sexta-feira, 7 de abril de 2017

Inactivos relutantes

A divulgação pelo Instituto Nacional de Estatística dos dados do emprego em Cabo Verde é sempre momento de controvérsia. A impressão que se fica é que tendem a confundir mais do que a esclarecer. O método utilizado na recolha de informação e algumas incongruências nos dados apresentados também não ajudam. Um exemplo é tomar como empregado alguém que só trabalhou uma hora na semana de referência e que continuou a procurar trabalho nas quatro semanas seguintes.Não parece razoável nem muito útil para se ter uma ideia real da situação laboral no país. Também é de alguma forma contraintuitivo ter estatísticas a apontar para uma taxa de crescimento económico do país (3,9%) em 2016, mais do triplo do que foi o crescimento em 2015 (1,1%), e em simultâneo anunciar o desemprego a aumentar em 2,6% em relação a esse mesmo ano. 
Nos dados de desemprego de 2015 apresentados pelo INE, em Maio de 2016, tinha sido o contrário. A queda da taxa de desemprego de 15,8% para 12,4% foi anunciada quando menos se esperava. O PIB nesse ano crescera a 1,1%. A causa desta aparente falta de correspondência entre crescimento do PIB e a taxa de desemprego teria sido o aumento brusco dos inactivos em 2015. Outra vez, mas agora em sentido inverso, nota-se a variação na taxa de desemprego com a baixa do número de inactivos e consequente aumento substancial da população activa. Interessante notar um fenómeno análogo no número de trabalhadores inscritos no INPS. Em 2015, com menos desemprego, tinha passado de 41% para 35,9% e agora no ano de 2016 aumenta de 35,9% para 37,3% quando se anuncia mais desemprego. É evidente que com estes desencontros de números o panorama real do país em matéria de emprego não fica claro. E os ruídos político-partidários com as interpretações de conveniência ainda pioram o quadro, porque desviam do essencial: pôr o país a crescer e a criar emprego com qualidade e sustentabilidade.  
Uma questão de grande importância trazida pelos dados do INE é do aumento progressivo da taxa de desemprego à medida que se eleva o nível de instrução. É maior entre os licenciados do que entre os trabalhadores com instrução básica. A falta de adequação entre o sistema de ensino e as necessidades da economia foi aí comprovada. Não espanta que um significativo número de pessoas classificadas, 36,3% do total, diz que não procura trabalho porque não há emprego adequado. Imagine-se os enormes investimentos do Estado e das famílias na formação das crianças e jovens feitos durante anos que ficam sem retorno e as expectativas de realização pessoal e profissional que ficam goradas. Tudo porque não se conseguiu pôr em prática políticas públicas em domínios chaves de desenvolvimento de forma coerente, articulada e com propósitos bem definidos. São custos que vêem somar aos que paulatinamente se revelam com o esvanecer dos efeitos do ilusionismo que dominou o país por demasiado tempo. 
Num país com as condições de Cabo Verde, sem recursos naturais e como diminuta população, o mais lógico seria que se fizesse um investimento compreensivo e estratégico nos recursos humanos. Foi o que fizeram os grandes casos de sucesso designadamente Singapura, Maurícias, Finlândia, Irlanda e recentemente a Estónia. Tornaram a formação num elemento fundamental de competitividade dos seus países numa perspectiva de integração dos respectivos países em cadeias de valor com abrangência mundial. Não se deixaram cair na armadilha de querer desenvolver-se com reciclagem da ajuda externa e políticas autárcicas e de hostilidade ao investimento estrangeiro e ao turismo.  
Também diferentemente de Cabo Verde, sempre puseram o desenvolvimento do sector privado nacional no centro das suas políticas. Não se deu educação e formação a crianças a jovens mantendo bem presente a ideia que trabalho seguro e desejável é o trabalho do Estado. Excederem-se em promover a necessidade de excelência em tudo e particularmente nos estudos. Não aconteceu como em Cabo Verde que, à procura de excelência, quando repetida nos discursos como um fim a atingir, entrava em contradição com as práticas vigentes de contratação e promoção que demasiadas vezes fugiam a critérios de mérito para serem produto de favoritismo, militância político-partidária e jogo de interesses. 
Hoje, quando muitos lamentam a qualidade do ensino superior e o seu desajuste com as necessidades de mercado, esquece-se o orgulho que as autoridades há poucos anos mostravam com as dez universidades criados em menos de uma década. Deleitavam-se a antever as oportunidades que segundo eles iriam ser criadas. Importava na época era ter os jovens saídos dos vários liceus, e que não viam qualquer sinal na economia que estavam adequados para o mercado de trabalho, a prosseguir os estudos, não interessava quais. Com o diploma de licenciatura teriam trabalho. O resultado é o que se vê. 
Na encruzilhada em que se encontra o país, as perspectivas não são as melhores. Os jovens não têm as melhores competências linguísticas nem a português para não falar na competência a matemática e nas ciências que podiam torná-los atractivos numa série de indústrias e serviços com futuro garantido. O Estado, com os constrangimentos da dívida pública e outros, vai absorver cada vez menos mão-de-obra. Os investimentos no turismo e em certa indústria não exigem, em regra, muita qualificação dos trabalhadores. Os apelos dos governantes para as pessoas se auto-empregarem e serem empreendedores tem efeitos limitados. A serem ouvidos,  na maior parte dos casos só poderão resultar em empreendedorismo de necessidade porque  empreendedorismo de oportunidade exige outras condições e outro ambiente de negócios que o país ainda não tem. 
Facto é que com a mudança de governo muitos que estavam inactivos regressaram à população activa mesmo que como desempregados. Aí há alguma esperança que as coisas podem mudar. O governo deve estar ciente disso e agir para manter vivas as expectativas das pessoas e pensar estrategicamente como deve posicionar o país e adequar os seus recursos humanos para melhor integrar-se em cadeias de valor global, seja em serviços, seja em produção de bens. Para que os que agora voltaram, não caíam outra vez na desesperança dos anos atrás.  
        Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 5 de Abril de 2016

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