É espantoso o zelo que o governo demonstra na
procura de culpados e de bodes expiatórios para tudo o que corre mal no país.
Dessa forma evita assumir a sua responsabilidade. Exemplo recente viu-se no
discurso do Sr. Primeiro-ministro na apresentação de cumprimentos de Ano Novo
ao Presidente da República. Considerou 2014 um ano muito difícil e com
“constrangimentos restritivos de crescimento”. Logo de seguida pôs culpa na
crise internacional, no ébola, na seca e na erupção do vulcão do Fogo, mas há
muito que se tornara evidente que 2014 seria mais um ano de crescimento raso. O
FMI no início de Outubro, antes de se fazerem sentir os efeitos do ébola, da
seca e do vulcão, tinha revisto em baixa, de 3,2% para 1% do PIB, o crescimento
da economia de Cabo Verde para 2014. Na época só a ministra das Finanças
teimosamente contestou os dados do FMI.
Ainda no afã de justificar tudo, o PM, sem
mencionar o naufrágio do navio Vicente, foi dizendo no seu discurso que “mudanças climáticas têm provocado
substanciais alterações nos nossos mares, com os consequentes perigos para a
navegação marítima”. A dúvida que fica é se o barco se afundou com
passageiros a bordo, porque os mares estão especialmente perigosos devido
hipoteticamente a mudanças climáticas ou porque – como se pode tirar das
declarações públicas de pessoas envolvidas, de profissionais da área e de
entidades do sector – houve falha efectiva da regulação marítima, do controlo
portuário e do sistema de busca e salvamento no país. A dúvida introduzida é
suficiente, porém, para, logo à partida, se relativizar a culpa das autoridades
envolvidas.
A não assunção plena das responsabilidades por
quem de direito cria problemas graves de governação. Assim é porque na
democracia dá-se à maioria saída das eleições o poder de governar por um tempo
limitado e no quadro de um programa com objectivos e metas claros e espera-se
que cumpra o prometido e que assuma eventuais falhas. Por isso, a relação governo/cidadão
não pode ser um jogo de atirar culpa para o passado porque quem ganha o direito
de governar fá-lo com a promessa de corrigir os erros do passado e de potenciar
o legado recebido. Também quem governa não pode desculpar-se com a suposta
inércia ou resistência de outros porque ganhou fazendo acreditar que sabia
construir vontade política alargada para realizar os objectivos fundamentais de
paz, de prosperidade e de qualidade vida para todos. E a relação
governo/sociedade não pode ser a de procurar esvaziar críticas com declarações
de que não é possível fazer tudo de uma vez. Obviamente que ninguém espera dos
governos que resolvam tudo e de uma vez só. Exige-se porém que cumpram o que
prometeram e o que programaram realizar.
Quando os sinais de desresponsabilização se
mostram presentes em todas as circunstâncias é de se preocupar muito a sério.
De facto, o jogo do gato e do rato quanto à assunção das responsabilidades já
não se passa só no Parlamento. Nota-se também quanto à insegurança nas ruas, em
acidentes graves como o naufrágio do Vicente e emergências naturais como a
erupção do Fogo, para só referir casos recentes. Pergunta-se em que outras
circunstâncias menos publicitadas fica-se por este jogo de passar a culpa para
o outro e se varrem os problemas para debaixo do tapete só para os ver
reaparecer quando menos se espera.
A cultura da fuga às responsabilidades que não
deixa identificar devidamente os problemas e que não permite discuti-los até se
encontrar forma de os resolver já há muito que vem causando problemas ao país.
É só relembrar o que foram os anos dos problemas graves no sector de energia e
água. A culpa foi para todos os lados. Quem devia assumi-la nunca o fez. A
realidade é que hoje todos pagam em tarifas exorbitantes os anos de desresponsabilização.
O mesmo agora se passa com a segurança. Ao longo dos anos permitiu-se que
proliferassem armas nas mãos das pessoas, pouco se fez para conter a cultura de
violência e optou-se por uma gestão populista do sector da segurança. Em
consequência, o país ficou descalço perante as ameaças crescentes que vieram de
fora ou emergiram nas cinturas urbanas país.
Em outras vertentes centrais para o futuro
como a economia, a educação e a cultura de desresponsabilização gerou o que
todos vêm no desemprego aflitivo e na inadequação da educação às necessidades
do mercado. Mesmo quando um sector como o turismo se mostra promissor, porque
procurado por investidores estrangeiros e alimentado por uma procura externa
abastada, não consegue focalizar completamente a atenção do governo. O BCV numa
das suas últimas publicações constata que já se verifica uma perda da dinâmica
da procura turística em Cabo Verde por duas razões: a primeira porque o Norte
de África está se a recuperar e Cabo Verde não soube utilizar a oportunidade
para se tornar realmente competitivo; a segunda razão porque o Estado optou por
assumir o papel de rentista que ameaça sufocar a galinha dos ovos de ouro.
O relatório do BCV dá conta que a tributação
mais pesada com o aumento do IVA para 15 por cento e a criação da taxa
turística contribuíram para tornar o destino Cabo Verde menos competitivo. Já
se sabia que isso podia acontecer. Mas, como é habitual, não se confrontou este
e outros problemas que afectam o turismo porque as críticas devem ser ignoradas.
Também se o sector for afectado negativamente e os investimentos não forem
realizados, empregos não forem criados e receitas diminuíram ninguém vai querer
ser responsabilizado. Em Cabo Verde a culpa morre sempre solteira.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 21 de janeiro de 2015
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