quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Infra-estruturas: ilusionismo e fuga à responsabilidade



Governantes adoram infraestruturas. Portos, aeroportos, estra­das, diques e barragens, escolas e outros edifícios públicos são obras visíveis e facilmente aproveitáveis para granjear apoio popular. Ga­nhos políticos conseguem-se em vários momentos: no anúncio, na assinatura de contrato, no lançamento da primeira pedra, nas visi­tas de seguimento e finalmente na inauguração. Mas nem sempre as promessas de desenvolvimento que as acompanham se realizam. Depois do fulgor das festas da inauguração muitas vezes a vidas das pessoas continua no marasmo de sempre.
Como bem escreve Justin Yifu Lin no seu recente livro “Em busca da prosperidade” o desenvolvimento pressupõe identificação e aprovei­tamento de oportunidades em linha com as vantagens comparativas do país e facilitação do crescimento das empresas de forma a serem competitivas no mercado interno e no mercado global. Segundo o mesmo autor, o investimento nas infraestruturas hard (portos, ae­roportos , estradas, transportes, telecomunicações e energia) e nas infraestruturas soft (instituições, educação, formação) só se mostra rentável se resulta da correcta identificação de oportunidades e se é feito no tempo certo e sequenciado ou encadeado de forma a facili­tar e potenciar a actividade empresarial. Obras realizadas por razões populistas e eleitoralistas ou com base em pressupostos não condi­zentes com os recursos e vantagens do país facilmente se transfor­mam em elefantes brancos e em monumentos ao desperdício e à má gestão de fundos públicos.
Infraestruturas dão votos e ajudam governos a manterem-se no poder. Por isso é grande a tentação de as construir numa perspectiva de ganhos de curto prazo. Os custos vêm depois em dívida acumu­lada, em produtividade baixa e fraca competitividade externa. As dificuldades terríveis por que passa Portugal e outros países advêm desse cálculo mal feito. Casos que não serviram de exemplo às auto­ridades caboverdianas.
Nos últimos anos o governo embarcou na construção de infraes­truturas por todo o país atraído por uma linha de crédito que, de fac­to, condicionou a escolha das obras e que impôs a obrigatoriedade da presença maioritária de empresas portuguesas nos consórcios e a utilização de produtos de exportação portugueses. Desses inves­timentos condicionados e feitos sob pressão das eleições de 2011 não resultaram níveis de emprego e crescimento económico que o país precisa. Bem pelo contrário, o endividamento público já atingiu pontos críticos e a população terá que suportar aumento generaliza­do de impostos e taxas, e ficar mais pobre, para que o governo possa equilibrar as contas públicas.
A essa falha em dinamizar a economia, como prometido, vêm-se juntar notícias de auditorias a obras na Boa Vista e no Fogo que dão conta de práticas complicadas nos processos de adjudicação. Os re­latórios referem-se a práticas que poderão estar na origem de falhas graves como a queda da ponte de Ribeira D’Água, na Boa Vista, a ultrapassagem por muitos milhões do custo inicial de muitas obras e no aparecimento de indícios de apropriação indevida de fundos públicos por pessoas ou entidades. O governo procurou alijar a sua responsabilidade ou repassando-a para quem já não é ministro ou atribuindo as falhas à pressa em fazer e a insuficiências técnicas do país. O risco de desvios nos concursos e adjudicações de obras por causa das condicionantes existentes e do eleitoralismo permanente para proveito de uns e outros nunca foi assumido.
Governos presidem sobre a gestão de fundos públicos cuja origem são os impostos actuais dos contribuintes ou empréstimos que futura­mente são pagos pelos mesmos contribuintes. O Estado, por si, nada produz. Por isso, a utilização pelo governo desses fundos na pros­secução do interesse geral deve ser feita com a devida parcimónia e com assunção plena de responsabilidade pelos actos praticados.
Há uma inversão perversa da realidade quando se faz crer ao cida­dão de que obras feitas pelo Estado ou apoios recebidos do Estado são dádivas ou prendas dos governantes e por isso não se discutem se os critérios foram os melhores e se foi ponderado o custo-benefí­cio. Tudo para reforçar a crença no Estado providência e a depen­dência das pessoas numa perspectiva de manutenção do poder. Há que pôr cobro a estas situações. O combate pela responsabilização dos poderes públicos é central para que se tenha um governo do povo, pelo povo e para o povo.
                                                                                                                                                    Humberto Cardoso
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Janeiro de 2013                                 

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