quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Contra a violência



Editorial Nº 561 • 29 de Agosto de 2012
Contra a violência
O crescendo da violência em Cabo Verde preocupa a todos. A sensação de insegurança persiste e as estórias pessoais de assaltos, furtos e agressões físicas tornam-se cada vez mais alarmantes. O governo apela à reflexão e à busca de causas do fenómeno. Mas não poucas vezes fica a impressão de que atrás da chamada à co-responsabilização há, de facto, uma desresponsabilização da tarefa primeira do Estado em garantir a segurança, a tranquilidade e a ordem pública.
Nas reflexões uns propõem acções preventivas robustas e punição mais dura dos delinquentes e outros aconselham abordagens abran­gentes e de maior capacitação institucional.O aumento de denúncias da brutalidade policial sem ser acompanhado da diminuição da frequência e do grau de violência dos crimes revela a ineficácia de certas tácticas. Só a presença de uma cultura securitária que favorece o uso de força desproporcional, discricionário e pouco respeitador dos procedimentos legais, impede que sejam revistas.
Quando confrontadas com os resultados medíocres, a reacção das autoridades deixa transparecer algo complicado: não vêem com bons olhos as críticas à polícia vindas seja da oposição, dos órgãos de comunicação social ou de simples cidadãos; e permitem que veladamente se atribua culpa, pela insegurança reinante à não “colaboração” do poder judicial e aos amplos direitos dos indivíduos consagrados na Constituição. A duplicidade na atitude dificulta a adequação institucional necessária para que se tenha uma polícia que defenda os direitos dos cidadãos, que nunca use a tortura e outros meios ilícitos na investigação criminal e que deixe para os tribunais a punição de crimes quando devidamente provados e julgados.
Apesar dos vinte anos de democracia liberal e constitucional há quem não reconhece os ganhos civilizacionais extraordinários na adopção da Constituição de 1992 com o seu vasto catálogo de direitos do indivíduo. São os mesmos que nunca viram nada de mal nos atropelos graves feitos à vida, à integridade física e à liberdade dos caboverdianos durante o regime de partido único. E que, pelo contrário, procuram apagar da memória colectiva as prisões arbi­trárias, torturas e tribunais militares a que foram sujeitos cidadãos caboverdianos em várias ocasiões designadamente em 1977 e na sequência do 31 de Agosto de 1981. Para eles a insegurança actual e a necessidade de dar combatente à criminalidade justificam actu­ações “musculadas”.
Steven Pinker no seu último livro “Os melhores anjos da nossa natureza” chama a atenção para o declínio dos níveis da violência nos últimos séculos. Destaca dois factores: 1- mudanças no compor­tamento das pessoas com destaque para as boas maneiras e para o civismo; 2- a afirmação dos direitos do homem a partir do Iluminis­mo (século dezoito) e a consciência que o Estado deve respeitá-los e defendê-los. O aumento da violência em Cabo Verde, contrariando tendências globais, deve convidar a uma profunda reflexão que não fique simplesmente pelo deitar culpas para cima das famílias.
É evidente, por exemplo, que a dependência do Estado e o assistencialismo criam nepotismo, clientelismo e oportunismo, o que não favorece a cooperação entre as pessoas, nem aumenta o capital social ou desenvolve cultura cívica. Se as instituições são desacreditadas por tais vícios, a tendência é para os indivíduos se resguardarem e resolverem pessoalmente ou em grupo os seus pro­blemas. A violência encontra aí terreno fértil. Também se as forças de segurança na sua actuação não absorverem os valores liberais de defesa dos direitos fundamentais dos embates com os cidadãos e as comunidades só podem resultar mais brutalidade, provocações mútuas e maior desconfiança.
Lutar contra a violência implica promover os valores da paz social, da cooperação entre indivíduos e da crença na prosperidade por esforço próprio. Concomitantemente há que sacudir resquícios de ideologias que se servem de todos os pretextos para sacrificar os direitos individuais. Mais um aniversário do 31 de Agosto deve lembrar os perigos que todos incorrem quando se olha para o lado e se deixa que a tirania se instale.
A Direcção



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