quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Tapar o sol com a peneira



A Sra. Ministra de Finanças, na semana passada, num seu tom característico de quem estava a dar uma grande novidade ao país, revelou que a TACV constitui um “grande risco fiscal” (orçamental). Logo de seguida passou a enumerar as medidas já prontinhas que de imediato irão ser tomadas para sanar a situação. Até parece que os problemas da transportadora aérea são de hoje e que perante eles o governo vai reagir em tempo, com firmeza e celeridade. A realidade, como todos sabem, é completamente outra.


De há muito que existe um entendimento oficial, apoiado pelo Banco Mundial, de que a TACV deve ser privatizada. Com a privatização previa-se imprimir uma nova dinâmica à empresa e evitar que se tornasse uma futura carga para os contribuintes. O Governo, porém, talvez por razões ideológicas, nunca quis seguir esse caminho. Passaram os anos, as dificuldades da empresa cresceram não obstante os sucessivos conselhos de administração nomeados. Em Junho de 2009 o FMI fez uma forte chamada de atenção ao governo em relação ao risco orçamental que as grandes empresas estatais, em especial à TACV e a ELECTRA representavam. O Governo prometeu então, também em tom energético, tomar medidas. Hoje é o que se vê: A ELECTRA para resolver os seus problemas aplica preços de energia dos mais caros do mundo; a TACV debate-se com enormes constrangimentos. Ninguém deve mostrar-se surpreendido. Está-se a colher o que foi semeado.


O governo esforça-se por apresentar a situação actual de crescimento raso e desemprego elevado como efeito de forças exteriores que escapam ao seu controlo. Assim como não assume que o facto de não ter privatizado a TACV e de ter renacionalizado a ELECTRA contribuiu em grande medida para a situação actual das duas empresas e também não reconhece que não se precaveu devidamente para a diminuição da ajuda externa, no fim do período de transição para país de rendimento médio. A realidade é que com ou sem crise internacional haveria quebra nos donativos e empréstimos concessionais. Por isso, a queda em 45% da ajuda orçamental, anunciada também pela ministra, não deve constituir surpresa.


Um governo mais prudente faria a sua estratégia passar pela melhoria da competitividade externa e do ambiente de negócios na perspectiva de reorientar a economia para exportação de bens e serviços e atrair investimento directo estrangeiro. Os fluxos gerados substituiriam as transferências no âmbito da ajuda externa. Os índices baixos de Cabo Verde nos relatórios da competitividade do Fórum Económico Mundial e no Doing Business do Banco Mundial dão conta dos esforços insuficientes do governo nessas matérias. Agora culpa-se a crise mas é facto que a crise actual não significa falta de dinheiro. O capital está ai, porém só se move para onde pode extrair retornos aceitáveis.


O Orçamento do Estado começa a ser discutido no Parlamento a partir de quinta-feira e o mais provável é que se vá continuar a tentar tapar o sol com a peneira. Tudo indica que, a exemplo do que se passou na execução do Orçamento do Estado de 2013, uma boa parte do previsto em investimento e despesas várias não se vai concretizar. Em ambiente de abrandamento da dinâmica económica dificilmente se conseguirão receitas suficientes para equilibrar as contas. Seria de esperar que nesta fase, em que já se atingiu os limites do endividamento público, o investimento privado substituísse o investimento do Estado. Mas o estado do sector privado nacional, paradoxalmente exangue no fim de um programa de centenas de milhões de contos na infra-estruturação, impede-o fazer. Segundo o último Relatório da Política Monetária do BCV, os bancos estão relutantes em dar crédito aos privados. Percebem que há riscos macroeconómicos derivados da dívida elevada e dos défices públicos e preferem emprestar ao Estado via títulos e bilhetes do Tesouro em vez ceder crédito para a habitação, para o consumo e para o investimento a indivíduos, famílias e empresas.


A situação difícil em todas as ilhas mas principalmente as como S.Vicente e Sal, mais abertas ao exterior, não parece alarmar o suficiente o governo. Prossegue impávido com as mesmas receitas políticas que até agora falharam nas transformações prometidas. A propensão por medidas avulsas e de impacto popular imediato dificulta uma actuação compreensiva e estratégica da governação que melhor habilitasse o país a confrontar os desafios actuais e do médio e longo prazo. A atitude dos governantes que mais conviria ao país neste momento devia ser aquela que fizesse dos níveis de emprego, de rendimento e de qualidade dos seus concidadãos a bitola para se sentirem legitimados e gratificados no seu trabalho.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Novembro de 2013 Humberto Cardoso

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