sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Evitar deriva securitária e justicialista

Os assaltos e as recentes mortes violentas elevaram a um outro patamar as preocupações dos cabo-verdianos com a sua segurança. Os alvos escolhidos, o modus operandi dos criminosos e o tipo de violência utilizado deixam a forte impressão de que algo está a mudar para pior. Casos graves acontecem por todo o país, mas é na cidade da Praia que se notam os excessos. Os esforços das autoridades em demonstrar que conseguem manter o controlo em todas as situações não se têm revelado suficiente para dissipar o sentimento crescente de falta de segurança da população. E isso apesar das respostas musculadas face a investidas criminosas e a outras perturbações da ordem pública e da colocação de militares a par com a polícia nas ruas.
A ansiedade geral que toda esta insegurança cria, põe muita gente, por um lado, a pensar em outras soluções possíveis e, por outro, a procurar falhas ou culpados para a situação. Declarações pouco claras ou mesmo ambíguas das autoridades quanto ao papel dos tribunais e quanto à relação polícia/tribunal, assim como à natureza das medidas de coacção designadamente o TIR e a prisão preventiva, tendem a alimentar impulsos justicialistas que querem ver presumíveis criminosos punidos imediatamente e sem o “due process”. Sugestões de alteração do Código do Processo Penal e da moldura de penas passam a impressão de que o sistema legal está desadequado, não é suficientemente dissuasor e peca por ser demasiado garantístico. Há quem fale abertamente em aumentar a pena máxima ao mesmo tempo que vozes se fazem ouvir particularmente no circuito dos comentários anónimos e também nas redes sociais a clamar pela prisão perpétua e até pela pena de morte. Um sinal preocupante do que pode estar a verificar-se neste domínio é a reacção de regozijo nesses circuitos perante as mortes recentes em encontros com a polícia no caso da Cidadela e do foragido de São Martinho.
Sente-se a frustração crescente da sociedade perante a incapacidade manifesta das autoridades em restaurar a tranquilidade pública. As respostas robustas e musculadas da polícia a surtos de violência e criminalidade, só por si, não resultam por muito tempo. A exemplo do que já se viu acontecer noutras paragens, a insegurança regressa, a relação da polícia com as comunidades e particularmente com os jovens nas periferias urbanas não melhora e nota-se uma escalada na violência. Questionado, o governo responde proclamando a segurança como uma responsabilidade de todos, mas peca por não vincar suficientemente a centralidade do papel do Estado no processo de a assegurar a todos os cidadãos. É evidente que tal atitude é percebida como desresponsabilização o que não deixa ninguém sentir-se mais seguro e aumenta a ansiedade geral.
Acontecimentos recentes designadamente o assassinato da mãe da inspectora da judiciária e o atentado contra o filho do Primeiro-ministro já provocaram mudanças no sector da segurança com renovação de comandos e preenchimento de cargos deixados demasiado tempo sem titular. Mas provavelmente o que deveria constar da ordem do dia era uma avaliação mais profunda de todo o sector e das opções assumidas em 2005 e 2006 com a junção das várias polícias numa Polícia Nacional, a criação dos Serviços de Informação da República (SIR) e a reorganização das Forças Armadas em Guarda Nacional e Guarda Costeira. Oito anos depois, o Plano de Segurança Interna adoptado pelo governo reconhece o quão incompleto se mantém a junção das polícias fiscal, marítima e de ordem pública com consequências na eficiência e eficácia da polícia nacional. Quanto ao SIR até o último comandante de protecção das entidades públicas na Polícia Nacional, em artigo de jornal, “duvida se ainda está activo”. Nas Forças Armadas, a enfase posta em missões de segurança interna leva a que se faça treinamento sofisticado de conscritos. Corre-se o risco de fuzileiros ou outras tropas especiais, terminado o serviço militar obrigatório e sem emprego, possam ser aliciados a colocar as técnicas aprendidas ao serviço do crime.
Os acontecimentos recentes de desembarque de drogas e de acidentes marítimos mostram a necessidade urgente de se controlar os mares territoriais, as costas e as zonas desertas das nossas ilhas. Actualmente, as funções de autoridade marítima são exercidas por várias entidades no quadro de um modelo institucional que se revelou inefectivo nomeadamente no caso do acidente do navio “Vicente”. Todos perguntavam onde estava a Guarda Costeira, como se deveria ter feito para accionar os barcos de busca e salvamento e quem poderia ter actuado com mais rigor para fazer cumprir regulamentos e normas que garantam maior segurança e profissionalismo na navegação marítima entre as ilhas. 
Um sentimento de insegurança, provavelmente nunca antes experimentado, perpassa todo o país. É essencial que o governo dê uma resposta adequada. Uma resposta que fundamentalmente reafirme o Estado de Direito e adeqúe as forças de segurança para melhor garantir a ordem e a tranquilidade públicas, com estrito respeito pela legalidade democrática e os direitos dos cidadãos. Como já foi dito por várias personalidades o grau de civilização de uma sociedade avalia-se pela forma como trata os piores no seu seio. Não se pode deixar levar pela frustração e começar a pensar que “bandido bom, é bandido morto”. 

Também fundamental para a luta contra o crime é a relação de confiança que a polícia cria com as comunidades. As forças da ordem devem ser incentivadas a seguirem os mais estritos critérios de legalidade na sua actuação e a serem transparentes na sua relação com a sociedade. Só fugindo a lógicas securitárias e justicialistas é que se poderá garantir que a  luta contra o crime terá resultados seguros e duráveis. 

 Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 4 de Fevereiro de 2015

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