quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Incongruências

O discurso do governo sobre os clusters é do mais desconcertante. Começou por propor quatro (mar, aeronegócios, tecnologias de informação e comunicação, praça financeira), depois acrescentou mais três (agronegócios, energias renováveis e turismo). Nenhum se constituiu até agora e parece que um já ficou pelo caminho, a praça financeira, no meio das atribulações que vieram a público sobre os bancos offshore e a Bolsa de Valores. Mas os governantes em cada inauguração de alguma infra-estrutura não se cansam de anunciar o progresso futuro que virá da dinâmica dos clusters. Não se tem é notícias das empresas privadas que iram constituir os clusters e da procura externa de bens e serviços que justificará a existência, a sustentabilidade e a dinâmica deles.

No outro dia, o Primeiro Ministro numa visita ao porto da Praia considerou que o investimento que está a ser feito “é um passo firme na efectivação do cluster do mar a partir da cidade da Praia”. Uma afirmação algo estranha considerando que a localização geográfica é chave para a constituição de clusters e S. Vicente tem sido apresentado como a base do futuro cluster do mar. Aliás foi com essa justificação que se instalou o Núcleo Operacional dos Assuntos do Mar na ilha e se transferiu a sede da Guarda Costeira. Tendo S. Vicente as suas próprias instalações portuárias não fica muito claro como é que investimentos no porto de outra ilha irão potenciar a actividade das empresas aglutinadas à volta do Porto Grande.

Clusters, de acordo com Michael Porter, são constituídos por empresas que interligam entre si num misto de cooperação e competição que lhes permite responder como eficiência e efectividade às necessidades dos mercados. São marcados pela geografia na medida em que se localizam onde há muito do chamado conhecimento táctico acumulado ao longo de gerações nas pessoas e as instituições. Lugares onde se desenvolveu uma cultura de confiança e de conhecimento mútuo que permitem trocas de conhecimento formais e informais, que facilitam a inovação e o empreendedorismo e que favorecem o gosto pelo risco.

Por estas e outras razões não se criam clusters a belo prazer de quem governa. Casos de sucesso não são muitos e clusters que conseguem impor-se e prosperar como Silicon Valey, Route 128 em Boston, Hsinchu park em Taiwan, Silicon Wadi em Israel e Daedeok Park na Coreia do Sul não foram criados pelo governo. As probabilidades de insucesso aumentam sempre que o processo é dominado pela retórica do tipo que faz tradução directa de barragens em agro-negócios, de aerogeradores entregues chave na mão em cluster de energias renováveis e de mais betão nos portos em cluster do mar.

Abundam exemplos um pouco por todo o mundo de muitos milhares de milhões gastos em parques tecnológicos, parques industriais que depois são abandonados sem que as promessas anunciadas com pompa e circunstância nos lançamentos da primeira pedra e nas inaugurações se concretizassem. Erros do género repetem-se porque para muitos governos é mais fácil mostrar betão, obras grandiosas e infra-estruturas futuristas. E como não as conjugam com as reais vantagens do país e não as fazem acompanhar de investimento sério nas pessoas e instituições em conhecimento, em capital social e numa nova atitude perante os desafios do mundo moderno transformam-se em dívida pesada e em símbolos da frustração crescente da população.

No mundo de hoje a presença forte e diária dos governantes na comunicação social faz com que muitas vezes a governação se transforme num exercício de relações públicas, de ilusionismo e em certos momentos de manipulação pura. Uma deriva desta natureza sempre que se verificar deve ser combatida pelos próprios políticos com sentido de Estado e de responsabilidade mais apurado e pelos cidadãos e pela sociedade civil com uma vigilância activa mais activa da vida política nacional.

Cabo Verde, um micro Estado de parcos recursos, tem que saber arrepiar caminho e não persistir no erro e nas falhas na implementação de políticas. Paga-se caro a arrogância nas questões públicas. Por outro lado, tem que saber reagir com vantagem às mudanças constantes que se verificam no mundo e não deixar-se seduzir por ilusões que podem dar conforto no momento mas não trazem prosperidade nem felicidade.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 13 de Novembro de 2013

Sem comentários:

Enviar um comentário