quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Precisamos do Parlamento




Editorial Nº 557 • 1 de Agosto de 2012

Precisamos do Parlamento
Várias vezes se ouve que os trabalhos no parlamento ficam abaixo das expectativas. É verdade. Porém, saltar dessa constatação para afirmações de que se podia viver sem o parlamento ou que a culpa está no nível dos deputados ou ainda que deveria existir uma dis­ciplina “superior” para manter todos na ordem é problemático. Na consolidação da instituição parlamentar, há que resistir à tentação de enveredar por certos atalhos simplesmente porque aparentam ser de baixa conflitualidade. Procurar suprimir em nome do consenso a tensão que acompanha o uso do contraditório e dos processos de responsabilização política dos governantes tem custos. E pagam-se com atropelos à dignidade, com diminuição de escolhas possíveis e com ausência de dinâmica na vida do país.
O pluralismo é essencial à democracia e o seu centro nevrálgico situa-se no parlamento. Torpedeá-lo causa ondas que repercutem por todo o corpo da nação. A comunicação social fica sozinha com a incumbência de trazer à luz do dia os actos e consequências da governação. Pode aguentar ou pode soçobrar face à hostilidade crescente dos poderes públicos sempre renitentes em revelarem ao púbico as suas motivações e os seus métodos. Mesmo o poder ju­dicial poderá ver a sua independência comprometida à medida que os cidadãos se sintam cada vez mais desamparados e a ele recorram como único recurso. Sem pluralismo não existe sociedade civil e cada indivíduo é deixado a mercê do Estado.
A história diz-nos que nas democracias as primeiras décadas são sempre tumultuosas. A adopção do princípio democrático de escolha de governantes pela via das eleições não é automaticamente acompa­nhada da aceitação plena de que os mandatos têm um período fixo e que maiorias diferentes alternam-se no poder. O resultado são as manipulações do partido no Poder para fidelizar o seu eleitorado e evitar que eleitorado potencial dos outros partidos, muitas vezes mais vulnerável, vote. Uma outra consequência é usar a maioria absoluta como justificação para governar sem os limites postos pela obrigação de respeitar as minorias e de cumprir as regras do jogo democrático. Em face disso, tornam-se corriqueiras investidas que configuram violação da Constituição, atentado contra a autonomia municipal, fuga ao Regimento da AN e demonstrações de desleal­dade institucional.
O debate sobre o Estado da Nação de 2012 não se realizou. Os ataques directos e pessoais ao líder do maior partido da oposição lançou o parlamento por um caminho que inviabilizou qualquer discussão serena. Questões prementes que se colocam ao país e que ganham especial gravidade e urgência na actual conjuntura mundial ficaram sem resposta. Dias atrás a maioria parlamentar bloqueara a leitura da mensagem com a fundamentação do veto da lei sobre a taxa ecológica enviada pelo Presidente da República à Assembleia Nacional. Lealdade institucional obriga que os órgãos de soberania se respeitem mutuamente e aceitem com normalidade o uso de competências que materializam o princípio de separação e inter­dependência de poderes. O Governo é responsável politicamente perante o parlamento. Devia demonstrar a devida deferência para com esse órgão de soberania prestando as informações solicitadas e submetendo-se à fiscalização política das suas actividades. A lingua­gem utilizada pelos sujeitos parlamentares nas suas comunicações deve pautar-se pela dignidade, pela sobriedade e pelo respeito.
Queixa-se muito da falta de consenso entre as forças políticas em Cabo Verde. A realidade porém é outra muito diferente como se pode constatar facilmente pelo número elevado de leis importantes e estruturantes que são unanimemente votadas no parlamento. A falta de convergência de pontos de vista verifica-se quando se avaliam resultados da governação e o modo de actuação do governo. Mas isso é o esperado e mostra o sistema no seu melhor. Consenso não pode significar adesão acrítica às posições de quem governa.
É fundamental ter um parlamento funcional em que os partidos defendem os seus pontos de vista de acordo com as respectivas matrizes politico-ideológicas. Só assim a nação, ciente das opções, nuances e diferenças de visão e de percurso dos diferentes conten­dores políticos, fica em condições de exercício pleno do seu poder de escolha de governantes e de governo.
A Direcção

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