quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

No quadragésimo aniversário, o olhar para a frente





 

 Nº 581 • 16 de Janeiro de 2013

EDITORAIL:  No quadragésimo aniversário, o olhar para a frente

 Passaram-se 40 anos após a morte de Amílcar Cabral. Em Co­nakry na noite de 20 de Janeiro de 1973 o líder do PAIGC foi ba­leado por camaradas do próprio partido chefiados por Inocêncio Kani. O caso nunca foi completamente esclarecido, mas supõe-se geralmente que, para esse desfecho, convergiram interesses múl­tiplos: cansaço da luta e conflito de guerrilheiros com a liderança, tentativas de decapitação do PAIGC por certos sectores do gover­no português, ambições megalómanas de círculos próximos do Sékou Touré.
A adopção de uma narrativa oficial que atribuiu toda a cul­pa à polícia política portuguesa, PIDE/DGS, escondeu rivalida­des, camuflou dissensões entre caboverdianos e guineenses, mas assegurou a unidade necessária para levar a guerra avante com sucesso. Conflitos futuros, porém, iriam pôr fim ao projecto da unidade Guiné-Cabo Verde e destruir vidas em lutas incessantes pelo poder. Cabo Verde sofreu quinze anos de ditadura do parti­do único antes de conseguir a liberdade e a democracia e a Guiné, ainda sob a tutela dos “libertadores”, esforça-se por sobreviver como Estado e por não perder a esperança.
Neste ano do quadragésimo aniversário, a lembrança do assas­sinato de Cabral poderá ter especial significado. Não só porque se trata de uma data redonda, mas principalmente porque sente-se que há uma vontade geral de finalmente se saber o que aconteceu. A reacção de espanto perante as declarações do dr. José Maria Neves na campanha presidencial sobre a morte de Cabral deno­tam o quão profundamente enraizadas estão as narrativas criadas pelo PAIGV para se legitimar. O facto histórico que na sequência do assassínio procedeu-se a uma “verdadeira caça aos cabover­dianos em Conakry , os quais foram brutalizados, encarcerados e ameaçados de execução sumária” não consegue concorrer com a “estória” conveniente de que Amílcar teria sido alvo de “três tiros da PIDE”.
Historicamente nota-se que nos regimes totalitários, quando já se conseguiu o domínio da população pela via da ideologia legi­timadora do poder, eventuais convulsões passam a vir quase que exclusivamente de dentro do partido. A Guiné é um caso para­digmático disso. Em Cabo Verde, como não houve luta armada, a legitimidade do PAIGC/PAICV era mais vulnerável à contestação como ficou demonstrado no 13 de Janeiro. O povo aproveitou a oportunidade de voto livre para rejeitar o regime. Talvez porque tinha a percepção disso, a clique dirigente manteve-se basicamen­te unida durante os 15 anos e nunca deixou que as tensões inter­nas extravasassem para além de certo ponto.
Não tem por isso qualquer razão as comparações feitas entre a dinâmica interna dos partidos na democracia e o que se passa nos partidos revolucionários. O repúdio geral por certas declarações (ratos, intriguistas) feitas nas campanhas presidenciais vem do facto de se exigir o seguimento de preceitos democráticos na vida interna dos partidos. Órgãos são eleitos, os adversários políticos não são executados e níveis de pluralismo consubstanciados no direito de tendências são aceitáveis e salutares na vida partidária. Muito diferente do que se passava no partido de Cabral. Organi­zações revolucionárias acabam sempre por devorar os seus pró­prios criadores na onda de violência e terror que inevitavelmente desencadeiam com a crença cega no princípio amoral de que “os fins justificam os meios”.
As comemorações dos dois feriados nacionais, 13 de Janeiro, Dia da Liberdade e da Democracia, e 20 de Janeiro, dia dos heróis nacionais, separados uma semana um do outro, ainda deixam transparecer as profundas divisões políticas no país. A postura do Governo e das instituições a ele ligadas é tépida num feriado e entusiástica no outro. A Assembleia Nacional, que representa o pluralismo do país, refugia-se no silêncio passando a acção para os grupos parlamentares individualmente. Com o novo presiden­te da república há assunção plena de que a Lei consagra tais datas como momentos da unidade da nação. A morte violenta de Amí­lcar Cabral deve relembrar a todos da importância na prossecu­ção dos ideais e na defesa do interesse comum de se respeitar os princípios da liberdade e do pluralismo e não permitir que, sob pretexto algum, seja sacrificada a dignidade humana em nome de pretensos valores mais altos.
Esta data assinala também uma mudança no Expresso das Ilhas, agora com uma imagem renovada e um site novo para acompa­nhar a inovação dos media a nível global. O grande objectivo é prestar um serviço com cada vez mais qualidade aos nossos leito­res, mantendo sempre os princípios que norteiam este semanário: rigor, independência e criatividade.


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