Na passada segunda-feira, dia 23, morreu Lee
Kuan Yew, o líder da Singapura que em menos de quatro décadas elevou essa ilha
da condição de país de terceiro mundo para país de primeiro mundo. Durante
esses anos a Singapura cresceu a uma taxa média de 7% e conseguiu aumentar o
seu rendimento per capita dos 300 dólares, que à semelhança de vários países
africanos tinha no momento de independência, para os 36 000 dólares de hoje. Considerando o
ponto de partida, o sucesso foi estrondoso e tem sido inspirador para todos
aqueles que acreditam que é possível fazer o desenvolvimento acontecer não
importam as dificuldades no arranque e a ausência de riquezas naturais.
O momento primeiro de uma liderança
bem-sucedida é o reconhecimento da enorme tarefa a ser desenvolvida e das
dificuldades a vencer e os obstáculos a ultrapassar para que os objectivos
sejam alcançados. Lee Kuan Yew chorou quando anunciou o fim da federação com a
Malásia. Singapura, com aproximadamente a área da nossa ilha de Santo Antão,
iria iniciar sozinha a caminhada na senda da independência. Os problemas
étnicos, linguísticos e religiosos eram enormes e misturavam-se com a pobreza,
a corrupção generalizada e a prostituição num ambiente onde ainda se sentia o
peso da ameaça externa protagonizada pelos dois vizinhos gigantes e hostis: a
Indonésia e a Malásia. Construir uma nação a partir dessa massa informe muitas
vezes no limite do desespero exigiu uma liderança que soube mostrar-se
pragmática, que não se deixou enredar nas malhas da vitimização e do
nacionalismo exacerbado e que trabalhou com uma perspectiva de longo prazo.
Há quem diga que o sucesso da Singapura não
pode ser desligado do regime autoritário que em boa medida perdura até hoje. A
verdade, porém, é que muitos países com regimes autoritários, totalitários ou
de partido único não tiveram esse tipo de sucesso. Só os que como os chamados
Tigres da Ásia optaram pela industrialização virada para a exportação, pelo
investimento seguro e forte na educação e formação tecnológicas da sua população
e pela aposta consequente no sector privado nacional é que realmente
conseguiram vingar. Nesses países emergiu uma forte classe média que não só se
notabilizou como forte apoiante de uma processo de democratização política,
económica e social com também se tornou posteriormente no seu principal
sustentáculo.
Em África, em muitos casos a vontade de manter
o poder a todo custo fez com que a opção fosse centrar na exploração de
recursos naturais fáceis de monetizar e de aproveitar a ajuda externa para
distribuir favores, criar acessos e construir lealdades. Medidas de curto prazo
prevaleceram sobre o que devia ser uma visão de futuro, o espírito
assistencialista ganhou força e a atenção geral concentrou-se particularmente
na redistribuição dos recursos do Estado e não na produção de riqueza. A
meritocracia que em Singapura foi erigida em princípio central da
administração, nesse países faz-se de conta que é aplicado. Na realidade reina
a partidarização da administração pública, alimenta-se o compadrio e forjam-se
clientelas com os olhos postos na manutenção do poder.
O que parece fazer a diferença num caso e
noutro é precisamente a qualidade de liderança. A liderança capaz de ver para
além dos ciclos eleitorais e não se deixar enredar nas ilusões que cria para a
opinião pública para justificar os resultados muito aquém dos esperados.
O INE publicou dados a dar uma baixa no
desemprego de 0,6%. No ano passado teria sido 0,8 % a queda no desemprego. Não
podia ser de outra forma considerando as taxas baixíssimas de crescimento
económico que se tem verificado nos últimos anos. A situação do emprego no país
toma uma outra dimensão se tiver em devida conta que o contingente de
desempregados muda quando muitos desistem de procurar trabalho e passam a
engrossar a população inactiva.
Estranha que haja quem queira passar a
impressão de que o aumento da população inactiva com pessoas qualificadas tem
algo positivo. No mesmo sentido que a variação de 0.6% no desemprego prove que
o marasmo económico actual tem origem no exterior. Nessa perspectiva, no país
estar-se-ia no fim de 15 anos de
transformação que só não estão a resultar em crescimento e mais emprego por
causa da crise internacional. Governar significaria fazer um conjunto de obras
e esperar que depois tudo funcionasse. Se não acontecer como prometido a culpa
seria dos outros: a crise, os privados que não querem investir ou os bancos que
resistem em dar crédito.
É evidente que liderar não é isso. Para quem é
focado nos resultados como Lee Kuan Yew liderança
é convicção, disciplina na realização de um objectivo, capacidade de adaptação
a favor do interesse público e visão de futuro: justamente o que Cabo Verde
precisa.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 25 de Março de 2015