quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Evoluir o discurso

O novo ano político já dá os primeiros passos e os sinais não são muito auspiciosos. O discurso político parece contaminado com dizeres duplos e dúbios. Fala-se mais uma vez em consensos e pactos de regime e ao mesmo tempo desferem-se ataques despropositados a interlocutores do outro partido alegando factos que supostamente aconteceram há mais de uma década. Convida-se a reflexões sobre os desafios do presente e futuro do país e em simultâneo traz-se à ribalta os anos noventa com estórias que muito pouco já devem à realidade dos factos considerando os novos “pontos” que lhe são acrescentados sempre que novamente contados e recontados.

Devia ser diferente por várias razões: os efeitos da crise financeira fazem-se sentir em todo mundo; ainda Cabo Verde procura lidar com a sua transição para país de rendimento médio; e os enormes investimentos feitos nos últimos anos serviram para aumentar a dívida pública para valores astronómicos mas falharam em dar o crescimento económico prometido e o nível de emprego esperado. O normal é que, numa encruzilhada como a que muitos outros países também se encontram, o país, os partidos políticos e a sociedade civil exibissem uma outra atitude: mais inquisitiva quanto ao percurso até aqui percorrido, mais aberta a novas soluções e mais afinada, com resultados sustentáveis a médio e longo prazo.

A real situação do país parece ser sempre algo fugidio. Os números que deviam dar um retrato fiel do que se passa, divergem de acordo com a sua fonte institucional. Os dados do governo quanto às taxas de crescimento económico e à dívida pública não coincidem com os do Banco Central. Também para o World Economic Outlook do FMI, publicado esta semana, as taxas de crescimento do PIB esperado para 2013 é de 1,5% e não entre 2 e 3 % como está na proposta do Orçamento do Estado apresentado pelo Governo. O mesmo documento veio revelar que a dívida pública situa-se em 97,4% do PIB. Mas todos se lembram como em Abril último o Governo barafustou bastante à volta do facto do FMI e agências de rating internacionais terem calculado que a dívida pública estaria nos 95% do PIB. Facto esse depois confirmado pelo BCV no relatório de estabilidade financeira, publicado em Junho.

Como alguém uma vez disse, todos têm direito à sua opinião mas não aos factos. Sem concordância básica quanto aos factos e números dificilmente se conseguirá desenvolver o diálogo sobre as eventuais soluções dos problemas. Muito menos poder-se-ão construir plataformas de entendimentos necessárias para ultrapassar situações críticas que pedem um nível extraordinário de cooperação e engajamento das forças nacionais. Tentativas de construção de pactos para o crescimento e emprego como os visionados na semana passada, acabam por não passar de eventos mediáticos sem grande efeito prático. Não é feito o trabalho de fundo junto dos parceiros para transmitir a confiança de que com as medidas, implementadas de forma compreensiva e estratégica, e com os sacríficos exigidos dos trabalhadores o país ganhará em mais prosperidade e as pessoas em mais emprego e rendimento.

Há uma realidade que é incontornável. O governo tem mais de dois anos e meio na condução do país e é da sua responsabilidade até o fim do mandato levá-lo a bom porto neste mar revolto com incertezas, baixas expectativas e novos padrões de produção e comércio internacional. Porque a governação é sua e exclusiva, não faz sentido culpar o sector privado por investimentos que não foram feitos ou pelo crowding in do capital privado que não se verificou na sequência da infraestruturação. Se os incentivos certos não foram alinhados e disponibilizados de forma a que o país aproveitasse as suas vantagens, há que assumir responsabilidades, fazer rectificações e reconstruir a confiança no futuro. Não se pode é mascarar a governação com propaganda e actos de relações públicas e depois esperar que os adversários políticos e parceiros sociais deixem-se apanhar pela mistificação e colaborar como se nada tivesse acontecido.

Para evitar cepticismos quanto às intenções e conseguir o nível de cooperação de parceiros sociais e adversários políticos e a confiança dos operadores económicos há que cingir-se à verdade dos números e garantir a autonomia de quem os produz. O reforço de instituições inclusivas, porque defensoras da pluralidade e de espaços de confirmação das regras existentes deve ser um objectivo central.

A história prova que sucesso no desenvolvimento foi conseguido por aqueles que, pela via das instituições, não permitiram que diferenças políticas e diversidades de interesses constituíssem um obstáculo para o engrandecimento de todos. Neste início do ano político há que vencer a tentação de repetir a beligerância política habitual. O discurso e a prática política deverão evoluir no sentido de maior consolidação democrática e de se encontrar soluções para os problemas prementes do país.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 9 de Outubro de 2013

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