sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Clarificar a política de habitação

A problemática da habitação voltou ao centro das atenções do Governo. No debate sobre o estado da Nação o Primeiro Ministro na sua intervenção inicial comprometeu-se com o valor de 945 mil contos para eliminar as barracas de do bairro da Boa Esperança na Boa Vista e com 2 milhões de contos para acabar com as barracas de Alto S. João, Alto de Santa Cruz e Terra Boa na ilha do Sal. Ainda na mesma intervenção o PM voltou a referir-se a 14 milhões de dólares conseguidos da China e que seriam dedicados à habitação social. Na semana passada, o ministro das Finanças e o PCA do BCA assinaram um acordo em que o Estado assumia pagamentos devidos ao BCA e o banco disponibilizava uma linha de crédito no valor de 15 milhões de contos, uma parte para financiar a habitação e outra para apoiar empresas em particular as start-ups. Tudo indica que o governo resolveu enfrentar um problema dos mais graves que aflige o país e cujo impacto socioeconómico já não se pode ignorar. A questão que se coloca agora é saber qual a melhor visão e estratégia para evitar os erros do passado e ao mesmo tempo lançar as bases seguras para resolução possível do problema da habitação.
Num passado recente pretendeu-se que a solução podia ser encontrada no programa Casa para Todos que com uma linha de crédito de 200 milhões de euros disponibilizada por bancos comerciais com aval do Estado português iria construir 8 mil casas e a partir da venda das mesmas prosseguir a construção de mais fogos. O Novo Banco criado na mesma ocasião teria um papel central no suporte financeiro para a compra das casas. Sabe-se o que realmente passou. Construíram-se realmente cerca de 3 mil casas, foram vendidas muito poucas e a grande maioria das actualmente ocupadas estão em situação de renda resolúvel e de caracter social. O Novo Banco praticamente faliu e foi fechado por resolução do Banco Central. Também contrariamente ao que acontece na generalidade dos casos em que há obras com investimento público de grande envergadura não se verificou o arrastamento da economia nacional – a economia nesses anos praticamente estagnou – nem foi beneficiado o sector privado nacional da construção civil. Isso porque, apesar do surto de construção que se verificou com a utilização da linha de crédito, na forma como foi negociada as sociedades empreiteiras tinham que ser maioritariamente portuguesas e uma percentagem elevadas dos materiais deveria ser comprada em Portugal. Uma solução que não cometa os mesmos erros terá que ir por outras vias.
A oferta habitacional em Cabo Verde para ser adequada deve poder responder não só ao crescimento da população como também às necessidades de mobilidade de mão-de-obra do campo para cidade e de uma ilha para outra. Nos últimos tempos o fluxo migratório interno tem-se dirigido particularmente para a ilha do Sal e da Boa Vista. Décadas atrás, S. Vicente era o destino de muitos que procuravam nos serviços e na indústria os meios para o seu sustento. Praia, a capital do país, com o crescimento da máquina do Estado e actividades dela dependente cresceu extraordinariamente ao longo dos 42 anos de independência, atraindo população do interior de Santiago e das outras ilhas. O resultado desses fluxos migratórios não planeados vê-se na expansão caótica da Praia, nos bairros precários de S.Vicente e nas barracas da Ilha do Sal e da Boa Vista. Claramente que as autoridades não anteciparam o fluxo migratório e muito menos se prepararam adequadamente para lhe dar resposta em termos de ordenamento urbano, saneamento básico, segurança, comunicações, energia e água.
Para piorar as coisas, de forma generalizada alimentou-se o sonho da casa própria quando era evidente, que para o país realizar melhor o seu potencial de crescimento, as pessoas teriam que poder mover-se para onde surgissem oportunidades de trabalho e sinais de uma maior dinâmica económica. E não deveriam ficar presas onde não havia uma perspectiva de trabalho gratificante só porque havia uma mensalidade a pagar ao banco pela casa que até foram incentivadas a construir no quadro de uma política de apoio à habitação própria. De facto, não parece que alguma vez houve uma discussão sistemática sobre o que mais convinha a Cabo Verde: habitação própria ou arrendamento. Num país que ainda está por identificar os seus principais motores de crescimento económico e de criação sustentada de emprego, optar por promover habitação própria em detrimento de arrendamento só podia levar ao fenómeno terrível das barracas e ao caos urbano nas principais cidades. Entretanto, com as opções feitas e na falta de políticas claras, não se tem um vibrante sector privado a construir, nem há um mercado de arrendamento e muitas pessoas deixam a casa para irem residir noutra ilha ou numa cidade porque no seu lugar de origem não há economia que as suporte. O dilema de manter a casa e ao mesmo tempo viver precariamente junto do local de trabalho não é resolvido, entre outras razões, porque se vê que políticas públicas de desencravamento, de ligação energia, água e comunicação valorizam a casa, mas não criam as condições económicas que fariam o dono regressar. Tem casa própria, mas vive mal noutra ilha por razões de incoerência nas políticas públicas.
Em Portugal dias atrás voltaram a criar uma secretaria de Estado da Habitação. A dinâmica económica exige políticas que vão ao encontro das necessidades de mobilidade de mão-de-obra no sentido de maior eficiência e também de criação de ambientes propícios à inovação. Uma política de promoção do arrendamento com as três vertentes de facilidade de financiamento, enquadramento fiscal e seguro das rendas vai ser posta em movimento pelo governo português. A par disso pretende-se uma intervenção pública na oferta da habitação que se aproxime dos níveis europeus de cerca de 12% e que em países como a França vai aos 15% e na Holanda atinge os 31% da oferta habitacional do país.
Quando se equaciona outra vez o problema da habitação em Cabo Verde, deve-se ter em devida conta, por um lado, o facto evidente dos fluxos migratórios no país e, por outro, as “chagas sociais” criadas nos centros urbanos das várias ilhas por décadas de políticas inadequadas no sector. Soluções devem ser encontradas que permitam às pessoas ter habitação condigna sem rendas pesadas, que promovam investimento privado na habitação para arrendamento, que desenvolvam o sector da construção civil e mantenham as actividades económicas locais competitivas e sustentáveis a prazo. A via a seguir é a de optimizar e tornar mais abrangentes os ganhos e não a de deixar o país com um peso ainda maior da dívida pública e sem solução à vista.   

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 820 de 16 de Agosto de 2016. 

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