quarta-feira, 3 de julho de 2013
Qualidade precisa-se
A qualidade como referência-chave de um sistema de ensino fica quase sempre secundarizada nos discursos dos governantes. A interpelação parlamentar feita ao Governo na semana passada não foi excepção. O próprio ministro do Ensino Superior preferiu realçar a democratização do ensino superior e os propósitos do governo em dar seguimento a um programa de recomposição social e à sua agenda de transformação. A questão da qualidade, deixada para a parte final do discurso, é alvo, segundo o ministro, de noções imprecisas, impressionistas e subjectivas, presumivelmente veiculadas por críticos. Talvez os mesmos que ficam preocupados vendo os sonhos e aspirações dos jovens e respectivas famílias adiados, porque não saem do sistema com o nível de formação e de adequação às necessidades do mercado que seria de esperar. Cabo Verde não tem recursos naturais apreciáveis. Só pode contar realmente com o seu potencial humano em termos qualitativos porque com diminuta população não tem expressão nem como mercado nem como fonte de mão-de-obra barata. Por isso, a luta pela qualidade, o culto da excelência e a procura de eficiência deviam ser as balizas de orientação em todos os sectores de actividade. Na Educação, em particular, com muito em jogo, designadamente escassos recursos financeiros do Estado e uma fatia razoável do rendimento das famílias, a procura da qualidade devia ser feroz. A realidade porém é que esse objectivo central sempre perdeu em competição com os propósitos políticos de massificação do ensino: primeiro do ensino básico, posteriormente do ensino secundário e agora do ensino superior. A troca de prioridades ou insuficiente foco na qualidade não podia deixar de ter consequências graves para as pessoas e para o país. Há muito que se dá como assente que ter uma população alfabetizada e com conhecimentos básicos de matemática e ciências e compreensão sufi- ciente da língua nacional constitui pré-requisito essencial para o crescimento económico e desenvolvimento social. O sucesso estrondoso dos chamados Tigres da Ásia, Taiwan, Hong Kong, Singapura e Coreia do Sul foi sempre associado aos resultados extraordinários que obtinham nas ciências e matemáticas que os colocava no topo do ranking mundial. A preocupação central com a qualidade garantia-lhes que o investimento no ensino básico e no secundário resultava na criação de uma mão-de-obra nacional com um núcleo de competências essenciais para apropriação e uso de tecnologias diversas. A existência de tal capital humano altamente qualificado constituía um factor essencial de atracção de investimento externo, de criação rápida de empregos e de crescimento sustentado e a taxas elevadas. As consequências da falta de foco na qualidade do ensino em Cabo Verde fizeram-se sentir em força na segunda metade da década passada quando milhares de jovens terminaram os liceus e não havia trabalho para eles. Numa pequena economia aberta como Cabo Verde, empregos em número suficiente só podiam resultar do esforço de satisfazer significativa procura externa de bens e serviços. Mas a atenção do governo não estava virada para atrair investimento directo estrangeiro, para melhorar a competitividade do país e para procurar mercados externos, assim como não estava para aprimorar o capital humano. Em consequência, o objectivo proclamado de desemprego a um dígito não se realizou. Para os jovens sem perspectiva de emprego imediato a alternativa que apareceu foi prosseguir os estudos. Nisso tiveram o apoio do governo não só em licenciar universidades e autorizar cursos sem muitas das exigências académicas desejáveis como também no financiamento de bolsas de estudos com base em critérios outros que não o mérito. Decisões, prenhes de consequência, muitas delas tomadas a quente e em período pré-eleitoral mas que contribuíram para aliviar a tensão social que já se fazia sentir devido ao desemprego persistente. Uma moratória, no dizer de alguns, que está a chegar ao fim com o término dos estudos superiores desses mesmos jovens. E outra vez vêem-se sem emprego porque a economia não se expandiu nem se diversificou suficientemente para os absorver. O tempo e dinheiro gasto nas formações superiores não trouxeram o retorno esperado de maior adequação das pessoas ao mercado e de uma maior competitividade do país. Com os olhos de muitos dirigidos, ainda expectantes, para os empregos do Estado, a procura de formações mais técnicas e exigentes não é significativa. Concentram-se nos estudos em áreas humanísticas e pouca pressão se faz para que o ensino seja de qualidade. Estabelece-se assim um círculo vicioso: por se colocar em segundo lugar a qualidade não se consegue dinamizar a economia e criar novos empregos. Na falta de trabalho, muitos endividando-se, avançam para a universidade para depois se depararem com a mesma situação que viveram ao terminarem o 12º ano. O governo entretanto continua, por um lado, a acenar-lhes com a possibilidade de emprego no Estado e, por outro, exorta-os a se tornarem empreendedores ou a promoverem o auto emprego. Soluções irrealistas considerando que o Estado cada vez absorve menos quadros, que os critérios de entrada e promoção na função pública nem sempre são os mais objectivos e que o espírito empreendedor não é de geração espontânea. Valorização do capital humano deveria ser o objectivo nº 1 de um país com as características de Cabo Verde. Porque razão não o é, constitui um misté- rio. Entretanto, porque não se deixa reger pela excelência, pela meritocracia e pela utilização eficiente e eficaz dos recursos, expectativas são frustradas, investimentos pessoais e familiares ficam sem retorno, a riqueza não é produzida e a mediocridade ameaça submergir tudo: as instituições, as escolas e toda a sociedade. Há que quebrar o círculo vicioso.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 3 de Julho de 2013
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário