quarta-feira, 12 de junho de 2013
Guerrilha institucional
As autoridades, o Governo e a Câmara Municipal da Praia, conhecem dificuldades nos domínios dos transportes públicos, do trânsito em geral e do estacionamento de viaturas com que a cidade e os seus residentes lidam no dia-a-dia. Deficiências nos transportes públicos não favorecem a circulação de pessoas e a vida intensa da cidade que poderia existir com a comunicação fácil, previsível e segura entre os diferentes bairros. Porque não se pode contar com transportes, confortáveis, seguros e funcionando em horários certos, muitos optam por conduzir viatura própria nos seus afazeres. O próprio Estado mantém uma frota de carros muito maior do que eventualmente necessitaria. Táxis e hiaces circulam incessantemente pelas ruas à cata dos passageiros deixados para trás pelas falhas do sistema. Com todos esses carros nas ruas, o trânsito torna-se atroz nas horas de ponta e estacionar em certos sítios como o Platô passa a ser extremamente difícil. Causa alguma perplexidade constatar que tais problemas persistem ano após ano sem que no âmbito das competências respectivas das diferentes entidades se aja de forma compreensiva e eficaz para os ultrapassar, mesmo quando fica evidente que constituem entraves ao desenvolvimento da cidade e à melhoria da qualidade de vida dos residentes. A crispação política reinante parece condicionar a actuação das entidades públicas. Não poucas vezes acções, omissões e declarações públicas azedas do Governo, de estruturas da administração central e dos órgãos municipais colocam-se no caminho de uma intervenção coordenada na cidade. E como no caso da Guarda Municipal, quando se avança para uma solução, ela não fica completamente despida de controvérsia e não consegue ter a eficácia de uma verdadeira Polícia Municipal. Pelo mesmo caminho está-se a ir no que respeita à gestão do estacionamento no Platô e a colocação de parquímetros. O governo tem a tutela dos municípios e deve assegurar que o funcionamento das autarquias respeite sempre o quadro legal existente. Com a tutela vem a responsabilidade de ser proactivo no suprimento de legislação necessária para a realização plena das atribuições e competências s dos órgãos municipais. Não é aceitável que até agora o governo e a Assembleia Nacional se tenham omitido, não legislando sobre polícias municipais apesar das reivindicações de vários municípios e dos óbvios benefícios que daí podiam advir como se constata da experiência da Guarda Municipal na Praia. Também não é aceitável que perante o descontentamento de muitos munícipes quanto ao novo cálculo do IUP, que agrava consideravelmente o imposto, o governo não produza um despacho interpretativo da lei que uniformizasse a sua aplicação em todo o território nacional. E ainda na questão dos transportes públicos nos centros urbanos não ajuste os anos de concessão das linhas às exigências de amortização dos investimentos necessários para se garantir aos utentes conforto, segurança, frequência e tarifas acessíveis a todos. Omissões de “quem de direito” muitas vezes são acompanhadas de acções com motivação política partidária que só aumentam o ruído no sistema, confundem funções de uns e outros e perpetuam conflitos. É o caso de intervenção dos deputados do PAICV na questão dos parquí- metros. Em se posicionando directamente contra as decisões da Câmara Municipal, substituíram-se aos eleitos do seu próprio partido na assembleia municipal e não deram a devida atenção ao facto de que é o governo quem tem a tutela da legalidade sobre os municípios. Uma confusão de papéis que retira eficácia ao sistema quanto confrontado com situações complexas que requerem a actuação de diferentes actores. Evita-se guerrilha institucional compreendendo que a funcionalidade do sistema político pressupõe a existência de vários poderes actuando lado a lado e num ambiente de liberdade, pluralismo e de respeito pelo primado da lei. Não se evitam conflitos inibindo os órgãos de soberania e os órgãos autárquicos de exercerem as suas competências. Pelo contrário criam-se disfuncionalidades quando se pressiona o Parlamento e os deputados para não fiscalizarem o governo, ou se destrata o presidente da república por vetar leis ou requerer a fiscalização da constitucionalidade dos diplomas legislativos e ainda se deixa as câmaras municipais sem acção, porque não se lhes propicia nem os recursos nem o quadro legal. E “boa governação” não é isso. Agindo assim acaba-se por constatar que se deixou o país despreparado para confrontar choques externos, iludido com expectativas de crescimento que não se concretizam e frustrado com níveis elevados de desemprego.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 12 de Junho de 2013
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