Nº 534 • 21 de Fevereiro de 2012
Editorial:
O Governador do Banco de Cabo Verde ainda
está para ser ouvido na Assembleia Nacional pela comissão especializada
competente. A audição, pedida pela Oposição, tinha como objecto fazer conhecer
ao parlamento e à nação o estado actual do sistema financeiro e também avaliar
o eventual impacto que as averiguações em curso à volta do tráfico de drogas e
da lavagem de capitais poderão ter sobre o sector. A recusa do Paicv, escudada
em interpretações procedimentais que mais parecem de conveniência diminui o
parlamento como órgão de soberania fiscalizador do Governo e da Administração
Pública. A “beleza” da democracia reside precisamente em ser um sistema de
pesos e contrapesos, “checks and balances” em que o poder nunca é exercido
exclusivamente a partir de um centro, ficando todos sujeitos à arbitrariedade e
à discricionariedade de quem pode mais. Os direitos fundamentais defendem o
indivíduo perante eventuais prepotências do Estado e os direitos das minorias
garantem que a regra democrática do poder da maioria não evolua para uma
tirania da maioria. Em Cabo Verde parece que ainda custa compreender que a
democracia liberal e constitucional define-se melhor não como poder da maioria,
mas sim como sistema de governo limitado. A Assembleia Nacional, como órgão
representativo de todos os caboverdianos no seu pluralismo e na diversidade dos
seus interesses, é central para o funcionamento da democracia. Como órgão
plural assegura que a actividade do governo fique sujeita a permanente
escrutínio e que perspectivas alternativas do interesse público sejam
apresentadas e discutidas. O parlamento é mais eficaz quando, através dele, a
nação, de forma compreensiva, acompanha a governação do país, sempre consciente
de que em relação ao rumo traçado há outras visões, opções e prioridades
possíveis. Desbarata o seu capital de confiança quando se mostra inoperativo e
servil aos gostos, ditames e conveniências da maioria. Acontecimentos recentes
lançaram uma névoa sobre o sistema financeiro que importa clarear o mais
rapidamente possível. Nesse sentido, a audição do Banco de Cabo Verde é algo de
maior urgência porque, enquanto entidade supervisão do sector, saberá
certamente transmitir a dimensão dos estragos e aconselhar em como contê-los.
Em Novembro último já se fazia necessário uma audição parlamentar do Banco
Central para uma avaliação do impacto da crise internacional sobre a economia
caboverdiana. A resposta azeda do governo às declarações do Governador do Banco
de Cabo Verde sobre medidas que urgiam ser tomadas no momento, teria porém
funcionado como dissuasor de diligências nesse sentido. No caso presente, é o
Primeiro-ministro que, num pronunciamento pouco curial, porque se trata de
competência de outro órgão de soberania, diz concordar com a audição ao
Governador do BCV. Na prática, porém, nota-se que três semanas depois do pedido
de audição formulado, nada acontece devido a diferenças aparentemente
inultrapassáveis de interpretação do Regimento da Assembleia Nacional. De
facto, é negado o poder potestativo que nos parlamentos democráticos se dá aos
deputados minoritários de provocar a audição de entidades públicas sem
necessidade de acordo da maioria. Esvaziar o poder de fiscalização da
Assembleia Nacional diminui aos olhos do público a instituição central da
República e desequilibra o sistema democrático. Muitas das críticas dirigidas
ao parlamento e aos deputados provém de uma percepção popular de que a sua
função no sistema não anda a ser exercida de forma plena. Pode mostrar-se
vantajoso para quem no momento governa ter um parlamento fragilizado, mas a
realidade é que, a prazo, todos sofrem porque o cidadão comum fica sem
protecção perante o Estado: o pluralismo a todos os níveis é restringido e
alternativas não são construídas. Valorizar o parlamento, particularmente na
sua vertente fiscalizadora, é essencial, nos tempos de hoje, para a sua
legitimação, aos olhos de todos, como órgão de soberania.
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