar do turismo ter
crescido e aumentado a sua contribuição no PIB para mais de 21%, a
economia estagnou-se. Depois do ano eleitoral de 2011 em que atingiu os
4%, a taxa de crescimento do PIB foi, segundo dados do INE, de 1,1% em
2012, 0,8% em 2013, 0,6% em 2014, 1,1 em 2015 e, outra vez em ano
eleitoral, a apontar para pouco mais de 4% em 2016. E em todos esses
anos houve grandes investimentos em infraestruturas: estradas, portos,
aeroportos, barragens, habitação, escolas, liceus e outros edifícios
públicos que deixaram o país com uma dívida pública de mais 125% do PIB.
É de se perguntar o que aconteceu.
Responder a esta questão
é central neste novo ciclo político em que se pretende deixar para
trás os anos de estagnação económica e relançar o país no caminho do
crescimento económico e do emprego. Há que procurar compreender porque,
apesar das obras feitas, do investimento na educação de milhares de
jovens e também dos milhões investidos pelos privados no sector do
turismo, o crescimento foi raso e o desemprego manteve-se demasiado
elevado com ligeiras descidas em 2012, 2013, e 2014, e com uma queda de
3,4 em 2015 mas acompanhada de aumento do subemprego e do número de
inactivos. Deve-se procurar identificar o que está mal, quando depois
de muitos milhões investidos e o alargamento do mercado potencial com
os muitos milhares de turistas o tecido empresarial não se densifica,
não se diversifica e não se especializa. Pelo contrário cai em falência,
insiste na informalidade e simplesmente abandona largos segmentos do
mercado interno face à concorrência de operadores de origem
estrangeira.
O que se pode, logo à
partida, constatar é que, por um lado, os anunciados clusters que deviam
ter dinamizado e diversificado a economia com contribuição para o PIB
nos domínios da agricultura, da indústria e dos serviços nunca se
constituíram. Também o investimento privado particularmente o capital
estrangeiro só se interessou pela mão-de-obra pouca especializada a
qual deu uso na construção civil, nas fábricas e nos hotéis. Por outro
lado, os investimentos públicos realizados não favoreceram as empresas
nacionais levando praticamente à falência o sector nacional da
construção civil. Os hotéis, apesar de movimentarem muitos milhões,
pouco serviram para alavancar a actividade empresarial nacional não
propiciando a possibilidade de criação de riqueza que resultaria da
satisfação em bens e serviços da procura gerada pelos milhares de
turistas.
É interessante notar como
os governantes e o Estado em geral pareciam contentes com toda esta
evolução não obstante os evidentes sinais perturbadores na vida das
pessoas, nas dificuldades das empresas e no ambiente social tanto nas
cidades como no meio rural. Inauguravam-se obras quase todos dias, o
discurso político celebrava os ganhos futuros dos clusters e as finanças
públicas exibiam o seu perfil de eficiência no pagamento dos
funcionários mesmo que no processo de conseguir receitas sufocasse as
empresas, não restituísse o IUR devido às pessoas e pusesse a obtenção
de receitas alfandegárias e outras derivadas do movimento de turistas
acima de qualquer consideração de política económica. Mudar esta
atitude do Estado e dos governantes é fundamental para que, depois de
ultrapassado o ilusionismo, se confronte a realidade das dificuldades
da economia nacional em se estruturar para atrair capitais e para ganhar
com os investimentos feitos.
No inquérito da conjuntura
do INE divulgado na semana passada os operadores de todos os sectores
apontam como um dos obstáculos à sua actividade o “excesso de burocracia e de regulamentações estatais”.
Esta mensagem enviada pelos empresários e pelos utentes em geral tem
que ser compreendida pelo novo governo de como o aparelho do Estado, no
sentido lato, tem sido um obstáculo para a actividade económica do país.
Também para compreender que despartidarizar a administração pública
(AP) não chega para mudar as coisas. Despartidarizar pode fazer a AP
mais profissional mas não muda necessariamente a sua actuação no
sentido pretendido de ter um Estado promotor, facilitador e regulador.
Concluindo, para que as mesas redondas
ou outro tipo de encontros não repitam o que foi feito no passado há
que identificar de forma compreensiva os empecilhos múltiplos que tem
impedido que se erga no país uma estrutura produtiva capaz de gerar
prosperidade e emprego de qualidade para todos. Já se vai tarde na
procura das respostas certas e o mundo não espera por ninguém.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 793 de 8 de Fevereiro de 2017.
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