segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Vejamos se nos entendemos

A TACV continua a marcar agenda política. Na semana passada foi trazida à baila na discussão da proposta do Orçamento do Estado e logo de seguida foi objecto de interpelação parlamentar. A comissão de inquérito ainda está a ouvir antigos gestores e dirigentes políticos e na segunda-feira os Ministros da Economia e das Finanças foram chamados à comissão parlamentar de finanças para prestar declarações sobre os negócios realizados com a Binter e a Icelandair.  Entretanto, a par das incertezas à volta dos despedimentos na empresa, da criação do hub na ilha s Sal e consequente transferência de vários trabalhadores surgem questionamentos sobre essa relocalização e aparente perda de importância do aeroporto da Praia com supostos prejuízo de muitos passageiros com destino para o exterior e em particular para as comunidades emigradas.
Entre os muitos males da TACV fala-se da dívida, da má gestão, dos custos exagerados de estrutura e do pessoal em excesso. As culpas pelo que aconteceu à empresa são atiradas por todos os lados, atingindo governantes e gestores. Mesmo na situação crítica em que se encontra não se notam sinais de algum consenso sobre como chegou ao actual estado de falência e muito menos de como agir para evitar a liquidação e procurar salvar os activos acumulados e potenciá-los a bem do país. Prefere-se fazer das extraordinárias dificuldades da empresa matéria de arremesso político, campo para o jogo das culpas e pretexto para o levantamento de suspeições de corrupção que nunca chegam a confirmar-se mas denigrem a imagem do país e deixam a população mais cínica em relação aos políticos e à política. O que importava agora era criar uma vontade nacional capaz de encontrar e apoiar uma solução que oferecesse ao país a possibilidade de não se submeter às pressões dos parceiros internacionais mais inclinados à liquidação total da TACV como forma de recuperar a ajuda orçamental suspensa. Infelizmente não é o que se vê.
Já devia ser claro que uma das razões pelos problemas da TACV é o facto de realmente não se separar a gestão da transportadora aérea da condução da política de transportes aéreos do país. Num país arquipélago e relativamente remoto, as ligações inter-ilhas e entre as ilhas e o resto do mundo são cruciais para o desenvolvimento. Acrescentando a isso à existência de comunidades expressivas nos vários continentes cuja ligação afectiva com o país convém manter entre outras razões pelo impacto económico das remessas e das visitas periódicas, vê-se como é de suma importância ter uma política de transportes que responda às necessidades de circulação de pessoas, ao turismo e às actividades económicas viradas para a exportação de bens e serviços. Se durante algum tempo foi necessária manter-se a transportadora nacional como instrumento central dessa política tanto no serviço doméstico como nas ligações às comunidades, é evidente que não era uma situação a perdurar por muito tempo, considerando os custos que era obrigada a suportar com as alterações que se verificam no mercado dos transportes aéreos ao nível global. Num novo quadro a transportadora nacional deveria com transparência ser ressarcida dos custos incorridos nas rotas não rentáveis no âmbito do que fosse considerado serviço público e também uma política de transportes visando aumentar a conectividade do país com o mundo deveria ser implementada de forma autónoma sem se deixar limitar pelas estratégias de rentabilização da empresa pública. Ao se insistir em confundir as duas, só se podia ter como resultado o aumento de ineficiências, o crescimento dos custos e o acumular de dívidas.
O novo governo instalado em 2016, confrontado com a clara falência da TACV e posto perante a urgência de a liquidar para limitar riscos orçamentais, optou pelo caminho que há muito se devia ter seguido. Separou os dois serviços de transporte aéreo e de seguida optou por ceder o tráfego doméstico a uma empresa privada e por reorientar o serviço internacional para o negócio de hub aéreo na circulação de passageiros entre América do Sul, Europa, África, Estados Unidos e Canadá. Para aumentar as chances de sucesso chegou a acordo com a Icelandair – que vários anos atrás foi bem-sucedida em criar um hub no Atlântico Norte com base na Islândia – para gerir a TACV e repetir a façanha no Atlântico Médio, a partir da ilha do Sal. Naturalmente que ao longo do processo forças políticas e outras entidades manifestaram discordâncias ou preocupações em relação às negociações havidas seja com a Binter nos voos domésticos seja com a Icelandair para a criação do hub. A própria GAO, no seu comunicado de 1 de Dezembro, alerta para a necessidade de, no âmbito das privatizações, se assegurar que as transacções individuais respeitem os princípios da competitividade, abertura e optimização na afectação de recursos.
Um facto, porém, é que se tinha de agir e se agiu mesmo que não haja consenso quanto à forma, que insuficiências ainda se mostram no serviço inter-ilhas particularmente quando se trata de cobrir as necessidades de carga de operadores económicos e quando aparentemente a actual operadora não está melhor preparada para desempenhar certos papéis em momentos críticos, em situações de urgência e nas evacuações. As controversas ligadas à relocalização da TACV na ilha do Sal para a criação do Hub ainda tem como base o não reconhecimento que a TACV tem de mudar de modelo de negócios para poder sobreviver e ainda capitalizar os activos acumulados. E o modelo de negócios implicando uma capacidade de processamento em simultâneo de vários aviões, a possibilidade stopover de vários dias, atractivos diversos com base em facilidades fiscais nas compras em zonas francas, etc., identifica a ilha do Sal como tendo as melhores condições para isso. A economia nacional ganhará com todos os negócios aí engendrados.
 A preocupação com os chamados voos “étnicos” deve ser resolvida no âmbito de uma política de transportes que torne mais fácil, mais barato e mais conveniente voar para Cabo Verde e para suas diferentes ilhas. É uma questão estratégica de fundo que importa assumir. Ao emigrante cabo-verdiano interessa-lhe fundamentalmente viajar para Cabo Verde no momento que lhe aprouver, a custo mais baixo e com melhores regalias no transporte de bagagem. Não lhe importa que a viagem seja ou não feita num avião da TACV. Mas certamente que ficará satisfeito se TACV conseguir ser bem-sucedida com a mudança de seu core business e poder ver aviões identificados como a marca Cabo Verde Airlines a transportar milhares de passageiros de um continente para o outro. Assim deveremos ficar todos.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 836 de 06 de Dezembro de 2017. 

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