No discurso de revolta e indignação de 2 de Novembro, o Primeiro-Ministro José Maria Neves classificou de indecente a promoção de relações internacionais na base de “enganar uns e outros ao mesmo tempo e enganar o povo de Cabo Verde”. A caracterização é tão perfeita que convida a pensar se não lhe sai da alma. Se não é assim que seu Governo e partido sempre entenderam as relações internacionais. A cultura da política PAIGC/ PAICV suporta-se muito no esconder a verdadeira face sob a capa de “pensar com as nossas próprias cabeças”. Diferentemente dos outros movimentos de libertação das PALOP, o PAIGC sempre se negou a rotular-se de "ismos", marxismo, leninismo ou maoismo. Um disfarce, porque, como a história reconhece, a ideologia, os textos do partido, o discurso político e as instituições construídas na Guiné e Cabo Verde após as respectivas independências tinham as marcas da sua origem na herança comunista. Mas um disfarce que serviu bem ao PAIGC particularmente nas suas relações com os sociais-democratas escandinavos e outros partidos de esquerda europeia. No estrangeiro diziam uma coisa, em casa, o partido “pensava com a sua própria cabeça” e implantava regime de partido único, perseguia simples opositores, estatizava a economia, hostilizava o investimento privado, nacional e estrangeiro, e fomentava luta de classes contra as elites. O PAICV na democracia conservou esta praxis com as adaptações exigidas pelo tempos. Já houve tempo em que membros do Governo recitaram para os ouvidos do FMI, do Banco Mundial e de outras organizações os termos do consenso de Washington. O Primeiro-Ministro fala abertamente das suas leituras de Amartya Sen, Francis Fukuyama, Fareed Zakaria e Thomas Friedman, autores nos antípodas das crenças e das práticas do PAICV. Nos resultados da governação desta década vêem-se porém as consequências do PAICV a deixar os seus instintos vir à tona mesmo que camuflada dum linguajar que, a ouvidos desprevenidos, poderia parecer o mais liberal ou mesmo neoliberal: assim, por exemplo, vêem-se: 1º, no deserto em que se transformou a zona industrial do Mindelo com perdas de milhares de postos de trabalho directos e indirectos; 2º, no turismo que ficou aquém do que se projectou porque não promovido e porque não se resolveram problemas como a segurança, energia e água, acessos, transporte inter-ilhas, ambiente económico, habitação, saúde etc.; 3º, na imobiliária turística que se atrasou e acabou por se perder com a insegurança jurídica no registo de propriedade, com a ganância do Estado, com lutas do Governo com os municípios e com os obstáculos postos pela administração central; 4º, na Electra que foi nacionalizada, afundando-se em dívidas, e a TACV que não foi privatizada, também coberta de dívidas;5º, no hub portuário e aeroportuário que não teve o sucesso prometido; 6º, nos centros financeiros offshore desmantelados na sequência do escândalo do BPN/Banco Insular; 7º, nas tecnologias de informação e comunicação que falharam em abrir ao país uma nova avenida de prestação de serviços internos e para exportação. É um Cabo Verde enganado que vai iniciar uma nova década com défices orçamental e de balança de contas correntes excessivos e com uma dívida pública ultrapassando os limites aceitáveis. Sem que vislumbre ainda os investimentos privados criadores de emprego que deviam seguir aos investimentos públicos em infraestruturas e os justificariam. Ao apostar na continuidade, no “mais do mesmo” o PAICV mostra-se disposto a continuar nos jogos de engano de tudo e de todos que caracterizaram a sua actuação política.
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