quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Cuidar das vantagens comparativas



 Chamou a atenção do mundo a decisão da França em intervir no Mali, primeiro com bombardeamentos aéreos e posteriormente com soldados e carros de combate, para conter o avanço de combatentes islamitas nessa região do deserto do Sahara. Vários países do norte da África como a Líbia, Argélia e países subsaarianos designadamen­te o Mali, e o Níger encontram-se no epicentro da movimentação jihadista. Uma vitória dos islamitas no Mali poderia transformar-se num pesadelo regional. A natureza transnacional e messiânica do movimento não deixaria de afectar outros países da costa ocidental africana com significativa população muçulmana.
A presença já constatada de grupos islâmicos ligados à Al-Qaeda em países como a Mauritânia e a Argélia e com ramificações noutros países vizinhos augura problemas graves no futuro imediato. Nessa perspectiva a disponibilidade da França e também do Reino Unido e dos Estados Unidos em apoiar forças africanas da CEDEAO revela-se da maior importância. No passado recente na Costa do Marfim e intermitentemente em países com a Nigéria e o Níger confrontos violentos verificam-se entre a comunidade muçulmana e a comu­nidade cristã. A introdução do radicalismo islâmico pode inflamar ainda mais os ânimos e lançar a África Ocidental num espiral des­cendente com o aumento do tráfico de drogas, de armas e de pessoas e o desenvolvimento do terrorismo. Se isso ainda for acompanhado da prática de tomada de reféns estrangeiros, como aconteceu na se­mana passada na Argélia, dificilmente o futuro se mostrará risonho. Poucos quererão investir ou visitar países inseguros e ameaçados por fanáticos dispostos a aplicar a sharia, a lei islâmica.
Cabo Verde encontra-se a mais de 400Km da costa africana e a sua população autóctone é essencialmente cristã. O facto porém não o faz imune à desestabilização que vem do continente. O aumento do tráfico, da criminalidade e do terrorismo na região não deixará de afectar as ilhas num sentido ou noutro. A permeabilidade das fron­teiras criada pelos acordos de livre circulação da CEDEAO garante que, a exemplo do que aconteceu antes, fluxos de refugiados pode­rão dirigir-se para ilhas se a situação nos países vizinhos se agravar. E com eles virão problemas que constituem desafios acrescidos às autoridades em diversos domínios designadamente, no cultural, saúde pública, habitacional e segurança. Sem falar que a pequena população de Cabo Verde na globalidade e o número escasso de ha­bitantes em certas ilhas fazem com que movimentos migratórios em direcção ao arquipélago coloquem questões de segurança nacional que provavelmente não teriam cabimento em territórios maiores e com uma população de milhões.
O Turismo já se revelou como actividade económica com maior dinamismo e maior potencial futuro. São países europeus os pro­dutores dos fluxos turísticos em direcção a Cabo Verde. O aumento crescente do número de turistas deixa entrever que Cabo Verde tem alguma vantagem comparativa no sector. Deixando de lado a beleza das ilhas, factores como o clima ameno, a ausência de choque cultu­ral e a proximidade da Europa certamente que concorrem para isso. A estratégia certa numa perspectiva de desenvolvimento turístico deve ser de conservação e aprofundamento das vantagens existen­tes e de investir para melhor competir com destinos com vantagens similares.
É evidente que uma eventual desestabilização da região constitui­ria um perigo grave para o desenvolvimento turístico futuro do país. Se com a pressão imigratória se agravarem problemas de segurança, emergirem choques culturais e o país ficar mais exposto a doenças endémicas e outros problemas próprios do continente, as vantagens de ser ilhas vão diluir-se por completo. Ainda bem que a experiência amarga do dengue despertou as autoridades para a necessidade de medidas enérgicas de protecção das ilhas do contágio exterior e tam­bém de combate aos vectores de transmissão das doenças. A insula­ridade tem custos óbvios mas também tem benefícios que podem traduzir-se em vantagens. O Governo parece estar a perceber que assim é e já se mostra mais receptivo a medidas eficazes de controlo de fluxos imigratórios.
Por tudo isso é fundamental que os acontecimentos no Mali e em toda a região sejam seguidos com maior atenção e que medidas cla­ras e efectivas sejam tomadas para proteger Cabo Verde de eventu­ais evoluções negativas na costa ocidental africana. 

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 de Janeiro de 2013

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