
Devia ser óbvio que uma das principais
prioridades de um país – com dez ilhas, uma enorme linha da costa e um
mar vasto por controlar – fosse capacitar-se para fiscalizar o mar e a
sua zona costeira e munir-se de recursos aéreos e marítimos, entre os
quais helicópteros, para responder às emergências designadamente no que
respeita a busca e salvamento no mar, evacuações médicas e respostas a
desastres naturais. A responsabilidade do Estado de assim fazer é
acrescida ainda com a gestão da FIR oceânica e o apoio que é obrigado
prestar na eventualidade de alguma emergência aérea. O crescimento
rápido do turismo deveria ser um incentivo para se acelerar nessa
capacitação, considerando que é vital para o aumento do fluxo turístico
que certas garantias principalmente de natureza médica estejam sempre
asseguradas. Estranha pois que decorridos 42 anos desde da
independência e mais de uma década de aposta no turismo as respostas que
o país por si só dá às emergências de toda espécie sejam ainda tão
incipientes. Até parece que naufrágios, acidentes de aviação, desastres
automóveis, cheias catastróficas e erupções vulcânicas com as sempre
significativas perdas humanas e materiais não tenham sido suficiente
incentivo para provocar uma mudança de atitude para além das
proclamações de circunstância que no momento de choque e de dor se
fazem.
Nota-se que passado o momento difícil, a
tendência é voltar quase sem alteração à situação anterior. Exemplo
notório é o que se passa no domínio do mar. A autoridade marítima
continua dispersa entre o instituto marítimo e portuário, a capitania
dos portos, a polícia marítima na polícia nacional e a guarda costeira
nas forças armadas. Vários documentos oficiais entre os quais o plano
estratégico de segurança interna de Agosto de 2014 e a prática já
demonstraram que esta estrutura de forças não tem a eficácia desejável
na consecução dos objectivos do país em matéria de policiamento dos
mares e costas, de garantia de serviços de busca e salvamento e de
outras emergências no país. Não se consegue coordenar devidamente as
forças, não se consegue aproveitar adequadamente a cooperação
internacional e mantem-se um quadro de desperdício de recursos tanto
humanos como materiais por falta de foco e de estratégias consequentes.
O que se passa no mar com a autoridade
marítima também verifica-se noutros sectores da vida do país. Sabe-se
que algo não vai bem, mas para além das recriminações políticas de
costume sempre que alguma coisa de excepcional acontece, as críticas ao
status quo mantêm-se no mínimo. Procura-se não ferir susceptibilidades
de grupos ou de interesses corporativos à volta do sector e o resultado é
a inércia político-institucional que deixa quase tudo como estava. É o
que acontece, por exemplo, com a segurança, a justiça e a educação, mas
também é o que se constata noutros domínios com os transportes e a
saúde. A factura que o país vai pagando com a incapacidade de
definitivamente resolver os seus problemas de segurança ou de se
conseguir uma justiça eficaz e ter uma educação de excelência não é
desprezível. No caso da TACV já se sabe dos 120 milhões de dólares a
pagar por omissões em matéria de política de transporte e por decisões
erradas na gestão. Na educação é o próprio GAO há dias a apontar “as
fraquezas do capital humano” como um dos principais constrangimentos ao crescimento económico
apesar dos milhões gastos todos os anos no sector. A persistência do
sentimento de segurança que limita a liberdade das pessoas em todo o
país particularmente na Cidade da Praia e retira-lhes tranquilidade de
espírito é o custo pago por todos por se continuar a pensar que se pode
despejar meios sobre os problemas e eles se resolverão por si.
A importância da alternância nas
democracias é que abre o caminho para se mudar de políticas, para fazer
novos arranjos institucionais, para definir outras prioridades e para
congregar novas vontades na tarefa de construir um futuro de
prosperidade e com superior qualidade de vida. Cabo Verde precisa
libertar-se do colete-de-forças em que, de um lado, se tem entidades
internacionais a impor políticas e reestruturação de sectores económicos
sob pena de perda de ajuda orçamental e, do outro, se tem interesses
corporativos que se servem de qualquer fragilidade ou hesitação na
governação para seu próprio benefício sem preocupação com a eficácia
global da actividade do Estado e com o impacto no ambiente geral dos
negócios. Alinhar as prioridades com os recursos existentes e com uma
nova agilidade institucional e governativa é fundamental para se dar o
tipo de resposta segura e efectiva que há muito os cabo-verdianos
esperam em matérias tão vitais como a segurança, a justiça, a educação, a
saúde e os transportes. O Futuro depende do sucesso que se granjear
nesse empreendimento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 811 de 14 de Junho de 2017.
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