Steven Pinker no seu livro “Os anjos bons da
nossa natureza” demonstra que são nas democracias consolidadas que se verificam
os níveis de violência mais baixos do mundo. Assim é, segundo ele, porque a democracia, mesmo imperfeita, ainda é a via
que, entre a violência da anarquia e a violência da tirania, com menos
violência se consegue governar. De facto, a democracia, os direitos dos
indivíduos, o primado da lei e a independência do poder judicial são os
ingredientes essenciais para se manter o contracto social que renova a
confiança no sistema e dá garantia de se ter paz e justiça, hoje e amanhã.
Há quem não concorde e pelo contrário culpa a
democracia e a liberdade pelas quebras na segurança e ordem pública. Nesse
apontar de dedo nota-se alguma nostalgia pelos tempos da ditadura. Supostamente
teriam sido mais simples e mais seguros. Não se vê é que a falta de
transparência própria desses regimes e a inexistência de estatísticas
confiáveis dificilmente permitiam conhecer a realidade vivida então. Por outro lado,
não se pode duvidar do potencial de violência arbitrária, indiscriminada e sem
controlo que o Estado na época era capaz de exercer a qualquer momento e contra
qualquer cidadão. Bem podiam não se registar muitos homicídios e agressões, mas
ninguém estava livre de ser sujeito à prisão sem culpa formada, a humilhações,
a torturas e até à morte violenta.
Tendo essa experiência em devida consideração,
tentar empurrar a polícia para posições mais autoritárias, insistir em diminuir
os constrangimentos legais de defesa ditados pela Constituição e esforçar-se
por deixar a instituição policial sem a supervisão adequada não garante
eficácia no combate ao crime e na manutenção da ordem pública mas certamente
que abre o caminho para o potencial aumento da arbitrariedade na acção
policial. É o que vem acontecendo e há que arrepiar caminho. A via, como bem
mostra Steven Pinker, é o da consolidação das instituições democráticas.
Significa isso que todos os agentes no sistema
devem deixar de lutar contra ele e colocar-se à altura das suas normas e
procedimentos. Evolui-se institucionalmente absorvendo, nos comportamentos e na
acção, os elementos chaves que definem a entidade, que determinam a sua relação
com as outras e permitem-na servir a comunidade com isenção, imparcialidade e
proporcionalidade. Se eventualmente se mostrar necessário mudar algo, o sistema
tem os seus mecanismos próprios. Para isso tem um governo que com a sua maioria
absoluta no Parlamento pode alterar o Código do Processo Penal e a moldura
penal de certos crimes e disponibilizar recursos via Orçamento do Estado para
tornar as forças de segurança mais eficazes. Caricato é tentar fugir da
responsabilidade atirando directa ou indirectamente culpa à Constituição ou a
leis que este mesmo governo foi autor e apresentou para aprovação.
Insiste-se muitas vezes na falta de meios para
justificar falhas. De facto, meios materiais, humanos e tecnológicos são
necessários mas não são suficientes. Fundamental é ter a atitude própria de se
colocar à altura das exigências da Constituição e das leis e não justificar a
falta de efectividade apontando dificuldades ou relutância de alguns em as
cumprir. A preocupação com os resultados, com a realização da missão em todos
os seus objectivos e metas deve nortear acção das instituições. Ao governo
compete assegurar-se de que assim seja e não se deixar apanhar exclusivamente
por interesses político-partidários pondo num plano secundário as exigências de
uma gestão adequada e criativa de todos os assuntos do país.
Reconhecer em toda a sua dimensão a
complexidade dos problemas com que o país se depara é um passo fundamental para
se encontrar soluções. Também é essencial para que a relação entre governantes
e governados siga sempre o caminho da verdade e da honestidade. A preocupação
excessiva com a imagem, o uso de propaganda para a comunicação e a predilecção
por encontrar bodes expiatórios sempre que surgem problemas deixa o país e as
suas instituições num estado de permanente vulnerabilidade perante os desafios
que diariamente se colocam. Que confiança, por exemplo, terão as pessoas que o
problema de insegurança será resolvido quando ouvem deputados do partido no
poder a dizer que afinal a sua insegurança
é um sentimento ou sensação não corroborada pelas estatísticas da polícia.
A vulnerabilidade do país ficou patente
recentemente com a erupção do vulcão do Fogo, o naufrágio do navio Vicente e os
atentados recentes. Teme-se porém que a postura costumeira de centrar na gestão
da imagem substitua as medidas certas e profundas que se deviam tomar. Não se
pode continuar nem a fazer fugas em frente, nem a esconder os problemas debaixo
do tapete. A consolidação das instituições não se compadece com isso. Paz e
justiça são conseguidas em ambientes de instituições enraizadas, socialmente
valorizadas e que favorecem o intercâmbio livre das pessoas no meio da maior
diversidade. Para se diminuir a violência, é necessário um esforço para fazer
as pessoas acreditar nas instituições, renovar a confiança como suporte de uma
cultura cívica sólida e traçar um percurso que leve à prosperidade, mas
exaltando sempre a conquista da liberdade.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 11 de Fevereiro de 2015
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