O Primeiro-ministro José Maria Neves deu posse
na passada sexta-feira ao novo director dos Serviços de Informação da República
(SIR). Na ocasião, o PM na sua intervenção deixou claro que a actividade do SIR
vai entrar numa nova etapa para responder ao que considerou “a maior ameaça ao estado e à nação
cabo-verdiana: a criminalidade organizada e transnacional”. Nesse sentido prometeu mais meios e propôs-se a
rever o quadro legislativo para que no futuro o SIR se posicione como “o serviço chave da segurança nacional”.
Notório no discurso do PM é a intenção de
colocar o SIR no centro da luta contra a criminalidade organizada e contra os
vários tráficos. Uma decisão que é tomada não se sabe se por razões de retórica
política como outras medidas recentemente proclamadas na resposta à insegurança
crescentemente sentida pelas pessoas no seu dia-a-dia. Ou se corresponde a uma
vontade política de fazer convergir serviços de recolha e processamento de
informação para a salvaguarda da república com a actividade policial de combate
ao crime e de investigação criminal. O facto de ter escolhido o ex-director do
departamento de investigação criminal da Polícia Judiciária para director do
SIR e de ter no seu discurso apontado essa experiência prévia como razão de
fundo da nomeação parece confirmar essa segunda possibilidade. Não é esse porém
o caminho seguido por países democráticos. Diferenciam claramente serviços de
inteligência dos serviços de polícia e na escolha dos chefes recorrem
geralmente a profissionais de carreira militar e diplomática mas nunca a
profissionais da polícia.
Na luta contra criminalidade o mais lógico
seria reforçar a Polícia Judiciária, capacitá-la como polícia científica e de
investigação criminal e aprofundar a sua cooperação com as entidades congéneres
estrangeiras que estatutariamente com ela devem estabelecer ligação. Tomando os
Estados Unidos como exemplo, não parece que no combate aos tráficos ilegais
prefiram investir na CIA em detrimento do FBI, do DEA e outras agências
policiais. No mesmo sentido também devia-se reorientar a Polícia Nacional para
dar uma resposta mais cabal às necessidades de segurança das populações e
encontrar um melhor enquadramento para a Guarda Costeira que a tornasse mais
efectiva nas suas múltiplas missões de vigilância e fiscalização do espaço
aéreo e marítimo. Também ajudaria imensamente disponibilizar mais meios para a
instalação do departamento de investigação criminal no Ministério Público e se
apressasse a ultrapassar o clima de tensão na Polícia Judiciária de modo a
elevar a moral e motivação dos seus agentes.
O trabalho do SIR na recolha, processamento e
análise de informações é fundamental para, entre outros objectivos, se
identificar ameaças, antecipar acções de indivíduos ou grupos dirigidas contra
a integridade do Estado e proteger interesses nacionais. Mas porque os seus
métodos e procedimentos não são tão restritivos como os da polícia precisa de
ser especialmente controlado e fiscalizado para que os direitos fundamentais
dos cidadãos não sejam postos em perigo. O PM na sua intervenção refere-se à
necessidade de reforçar o processo de fiscalização pela comissão parlamentar de
fiscalização e pela comissão de fiscalização de dados que ele considera indissociável da actividade do SIR. A
realidade é que tem-se ficado pelo discurso e pouco ou nenhum controlo e
fiscalização têm sido exercido sobre o SIR.
A comissão parlamentar de fiscalização formada
com uma maioria de dois deputados do Paicv, o partido do governo, e um deputado
do MpD não parece capaz no actual ambiente de alinhamento partidário estrito
dos deputados de, de forma credível, controlar o uso que o governo poderá eventualmente
dar ao serviço de informação. O facto de a comissão ver o seu orçamento cair
para quase metade no ano de 2014 não é um sinal positivo de que estará a
fiscalizar efectivamente o SIR. Nem tão pouco é tranquilizador a sua total
indisponibilidade em confirmar ou negar se relatórios obrigatórios do SIR foram
ou não entregues à Assembleia Nacional.
Da comissão de fiscalização de dados composta
por magistrados do ministério público sabe-se por informações dadas a este
jornal (ver pág.4) que não exerceu “de
forma cabal as suas atribuições devido a obstáculos criados pelo SIR”.
Enquanto o SIR se esquivava a ser fiscalizado pela comissão dos magistrados,
recolhia e processava informações dos cidadãos. Ninguém pode confirmar se
direitos foram ou não violados.
O PM disse na sua intervenção que os serviços
de informação estão a fazer um grande trabalho. Acontecimentos recentes no país
não parecem corroborar isso nem as mudanças feitas são tranquilizadoras. O
facto porém de as duas comissões de fiscalização não funcionarem por
resistência dos serviços em prestar contas sob a forma de relatórios
trimestrais como diz a lei e em garantir acesso ao Centro de Dados já não é
aceitável. Da responsabilidade do SIR em cumprir, o PM não pode eximir-se.
Afinal os serviços estão sob a sua dependência directa. A verdade é que a
república só será bem servida se o SIR cumprir escrupulosamente com a sua
missão no quadro constitucional e legal em que foi criado. E tudo deve fazer-se
para que assim seja.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 4 de Março de 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário