quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Rentrée



Mais um ano político que se inicia. Os partidos desdobram-se em actividades para marcar o arranque da actividade política com centro no Parlamento. No país a percepção de que se vive uma crise já não pode ser escamoteada. Não há como esconder que se agravam os efeitos da quebra no crescimento económico e do particular impacto que está a ter nos rendimentos e na qualidade de vida da população. A situação social piora com o persistente desemprego e com a degradação do poder de compra e os altos preços de energia, água e transportes. As eleições legislativas estão a mais de dois anos de distância. Mudanças de rumo para contornar as actuais dificuldades e relançar o crescimento só podem vir do actual governo. Infelizmente os sinais vindos do executivo não apontam nesse sentido. O Primeiro-ministro publicamente veio dizer que não tem planos para alterações na estrutura e composição da equipa governativa. O discurso político manteve-se no essencial o mesmo. Há demasiada preocupação com o marketing político e as relações públicas em detrimento de resultados palpáveis. Grande continua a tentação do governo em confinar o seu papel ao “betão”. Mesmo quando se trata de infraestruturas tende a secundarizar componentes essenciais dos investimentos como equipamentos e gestão competente sem os quais dificilmente se consegue o esperado retorno. Praticamente ausente na actuação do governo continua a preocupação com o timing das medidas, o encadeamento necessário para surtirem efeito e a eliminação de obstáculos que diminuiriam os custos de contexto. Em consequência, não se materializam os grandes objectivos anunciados, os resultados ficam aquém das expectativas e após várias tentativas frustradas, o desânimo instala-se. S.Vicente é um caso paradigmático. Demagogia e populismo passam a ter campo aberto para florir. No seio dos partidos a atenção está virada em boa parte para o processo de transição das direcções actuais para a liderança que será apresentada ao país em 2016. Para quem está na oposição demonstrar ser alternativa em termos de equipa e de políticas é a primeira das prioridades. Para quem está no governo a preocupação em justificar as polí- ticas executadas e em gerir expectativas, monopoliza grande parte das energias. Se em termos normais compreende-se tal atitude, quando a crise aperta custa aceitar que face aos novos dados não se mude o rumo. A crise que em Cabo Verde está ligada à diminuição drástica de ajuda externa em forma de donativos e empréstimos concessionais veio pôr a descoberto as insuficiências construídas no sistema económico. O país não tem competitividade externa porque entre outras razões a energia e água são caras, a qualidade do ensino é baixa, a formação profissional é inadequada, a burocracia estatal trava iniciativas individuais e o ambiente de negócios em geral não é favorável à inovação, ao empreendedorismo e à actividade empresarial. Sem competitividade não há como atrair investimento directo estrangeiro (IDE) para substituir os fluxos provenientes da ajuda externa. E sem IDE dificilmente se poderá adquirir tecnologia, aumentar a produtividade e conseguir mercados para exportação. O drama de Cabo Verde é que mesmo com a crise ainda não se perdeu esperança que é possível continuar com o modelo de reciclagem da ajuda externa. O Governo na sua comunicação institucional é quem mais alimenta isso. Quando a Europa, a principal fonte de ajuda, ameaçou soçobrar sob o impacto da crise da dívida soberana, o governo deixou logo saber à população que existiam outras fontes de “cooperação”, os BRICS. Pura ficção, porque essa cooperação nem em meios, motivação e sustentabilidade poderia substituir a europeia. Os esforços em manter o país preso a um modelo de há muito esgotado, presume-se por razões ideológicas ou de manutenção do poder, curto-circuita o que devia ser o grande impulso da sociedade na construção das bases reais de criação de riqueza no país: o impulso para se ter uma educação de qualidade e uma administração ágil e prestável, para incentivar a iniciativa individual e para compensar o esforço e o mérito. O mundo ainda não deixou a crise completamente para trás. A Europa ainda soluça, os avanços dos EUA não são irreversíveis, a China cresce menos e os outros BRICS voltaram ao crescimento raso do passado. Cabo Verde tem que aprender a crescer potenciando os seus recursos, identificando as suas vantagens e ligando-se inteligentemente ao mundo. A rentrée política deveria ser animada por um amplo debate no qual toda a nação cabo-verdiana deverá engajar-se para se construir a prosperidade em bases sólidas e sustentáveis.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 2 de Outubro de 2013

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