quarta-feira, 19 de junho de 2013

Na mira de 2016



Com a eleição de Ulisses Correia e Silva para presidente do MpD o maior partido da oposição renova a sua liderança com os olhos já postos no confronto eleitoral de 2016. Depois de três derrotas consecutivas, o MpD certamente que vê como vital ganhar as legislativas de 2016 para se confirmar como partido do arco do poder e como alternativa credível para a governação do país. Na realização desse desiderato vai ter que enfrentar o Paicv que, com as suas projecções para 2030, não esconde o desejo e a ambição de se posicionar como partido hegemónico. No confronto que se avizinha, poderá estar em jogo o próprio futuro da democracia cabo-verdiana: se irá consolidar-se sob o impulso de governos suportados por partidos que se alternam no poder ou se deixará condicionar por um partido dominante, sofrendo eventual erosão dos direitos dos indivíduos e das minorias.


Os problemas com que se depara a democracia cabo-verdiana têm sido vistos por alguns observadores como derivados da bipolarizaçãopolítica. Dá-se como certo que a crispação política existente é directa consequência do actual sistema com dois grandes partidos. A UCID erigiu como bandeira acabar isso, como recentemente veio reiterar o seu actual presidente,mas até agora sem sucesso. O facto de não conseguir apoio social e eleitoral para se tornar numa terceira força a par com os outros poderá indiciar que o problema é outro.


Outras democracias com bipolarização política não padecem da crispação visível em Cabo Verde nas questões políticas e públicas. Nota-se que nelas há uma valorização do pluralismo, o reconhecimento da importância do contraditório e uma preocupação em ter sempre alternativas viáveis para a governação do país. O respeito institucional e pelas regras do jogo democrático não deixa cair na tentação de apresentar o outro como inútil, indiferente ao interesse público e um peso para os recursos do Estado. Há um sentido sempre bem presente que quem hoje é governo, amanhã será oposição e vice-versa.


Da história das democracias vê-se que para o sucesso do processo faz diferença se existe, ou não,uma classe média e uma sociedade civil autónoma em relação ao Estado. Quando tal se verifica, constata-seque as regras que permitem às pessoas prosperar e conduzir a sua vida de forma livre e independente são as mesmas que têm como base a liberdade, a justiça e o primado da lei, e são garantidas por governos eleitos. Naturalmente que nesses casos o processo democrático tem apoiantes e um controlo crítico permanente. Se, pelo contrário, o Estado consegue subtrair-se ao controle do eleitorado ou deliberadamente utiliza recursos públicos para influenciar eleições, ganha-se, em vez de sociedade civil, atomização social e uma classe média falsa porque manietada por laços “comestíveis” com o Estado.


Crises da democracia representativa verificam-se quando, por alguma razão, os eleitores e a sociedade se apercebem que os líderes não se mostram constrangidos pelos mandatos recebidos e pelas promessas feitas nem se sentem obrigados a prestar contas. Hoje, na Europa, toma-se como uma das causas da crise do sistema democrático a percepção de que os governos deixaram de responder cabalmente aos interesses nacionais para se conformarem a interesses dos mercados de capitais, da troika e das elites locais ligadas ao sector financeiro. Em democracias como Cabo Verde as razões da crise são outras. Falta o suporte social activo que podia vir de uma classe média com suficiente autonomia para não se deixar enredar em interesses cúmplices com o Estado.


Pela via da reciclagem da ajuda externa nunca se poderia produzir essa tal classe média que tanta falta faz à democracia. O Estado em tal modelo acentua as suas tendências centralizadoras e, enquanto principal provedor de recursos, de acessos especiais e de favores, procura activamente enredar todos nas suas malhas. Os valores criados são outros. Opta-se pelo chico-espertismo, pela aposta em redes de influências e por favores partidários. Quando vem a crise, não há força anímica para se impulsionar a revisão de políticas. O próprio governo, aparentemente ainda inconformado pelos limites da política de reciclagem de ajudas, procura ganhar tempo. Faz viagens mediáticas de “diplomacia económica” e lança iniciativas múltiplas de formação profissional e de apoio ao empreendedorismo. Debaixo da nova retórica pressente-se, porém, que os pressupostos anteriores continuam e que muito simplesmente se procura manter o país na ilusão da ajuda externa.


Sem o governo realmente disposto a rever as suas políticas, nem pela via de uma remodelação ministerial, cabe aos partidos políticos uma discussão urgente do futuro de Cabo Verde pós-crise. A preocupação com a conquista do poder não deverá inibir discussões no interior dos partidos e na interacção com a sociedade que tenham como foco principal encontrar as melhores vias para recuperar o tempo perdido em estratégias que deixaram o país com uma base económica estreita, com um sector privado fraco e com capital social e humano a níveis muito baixos. No confronto de 2016, soluções avançadas e credíveis terão que ser apresentadas ao país. Seria bom que os partidos e as respectivas lideranças se preparassem para que o embate eleitoral fosse altamente benéfico para o país abrindo vias novas para a prosperidade e a felicidade de todos.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 19 de Junho de 2013

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